Robuchon. O rei das estrelas Michelin

Robuchon. O rei das estrelas Michelin


Usava ténis vermelhos com a jaqueta, foi o mentor de Gordon Ramsay e de Eric Ripert e em 1990 foi considerado o ‘chef do século’. Joël Robuchon morreu ontem, aos 73 anos


Teve uma constelação de estrelas Michelin. 32, no ponto mais alto da sua carreira. Joël Robuchon, o mítico chef francês, morreu ontem, em Genebra. Tinha 73 anos e não resistiu a um cancro do pâncreas ao qual tinha sido operado no ano passado. “Perdemos o Pai das estrelas Michelin, o mais condecorado Chef no mundo que nos manteve alerta! Mesmo quando estávamos a dormir. Obrigado, Chef”, lamentava ontem um dos seus pupilos, Gordon Ramsay, nas redes sociais.

O “génio da gastronomia”, como lhe chamou o “Le Figaro”, nasceu em Poitiers, uma cidade no centro-oeste de França, a 7 de abril de 1945, no seio de uma família profundamente católica, filho de um pedreiro e de uma doméstica. Joël estudou no Petit Séminaire de Mauléon-sur-Sèvres e pensou tornar-se religioso (entrou para o seminário aos 12 anos) mas o gosto inato pelo mundo da gastronomia falou mais alto e tornou-se aprendiz de cozinheiro aos 15 anos, lê-se no seu site oficial.

Em 1974 tinha 29 anos quando subiu o primeiro degrau de uma ascensão meteórica: a cozinha do hotel Concorde Lafayette, em que liderava uma equipa de 90 cozinheiros. Serviam milhares de refeições por dia e, durante esse período, o seu “profissionalismo”, “rigor” e “criatividade” valeram-lhe uma sólida reputação. Dali saiu para o hotel Nikko, como chef executivo, onde ganhou, aos 31 anos, as suas duas primeiras estrelas Michelin. Em dezembro de 1981 abriu o seu primeiro restaurante, o “Jamin”.

Foi um sucesso imediato: nos três primeiros anos do “Jamin”, colecionou uma estrela por ano, alcançando assim um patamar sem precedentes. E nos dez anos seguintes o “Jamin” nunca perdeu o gás. Em 1994, abre um restaurante com o seu nome na Avenue Raymond Poincaré, em Paris. Nesse ano, o “International Herald Tribune” considerou-o o “Melhor Restaurante do Mundo”. Mas antes já tinha no palmarés um prémio inigualável: em 1990, foi considerado o “chef do século” pelo guia de cozinha “Gault et Millau”. Entre os pratos que o tornaram famoso estava o seu icónico puré de batata: um quilo de batata para 200 gramas de manteiga, que resultavam numa textura aveludada, conta o “Le Figaro”. Não nos deixemos enganar pela simplicidade: Robuchon, considerado um dos pioneiros do pós-nouvelle cuisine, era extremamente perfeccionista e as suas receitas eram afinadas até à perfeição, para depois serem milimetricamente replicadas nas cozinhas dos seus vários restaurantes.

Aos 50 anos, anunciou que se iria retirar. Estava saturado do exigente mundo da alta cozinha e dos pratos técnicos. Em 1996, mudou-se para a província de Alicante, em Espanha, que viria a inspirar os seus passos futuros e a ditar um regresso à simplicidade da comida.

 

Televisão e novos restaurantes Antes de Jamie Oliver, já Robuchon tinha aparecido na televisão com o programa de culinária “Bon Appétit Bien Sûr” em que, a partir de 2000, mostrava ao público receitas práticas e baratas. A partir de 2011, a lógica manteve-se com o programa “Planète Gourmande”. E, pelo meio, publicou uma série de livros. Estas não foram, contudo, as suas únicas formas de aproximar as pessoas e a arte de cozinhar. Para que as escolas de cozinha fossem mais acessíveis, até transformou o antigo mosteiro de Poitiers, a cidade onde nasceu, numa escola de culinária.

O conceito que aplicou no restaurante “L’Atelier” (o primeiro abriu em Paris, em 2003, para depois ser replicado em Las Vegas, Nova Iorque, Singapura, etc.) era o reflexo de um homem novo. Inspirado na culinária japonesa, que adorava, e pelas tapas dos bares de Espanha que adotou, Robuchon pensou um restaurante com uma cozinha aberta para a sala, que privilegiava o “espírito do convívio”. O conceito, inovador para a época, foi mais um sucesso. Em 2016, Robuchon atingiu o seu valor recorde de estrelas Michelin: 32. Atualmente, continuava a deter umas impressionantes 28 estrelas do prestigiado guia.

As estrelas não lhe ofuscaram a criatividade e Robuchon continuou a ser visionário: nos últimos anos, cozinhava com cada vez menos açúcar e gorduras, como contou no ano passado numa entrevista ao “Guardian”.

“Quanto mais velho estou, melhor percebo que a verdade está na comida simples, que pode ser do mais extraordinária. E é extremamente difícil. Fazer algo muito sofisticado e com ingredientes de enorme qualidade é muito fácil, mas cozinhar algo simples que seja extraordinário é onde está a maior dificuldade, é das coisas mais complicadas que se pode fazer numa cozinha”, disse na mesma ocasião ao diário britânico. Em 2015, já tinha explicado ao “El País” as suas escolhas. “Comecei a cozinhar com mais especiarias e reduzi o sal, a gordura e o açúcar. Não defendo uma cozinha medicinal, mas também não defendo uma em que acabas inchado e sem vontade de ir dormir”.

Detinha 26 estabelecimentos (entre restaurantes, salões de chá e bares) espalhados por Tóquio, Mónaco, Londres, Hong Kong, Paris, Nova Iorque, Taipé, Montreal e Xangai. Quando soube que estava doente, lê-se no “Le Figaro”, vendeu os restaurantes a um fundo de investimentos sedeado em Inglaterra e Luxemburgo.

 

Pratos preferidos Em 2014, descreveu à “Business Insider” quais tinham sido as suas refeições mais memoráveis. “Nunca tento misturar mais do que três sabores no prato. Gosto de entrar numa cozinha e saber que os pratos são identificáveis e os ingredientes fáceis de detetar”, disse, antes de elencar os seus dois momentos gastronómicos preferidos. Primeiro, falou de uma refeição que partilhou com o também famoso chef Guy Savoy, em que, no topo de uma montanha, comeram queijo acompanhado de uma garrafa de Château d’Yquem de 1987. “Estávamos com amigos, com pessoas de que gostávamos, com queijo fantástico. E esse ficou certamente marcado como um dos grandes momentos da minha vida. Pode parecer estranho que uma das minhas melhores memórias seja queijo e uma garrafa de vinho, mas foi construída também com a companhia que escolhemos”. O outro grande momento gastronómico deu-se em Tours, quando um chef lhe serviu uma galinha cozinhada dentro de um pão. “Qualquer pessoa consegue assar uma galinha, mas assá-la desta forma dentro de um pão (…), estava tão suculenta. E a pele em si parecia a própria crosta do pão”. Pão, queijo, vinho e galinha – no banquete das memórias, o mais estrelado do mundo recordava, efetivamente, as coisas simples.