Do jeito que vai o Brasil, até vendedor ambulante tem lado. Descobrimos na Avenida Paulista, em dia de manifestação de apoio ao candidato Jair Bolsonaro, quando uma adolescente nos sorri. “Fala, amiga!” Perguntamos pela véspera, se também na véspera esteve ali, na Av. Paulista, vendendo bandeiras e fitas #elenão. “Teve do PT também, moça, só que a gente só está vindo assim aqui.” Diz para o colega: “Você vendeu do PT ontem?” Não. “Não, só Bolsonaro. A gente vai votar no Bolsonaro, toda. Tem um amigo nosso que teve a mercadoria e veio vender ontem do PT aqui, mas ele vai votar no Bolsonaro também. A gente toda aqui é Bolsonaro.”
Chama-se Ester. Negra. Você já vota? “Voto, tenho 16 anos. É o meu primeiro ano de eleição.” E vota em Bolsonaro porquê? Concorda com o quê? “Com a maioria.” A conversa é interrompida pelo trabalho. Camisetas e bandeiras verde e amarelo. De Bolsonaro, mas também do Brasil. É ele que diz: “Meu partido é o Brasil.” E apareceria ele em videoconferência do Rio de Janeiro saudando o apoio das dezenas de milhares que este domingo, um dia depois de 50 mil que votarão Fernando Haddad terem gritado no mesmo lugar #elenão, acorreram à Paulista. Desta vez, nem organização nem autoridades avançaram com números.
#Somostodosbolsonaro. E dizem que são Brasil. E #caixa2. A uma semana da segunda volta de umas eleições que se decidem entre Fernando Haddad, do PT de Lula, e Jair Bolsonaro, de um PSL que mal se cita, ironizou-se por todo o país com a polémica do WhatsApp. Muita gente vestida de caixa (caixa 2 é o que se diz para dinheiro doado a campanhas políticas sem ser declarado), muita gente dizendo “vim de graça”, mas o geral é multidão em festa numa manifestação que parece mais copa do mundo que política.
Pelo meio, de azul, há também quem fale de política como quem fala do tempo. Não é difícil descobri-los. Roni Rodrigues, por exemplo. Camiseta azul, do MBL. É o Movimento Brasil Livre, que surgiu ao final de 2014 com a organização de duas manifestações em São Paulo e no Rio Grande do Sul, em apoio às investigações da Operação Lava Jato, que levaria à prisão de Lula. Apoiados nas redes sociais (Facebook, YouTube, Instagram) onde reúnem cada vez mais seguidores alinham-se com o tatcherismo. Defendem uma presença do Estado mínima na economia, uma reforma laboral, um ajuste fiscal, a redução da idade mínima para a aplicação de penas de prisão. E apoiam Bolsonaro. Roni, que antes de se mudar para São Paulo chegou a coordenar o MBL em Guarulhos. “A gente já está preparando tudo para quando voltar aqui, no próximo domingo.” No “próximo domingo” é o dia das eleições. “A questão é só saber por quanto. A tia de um amigo meu mesmo já está organizando a excursão para a tomada de posse”, em Brasília. “Vai ser que nem a do Lula.”
Roni já não coordena o MBL de Guarulhos mas a camisola continua vestida. Literalmente. “Amanhã ou depois se o prefeito vem com uma pauta maluca que a gente precisa ir para a rua contra essa pauta maluca, aí a gente vai e estaremos juntos mais uma vez.”
E o que é uma “pauta maluca”? Vamos lá: “Portugal também não é um país normal, não é, mas um país normal tipo a Austrália ou a Suíça, as pessoas não falam de política todo o dia. Porque o governo te incomoda menos. Quando você paga 12% de imposto, é bastante dinheiro, mas as pessoas não estão preocupadas. Agora quando a gente paga 35% de imposto e tudo o que a gente faz depende do governo num país onde é quase impossível abrir um negócio, um país com regulações infinitas, muitas herdadas dos nossos colegas portugueses, é difícil viver. O governo te atrapalha o tempo todo. E aí a política está na vida o tempo todo. Nunca ouvi falar que a Suíça está indo para protesto por causa de lei. E é porque o governo não atrapalha tanto a vida do cidadão.”
Porque há mais dinheiro, também? “Mas porque há dinheiro? Porque não há tanta burocracia, tanta regra, tanto problema. A corte do D. Pedro quando ele assumiu já era maior que a corte da Margaret Thatcher, que tinha meia dúzia de ministros lá para indicar.”
Outro assunto que o perturba: a forma como em Portugal se encara a provável eleição de Jair Bolsonaro no segundo turno das presidenciais, no dia 28. “Isso é um pouco influência de brasileiros que estão lá [em Portugal], a maioria como sempre socialistas de iPhone que saíram do país no próprio governo deles.” Durante os anos em que o PT esteve no poder. “Tenho muitos amigos assim. As trocas de mensagens precaveram o fim do mundo. ‘Estão votando no Bolsonaro, meu Deus’.” Mas Bolsonaro teve 58% dos votos entre os brasileiros que vivem em Portugal. “É. Os 42% fazem parte da imprensa. A imprensa mundial, não só a brasileira, é de esquerda. A imprensa bate muito no tiozinho do WhatsApp, essa confusão que deve estar acompanhando agora. Está falando do meu tio, da minha tia, de gente comum que está revoltada. Gente normal que não aguenta mais o que a esquerda fez com o Brasil.”
E apresenta o caso de São Paulo, quando Fernando Haddad, agora candidato a presidente, perdeu a prefeitura para João Doria, do Partido da Social Democracia Brasileira. “Porque é que Haddad perdeu até na periferia? Porque o brasileiro médio é um cara que é conservador, que acredita em Deus, seja católico ou evangélico, que não quer a influência do Estado na vida dele, que quer pagar menos imposto. É assim. Pode ir na favela mais pobre de São Paulo. Não vai ouvir gente falando que tem que ter hospital público. Vai ouvir gente falando que tem que ter saúde — se a gente tiver dinheiro para pagar, que seja privado; se não tiver, que seja público. É óbvio. O cidadão médio, ele é conservador. E não é só no Brasil, é em todo o mundo. Veja os Estados Unidos, é a mesma coisa, ou o Brexit que ganhou na Inglaterra. A esquerda mundial está desesperada porque a tecnologia fez com que as pessoas comuns se conectassem. Como é que o Brasil, um país de direita, sempre elegeu presidentes de esquerda ou centro esquerda? Propaganda. Marketing. Política formal. Dinheiro. Máquina”.