Lux Frágil. Vinte anos  de clareira na floresta

Lux Frágil. Vinte anos de clareira na floresta


A exposição dos vinte anos do Lux evoca não só o prazer hedonista da noite como extravasa os limites da discoteca. O Lux enquanto laboratório de ideias e agregador de pessoas pelos olhos de Fernando Brízio


Manuel Reis ficou fascinado com o design expositivo de Fernando Brízio em “PIN 10 anos”, na Sociedade de Belas Artes, e convidou-o para imaginar vinte anos de comunicação visual e sonora do Lux sintetizados numa exposição.

Os dois já pouco contactaram durante a organização de “Paradisæa”, mostra simbólica de duas décadas de agitação e provocação da cidade. O Lux enquanto laboratório de ideias e agregador de pessoas. “Um sítio excecional apesar de não sair muito”, reconhece Brízio. “Um lugar de decisão, onde é possível atingir outra dimensão”, continua, a partir de um texto reflexivo escrito por Catarina Portas.

A 29 de setembro de 1998, o Lux Frágil abria portas. À cidade e a uma zona oriental a acordar de novo após a progressiva desestruturação industrial. Na sua megalomania, a Expo ‘98 era um rastilho da requalificação da zona. Pela mão de Manuel Reis, o Lux expandia os horizontes do Frágil original do Bairro Alto e assumia um papel de referência para Lisboa, capaz de ser um catalisador da nata artística e de inspirar novos padrões de exigência. Fazer para falhar melhor.

Mais do que uma discoteca, propunha ser uma oficina hedonista. E a visão de Fernando Brízio é um espelho desse extravasar de portas notado, por exemplo, nos enormes “dispositivos cénicos” montados para as festas de aniversário.

Brízio recebeu carta branca para organizar a informação à sua maneira. Desde o início, houve “uma preocupação em documentar tudo”, frisa. Teve acesso a um acerto de cerca de vinte mil fotografias de Luís Ferreira onde se notam as mudanças na vida de cada um. Notou “os divórcios e o envelhecimento” das pessoas enquanto olhava para os retratos das festas. As horas de sono que ficaram por dormir, as reuniões adiadas, os romances de uma noite, os casamentos para a vida e as vidas que mudaram. “O prazer eternizado”, cita dos pensamentos de Manuel Reis, que partiu este ano a 25 de março.

“Muitas vezes”, diz, “as festas eram usadas para mudar o interior”. E contaminavam a cidade mas o Lux nunca começou à semana e acabou ao sábado à noite. Além de DJ e músicos, passaram designers, arquitetos, decoradores, estilistas, artistas plásticos e VJ. Fernando Brízio chama a atenção para o papel de Ricardo Mealha, com quem o Lux manteve estreita ligação ao longo de anos, mas a exposição reflete uma ideia coletiva de ação.

Três instalações recapitulam, reordenam e recontextualizam convites, flyers, cartazes, fotografias, desenhos, vídeos, mobiliário, objetos, esculturas, peças de vestuário, maquetas, adereços, música e textos no tempo e no espaço.

Nos próximos dois meses, “Paradisæa” está patente no Hub Criativo do Beato, a antiga Manutenção Militar. “O Manuel Reis queria que [a exposição] fosse na zona oriental]”, explica Fernando Brízio, não só pela proximidade, como pelo simbolismo de ter sido o Lux um elo fundamental para Lisboa olhar para a zona oriental como um organismo vivo.

A primeira instalação vive a memória do Lux através de fotos e folhetos da programação expostos em prateleiras invisíveis (acrílico transparente). Por exemplo, o único registo fotográfico do concerto improvisado de Prince – uma jam livre e espontânea às 5 da manhã após um espetáculo no então Pavilhão Atlântico. Ou seja, uma identidade visual em permanente reconstrução e uma identidade musical em constante reinvenção. Na sala de aspeto kubrickiano, Brízio escolheu um branco “neutro”

Debaixo dos pés, só areia. “Por uma questão prática” de “uniformização” do chão das três salas mas também por opção conceptual. “A areia convida a descalçar” e remete para o “lugar primitivo” onde Paradisæa, a ave-do-paraíso que pela sua exuberância e beleza, dança para seduzir a fêmea. A coreografia acontece no cimo das árvores e tem por fim a sobrevivência e reprodução da espécie mas é simbólica do Lux enquanto lugar de “prazer primordial”, define Fernando Brízio.

Na segunda instalação, todo o destaque é atribuído ao vídeo. Hoje uma ferramenta banalizada, mas “desde cedo um fator de diferenciação”, alerta o texto de apresentação da exposição.

E na terceira, “um palco”, descreve. Talvez a sala que mais se assemelha ao Lux Frágil com alguns dos objetos icónicos. Por exemplo, a gaiola e o urso, que nos últimos anos decoraram o bar, mas não só. Há um rádio escolhido para reproduzir o programa do Lux na rádio Oxigénio e um ecrã vídeo com a performance de Dita Von Teese na festa Malícia.

E depois disto, a vida volta a ser toda para diante.