E se hoje chegasse ao seu emprego e o seu patrão lhe dissesse que ia passar a trabalhar apenas quatro dias por semana, com direito a três dias de descanso, sem sofrer cortes no salário e sem ter de fazer horas extra? Certamente que a medida lhe iria agradar e que não lhe iria passar pela cabeça qualquer argumento contra para demover o seu chefe dessa ideia.
A eterna questão de quantas horas se deve trabalhar por semana voltou às luzes da ribalta quando uma empresa da Nova Zelândia decidiu testar a teoria de que mais horas de trabalho não são sinónimo de produtividade. Ao longo de dois meses, a empresa aplicou a política de quatro dias de trabalho e três de descanso e os resultados não poderiam ser mais promissores. No início da experiência – que começou em março -, apenas 54% dos trabalhadores garantiam que conseguiam equilibrar a vida profissional com a pessoal, tendo em conta o horário de trabalho que tinham.
Perante estes números, Andrew Barnes, fundador da empresa, teve a ideia de prolongar os dias de descanso, com o objetivo de proporcionar aos funcionários um maior equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal. Assim, esta nova medida ia permitir aos funcionários focarem-se mais na empresa durante os quatro dias de trabalho e organizarem melhor a sua vida pessoal no dia de folga extra.
Os resultados falaram por si: no final da experiência, 78% dos trabalhadores asseguraram que já conseguiam manter, com sucesso, um equilíbrio entre a sua vida pessoal e a sua vida profissional. Para além disso, os níveis de stresse diminuíram e os níveis de satisfação, compromisso com a empresa e motivação aumentaram.
Na sequência deste sucesso, o diretor da empresa quer que a política de quatro dias de trabalho seja permanente e, por isso, enviou ao conselho de administração as suas recomendações nesse sentido.
Será esta a resposta para aumentar a produtividade e a motivação dos trabalhadores? A verdade é que muitos especialistas acreditam que os trabalhadores se sentem mais motivados e produtivos se conseguirem encontrar um equilíbrio entre a vida familiar e a vida profissional. Além disso, defendem que a produtividade não é sinónimo de muitas horas de trabalho.
Ao i, Miguel Santos e Hugo Marujo, fundadores e administradores da empresa IMBS, consultora de rentabilidade operacional, defenderam que “para um trabalhador ter os níveis de motivação altos e ser mais produtivo, deve conseguir conjugar da melhor forma possível o equilíbrio entre os momentos profissionais, pessoais e familiares, sempre respeitando as necessidades da empresa”.
Saúde mental e Stress E Hoje em dia, com as novas tecnologias, os trabalhadores estão sempre “ligados” ao mundo profissional. A partir de casa conseguem resolver qualquer problema que surja à última hora. Basta abrir o computador ou até mesmo recorrer ao telemóvel para resolver imprevistos. Essa invasão do espaço pessoal pode fazer com que os trabalhadores não consigam desligar-se do mundo profissional e levá-los a trabalhar horas a fio, sem fazerem uma pausa para descansar. No entanto, trabalhar muitas horas por dia ou todos os dias da semana está longe de estar ligado ao facto de o trabalhador ser produtivo. Segundo os fundadores da IMBS, a palavra produtividade, “na sua essência, não é trabalhar mais, mas sim trabalhar melhor”, e dão o exemplo: “Podemos ter um trabalhador que produz mais em seis horas do que outro que trabalha oito horas.”
Leandra Cordeiro, psicóloga clínica e professora na Escola Superior de Educação de Viseu, também concorda: o descanso dos trabalhadores é “fundamental para a produtividade (…) Sabe-se hoje que trabalhar muitas horas está longe de significar mais produtividade”.
É importante tirar férias e dias de descanso porque esses dias, segundo Miguel Santos e Hugo Marujo, podem ajudar a contribuir para a motivação dos trabalhadores. “O ser humano precisa de conseguir parar para respirar e encontrar fontes de inspiração. O lazer, a família, atividades pessoais são essenciais para encontrar novas formas de motivação”, explicam.
Mas não é só a motivação que sai a ganhar com os dias de descanso. De acordo com Leandra Cordeiro, a saúde mental dos trabalhadores também é reforçada: “Hoje reconhece-se que, para haver saúde mental – numa altura em que se fala cada vez mais em burnout (no fundo, uma forma particular de stresse profissional que implica exaustão emocional, despersonalização e perda de realização pessoal) -, é fundamental as pessoas manterem uma vida pessoal organizada, o que exige tempo de descanso e tempo para a manutenção da rede dos vínculos afetivos de qualidade.”
Este descanso mental vai contribuir para um aumento da produtividade que, segundo a psicóloga, se deve ao facto de o trabalhador ter conseguido fazer uma pausa. Posteriormente, a sua capacidade de manter uma maior atenção no trabalho que está a desenvolver será maior, porque esta concentração vai exigir uma “otimização das funções mentais: atenção, concentração, memória, raciocínio”, entre outras. “Há quem defenda até a planificação do dia com mais intervalos, exatamente para respeitar os ritmos do cérebro, que tem períodos médios de atenção, e assim permitir a distância necessária para o restabelecimento do foco”, elucidou.
Para os fundadores da IMBS, os trabalhadores podem ainda vir a sofrer de stresse caso se sintam muito cansados e exaustos: “O stresse por cansaço afeta o desempenho e a motivação dos colaboradores, pois alguém que não está na plenitude da sua força e motivação não vai conseguir obter o mesmo rendimento de trabalho. Este efeito pode afetar, além da produtividade do indivíduo, a do grupo e da organização, pela transmissão da desorganização e de ansiedade que o stresse pode acarretar.”
Cada vez mais as empresas se preocupam com “a qualidade de vida em detrimento do benefício financeiro por si só”, adiantam os especialistas da IMBS. “Com certeza que tirar o foco do trabalho ao fim de semana é importante para trazer uma nova motivação e disponibilidade” para a semana que se avizinha. “O equilíbrio emocional que o descanso permite é fundamental para renovar as energias e fazer face aos desafios”, acrescentam.
Benefícios do fim de semana prolongado É certo e sabido que as férias e os dias de folga ajudam a repor energias e que os benefícios podem ser vários. De acordo com um estudo publicado na revista “The Lancet”, trabalhar durante várias horas seguidas pode aumentar o risco de ataques cardíacos e de tromboses. Assim, o descanso ajuda a melhorar a saúde.
Ter mais um dia de folga permite dormir mais e, desse modo, melhorar a qualidade do sono, indica a NCBI. Esta melhoria ajuda os trabalhadores a recuperarem do stresse laboral e a diminuir os níveis de irritabilidade.
Leandra Cordeiro não considera que os dias de descanso, no futuro, passem a três, mas acha que o que deve ser importante é “existir maior flexibilidade e atenção nos dias de trabalho”. Já os especialistas da IMBS acreditam que a ideia de reduzir o horário de trabalho por dia ou de prolongar o fim de semana “poderá vir a ser uma realidade” no futuro mas que, para já, ainda há um “caminho a percorrer na produtividade e organização das empresas”.