Cada vez mais são sentidas as consequências das alterações climáticas. Isso, como apontam os especialistas, é visível de diversas formas, mas as mais notórias são mesmo o aumento da temperatura e a diminuição crescente da precipitação. No ano passado, por cá, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) declarava que o mês de setembro foi o mais seco dos últimos 87 anos em Portugal continental. E este ano não há motivos para respirar de alívio: de acordo com o boletim climatológico relativo a setembro de 2018, disponibilizado no site do IPMA, o mês de setembro deste ano no continente “ classificou-se como extremamente seco”, tendo sido o segundo mais seco dos últimos 30 anos – ultrapassado apenas pelo mesmo mês do ano passado. “O total de precipitação neste mês, 8.1 mm, corresponde apenas a cerca de 20% do valor normal”, lê-se.
Uma das principais vítimas da precipitação insuficiente são as barragens. Em setembro do ano corrente, de acordo com o levantamento feito pelo i a partir dos dados disponíveis no Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos, 17 barragens registaram menos de metade da sua capacidade total. E, dessas, 12 têm como principal uso a rega dos campos – Arade, Caia, Vigia, Campilhas, Fonte Serne, Monte da Rocha, Odivelas, Roxo, Vale do Gaio, Divor, Magos e Póvoa.
Mas como se explica exatamente a influência das alterações climáticas na diminuição da precipitação? Ao i, Pedro Garrett, investigador do programa doutoral em alterações climáticas e políticas de desenvolvimento sustentável, esclarece a questão. “Do ponto de vista das alterações climáticas, todas as projeções indicam que existe uma intensificação dos fenómenos extremos”, começa por dizer. “Ou seja, do ponto de vista da precipitação, mesmo que em Portugal não se preveja uma diminuição no total anual do volume de água da chuva, prevê-se que o regime de precipitação seja diferente – mais intenso e concentrado no espaço e no tempo. Isso significa que essa precipitação gera escorrência superficial, e por isso não recarrega os aquíferos e não está diretamente disponível para as barragens, contribuindo para a erosão dos solos – o que é muito problemático para a agricultura, porque arrasta os nutrientes necessários para que não tenhamos de adubar tanto o solo para fazer crescer os nossos alimentos”, clarifica o especialista.
Na base dessa mudança no regime de precipitação, diz Garrett, está “o facto de todo o sistema que transporta as tempestades estar a sofrer alterações, está a sofrer um bloqueio. Sabemos que o Ártico tem estado a aquecer a um ritmo mais rápido do que o resto do planeta e isso faz com que as temperaturas mais frias do Ártico estejam cada vez mais quentes ou mais próximas das temperaturas mais moderadas das latitudes mais baixas”. Esse bloqueio tanto ocorre em latitudes mais baixas – como “aconteceu neste inverno, resultando num período mais prolongado de precipitação” -, como em latitudes mais altas – “como aconteceu no ano passado, dando origem a um período de seca”, exemplifica o cientista.
É impossível prever Ora, até aqui, os especialistas conseguem chegar. A dificuldade vem depois: é que é impossível prever a duração quer dos fenómenos de seca, quer dos fenómenos de precipitação. “Um período de seca pode durar anos, meses? Podemos ter décadas de seca? É muito difícil de identificar, e por isso é que os cientistas, sempre que há um novo relatório, dizem que as projeções subestimam os potenciais impactos”.
Perante a impossibilidade de prever, torna-se então imperativo que se trabalhe a adaptação às alterações climáticas. Pedro Garrett alerta para as crises que uma má gestão da água podem vir a trazer no futuro e diz mesmo que já existem exemplos de períodos de seca muito longos no globo que, aliados à falta de planeamento na manutenção do recurso por parte das autoridades responsáveis – nomeadamente na agricultura – resultaram em “conflitos relacionados com a soberania alimentar, levaram ao êxodo rural, etc.”.
Por cá, a adaptação é algo que na opinião do investigador está até bem estudado, mas falta aplicação prática. “Não tem havido um acompanhamento político forte para minimizar os impactos. Há muitos estudos, mas dos estudos à prática não tenho visto nada de significativo”, lamenta. Por outro lado, nessa matéria, África é um bom exemplo. “Em Marrocos, por exemplo, estão a rever cinco grandes barragens – usadas não só para a agricultura, mas também para a produção de energia hidroelétrica e estão a pensar em modificar a bacia de drenagem das próprias barragens, de forma a serem mais resilientes às alterações climáticas”. Nessa estratégia de revisão do armazenamento de água, importa “preocuparmo-nos não apenas com um reservatório, mas com toda a bacia – como é que a água lá chega, qual a sua qualidade, como é que podemos promover a infiltração da água no solo” são algumas das questões às quais é preciso responder.
Ainda assim, é possível encontrar bons exemplos em território português que podem servir de guia à transformação que todo o setor da agricultura, mas não só, terá de sofrer. “A Herdade do Freixo do Meio, perto de Montemor-o-Novo, tem um sistema agroflorestal fantástico e na seca do ano passado foi altamente resiliente. A Herdade do Esporão tem também um sistema igualmente resiliente, que conseguia aguentar mais dois ou três anos de seca como no ano passado sem sentir falta de água”.
Para o futuro – que neste tópico é cada vez mais o presente – uma coisa parece certa: a quantidade de água armazenada nas nossas barragens tem tendência a diminuir, acompanhando a tendência de redução da precipitação.