Berlinale. Do político para o politicamente correto

Berlinale. Do político para o politicamente correto


“Isle of Dogs”, de Wes Anderson, abre esta noite a 68.ª Berlinale. Sem títulos na competição, o cinema português volta a viajar à capital alemã, com seis filmes – e com Cíntia Gil e Diogo Costa Amarante entre os jurados


Atari Kobayashi é um rapaz de 12 anos que trabalha para o corrupto Mayor Kobayashi. No Japão, já se percebeu, para uma história que há de ser sobre cães. Eis o mais recente filme de Wes Anderson, que o realizador de “Fantastic Mr. Fox” e de “Moonrise Kingdom” nos entrega em forma de animação – a primeira a vir como filme de abertura da Berlinale, à sua 68.ª edição, que decorre entre hoje e 25 de fevereiro em Berlim. A última dirigida por Dieter Kosslick e que trará, além deste “Isle of Dogs”, as novas obras de Benoît Jacquot (“Eva”, com Isabelle Huppert), Hong Sang-soo (“Grass”), Lav Diaz (“Season of the Devil”) ou de Steven Soderbergh (“Unsane”).

Sobre a escolha de “Isle of Dogs” para a abertura, explicou Dieter Kosslick, diretor do festival, à Deutsche Welle que vem como mais um “filme completamente diferente” do realizador. “Todos os filmes de Wes Anderson que programámos no festival até agora eram muito diferentes entre si, mas todos muito bons. ‘Isle of Dogs’ é uma animação. Nunca tínhamos tido nada assim antes. Os cães são os protagonistas do filme, e isso é muito interessante. Estes cães conduzem-nos até ao Japão para uma história terrível. Apesar de ser um filme muito divertido, é uma história muito séria ao mesmo tempo. Portanto, é um Wes Anderson completamente novo.”

Seis filmes portugueses Ao fim de duas edições em que o cinema português se fez representar em força nas várias secções do festival, incluindo na Competição – com “Cartas da Guerra”, de Ivo M. Ferreira, em 2016, e “Colo”, de Teresa Villaverde, em 2017 – o regresso neste ano faz-se com seis filmes de cinco realizadores. João Viana estreia “Our Madness” e “Madness”, uma longa e uma curta-metragem em diálogo entre o Forum, secção mais experimental do festival, e a competição das Curtas que há duas edições entrega o seu maior prémio ao cinema português. Em 2016, o Urso de Ouro foi para “Balada de Um Batráquio”, de Leonor Teles; em 2017, para “Cidade Pequena”, de Diogo Costa Amarante, que este ano integra o júri das Berlinale Shorts – também Cíntia Gil, diretora do Doclisboa, está no júri de documentário, ao lado da realizadora alemã Ulrike Ottinger e o jornalista e produtor americano Eric Schlosser.

Às curtas regressa pelo segundo ano consecutivo João Salaviza com uma história passada no Bairro do Aleixo, no Porto – “Russa” – corealizada com Ricardo Alves Jr., e David Pinheiro Vicente estreia “Onde o Verão Vai”, Uma viagem de um grupo de amigos em direção à floresta inspirada nas primeiras obras de Asghar Farhadi. E no Forum, além do filme que João Viana foi rodar a Moçambique, ainda as últimas longas de Sandro Aguilar (“Mariphasa”) e de André Gil Mata (“Drvo – A Ávore”).

Hashtags e acusações Com o caráter político que inevitavelmente marca o festival da cidade em que até há 30 anos se dividia o mundo, #MeToo será hashtag a marcar esta edição. Segundo Kosslick, alguns filmes deixaram de ser selecionados por polémicas em torno dos realizadores e a programação contempla painéis de discussão e campanhas se sensibilização – além de um gabinete de aconselhamento a que os convidados poderão dirigir-se para reportar experiências de discriminação ou de abusos sexuais.

Ainda assim, veio nos últimos dias uma atriz sul-coreana tecer contra os responsáveis pelo festival acusações de hipocrisia. Isto porque “Humano, Espaço, Tempo e Humano”, de Kim Ki-duk – um dos mais aclamados realizadores da Coreia do Sul e vencedor do Urso de Prata de Melhor Realizador em 2004 com “Samaritana” – terá a sua estreia no festival, na secção Panorama. À AFP e sob anonimato, a atriz disse ter sido sexualmente agredida e molestada pelo realizador durante a rodagem de “Moebius”, um filme de 2013 que tem como tema o incesto e que só pôde estrear no seu país de origem depois do corte de várias cenas consideradas obscenas.

“Acho a decisão de convidar Kim profundamente triste e extremamente hipócrita”, disse a atriz que já em 2017 tinha concedido uma entrevista em que se escondia atrás de um biombo para acusar o realizador de lhe ter batido e obrigado a cenas de nudez e de sexo que não estavam previstas no argumento. “O Kim foi condenado por me agredir fisicamente durante a rodagem do filme, mas a Berlinale estendeu-lhe o tapete vermelho e [enquanto] manifesta o seu apoio ao #Metoo, um movimento contra agressão sexual e o assédio.”