Depois de António Guterres ter sido eleito secretário-geral das Organização das Nações Unidas (ONU), Portugal poderá ter mais um representante nos organismos internacionais. António Vitorino é candidato ao cargo de diretor-geral da Organização Internacional para as Migrações (OIM), organização criada para resolver a situação dos refugiados europeus no pós-guerra e que, apesar pouco conhecida, ganhou uma vocação mundial com o problema atual das migrações.
As eleições acontecem sexta-feira, dia 29 de junho, e António Vitorino enfrenta uma costa-riquenha, Laura Thompson, a atual vice-diretora-geral da OIM e grande conhecedora da “máquina”, e um americano evangélico, Ken Isaacs, famoso pelos seus comentários anti-muçulmanos,
O socialista português considera que é possível trazer para a resolução do problema das migrações a sociedade civil, os média e os empresários. “As migrações são uma aposta triplamente vencedora, para os países de origem, de destino e para os próprios migrantes, para o que é preciso criar confiança e uma imensa cooperação internacional”, afirmou no vídeo de apresentação da sua candidatura.
Quando o governo formalizou a candidatura de Vitorino, em dezembro do ano passado, justificou-a com a “relevância que Portugal atribui à temática e ao diálogo em matéria de migrações e à premente necessidade de serem encontradas soluções eficazes para os problemas migratórios no quadro internacional”.
A escolha recaiu no antigo ministro da Defesa por ser um “profundo conhecedor” desta problemática, defendeu o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Se a candidatura do socialista conta com o apoio do governo português, a verdade é que começou a ser trabalhada fora do país. O nome de António Vitorino é bastante conhecido nos meios europeus e internacionais. Foi eurodeputado entre 1994 e 1995 – tendo presidido à Comissão das Liberdades Cívicas e dos Assuntos Internos – e, em 1999, foi indicado para comissário europeu, sendo-lhe atribuída a responsabilidade pela Justiça e Assuntos Internos, função que desempenhou até 2004. Quando exerceu esses cargos, sempre se debruçou sobre o tema das migrações, presidindo ou participando em diversos institutos.
Portugueses a mais na onu A audição que os candidatos prestaram a 17 de maio perante a Assembleia-Geral da OIM – no mesmo processo que foi adotado para a eleição do secretário-geral da ONU – correu bem a Vitorino. Contudo, houve quem não visse com bons olhos o “excesso” de candidaturas portuguesas na ONU, tendo sido dito tratar-se de uma sobrerrepresentação do país.
Portanto, nada é certo nesta eleição que poderá ter várias rondas, até que alguém obtenha os dois terços necessários, ou seja, 106 votos. Como adversários, António Vitorino tem a costa-riquenha Laura Thompson e o americano Ken Isaacs.
Com mais de vinte anos de experiência em diplomacia, negociações multilaterais, políticas de desenvolvimento e assuntos humanitários, Laura Thompson é vice-diretora-geral da OIM desde setembro de 2009, função para a qual foi reeleita em 2014. A sua carreira diplomática tem sido feita essencialmente na ONU (começou por ser adida cultural da representação da Costa Rica junto da Unesco, em Paris, em 1989) e passou pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.
Candidato polémico Se a candidatura da costa-riquenha já era expectável, a de Ken Isaacs foi uma surpresa. O americano é vice-presidente da organização cristã evangélica de ajuda humanitária Samaritan’s Purse, cuja missão é “ajudar em nome de Jesus”. Apesar do trabalho humanitário desenvolvido pela sua organização no terreno, nomeadamente em África – o que lhe trouxe apoio dos países africanos que detêm mais de 50 votos -, Ken Isaacs não tem qualquer experiência diplomática.
Além disso, o candidato norte-americano tornou-se conhecido pelas suas declarações polémicas. Depois do ataque terrorista na ponte de Londres, em junho de 2017, Ken Isaacs escreveu na página de Twitter que “se lerem o Corão, é exatamente isso que a fé no Islão instrui os seus fiéis a fazer”.
Quando Barack Obama ainda estava no governo dos Estados Unidos e demonstrou abertura para o país receber mais refugiados sírios, Ken Isaacs sugeriu que os cristãos deveriam ser ajudados primeiro. “Há dois grupos de refugiados. Alguns podem regressar a casa e outros não. Os cristãos não poderão regressar. Têm de ser a primeira prioridade”, afirmou.
Os comentários antimuçulmanos são uma constante nas redes sociais do candidato, o que obrigou a Casa Branca a emitir um comunicado com um pedido de desculpas de Ken Isaacs. “Eu lamento profundamente que os meus comentários nas redes sociais tenham causado danos e prejudicado o meu historial profissional. Fui descuidado, o que causou preocupação entre aqueles que expressaram fé na minha capacidade de liderar o OIM. Comprometo-me a manter os mais altos padrões de humanidade, dignidade humana e igualdade se for escolhido para liderar a OIM”, podia ler-se no documento, citado pela Reuters.
Além da polémica que as publicações de Ken Isaacs provocaram, os especialistas apontam outro fator que pode funcionar contra o candidato americano: a decisão da administração Trump, anunciada em dezembro, de se retirar das negociações internacionais para criar um pacto global sobre migração, que visa promover políticas internacionais para uma migração mais segura.
Por outro lado, a verdade é que o diretor-geral da organização foi quase sempre um americano (oito em nove). A única exceção foi o holandês Bastiaan W. Haveman, que ocupou o cargo entre 1961 e 1969 e contou com o apoio dos EUA. Juntamente com o facto de o país ser, a par da União Europeia, o maior contribuinte desta organização, composta por 169 Estados-membros, isto pode trazer uma força acrescida ao candidato norte-americano. O receio é que, caso Ken Isaacs não seja eleito, os EUA congelem a contribuição – como fizeram com a UNESCO em 2011, da qual se retiraram em 2017.