Na passada semana, numa entrevista ao “DN” e à TSF, o ministro da Educação, que também tutela o desporto, admitiu a aplicação de medidas pesadas para acabar com o que o próprio considera um reality show. A intenção de Tiago Brandão Rodrigues, se tivermos em conta as lamentáveis figuras que fazem os seus colegas de governo, a começar pelo seu próprio chefe, tem a sua graça, mas não deixa de ser perigosa. Também não gosto das tristes figuras que dirigentes e comentadores desportivos fazem todos os dias, mas os governantes deviam pensar duas vezes antes de calarem as pessoas.
O perigo, além da prepotência, está no tom. Na mesma entrevista, Brandão Rodrigues, assumindo o tom paternalista dos iluminados, esclarece-nos que o futebol é uma festa e que o governo deve apelar à contenção de todos, comentadores incluídos, sob pena de – e agora em suave jeito de ameaça –, chegado o momento, o governo “ser profilático”. O que é aceitável, ou inaceitável, já não se define. E quando um jornalista ouve, mas não pergunta, o primeiro passo está dado. Hoje é um comentador desportivo que passa as marcas que o governo estabeleceu; amanhã, um comentador político que desestabiliza porque é maledicente. É exagero? Não é.
Um grupo de juristas vai propor ao parlamento, até ao final deste ano, que se aprove uma contraordenação a quem desperdice água. O que é desperdício? Uma vez mais, ninguém diz; também ninguém pergunta. Ouve-se. E escreve-se. Depois de imensos estudos sairá uma conclusão arbitrária, por ser impossível definir o consumo de água necessário para cada uma das 11 milhões de pessoas, e os portugueses passarão a ter um polícia em cada torneira. Mas o perigo não se fica apenas pela torneira. É mais a porta que se abre a mais prepotência que nos deve fazer pensar.
Controlar os outros não é apenas uma forma que alguns encontram para agradar chefias; permite ainda que se criem funções em que se possam ocupar. Como referi, deixa de haver critério para que outras sanções se apliquem a outras pessoas, noutros campos. É exagero? Não é.
Ainda no passado domingo, António Costa defendeu que Portugal tem de ultrapassar o défice “do desconhecimento e da ausência de formação”, acrescentando que esse é o maior défice que o país tem. Veja bem: o maior défice não é o dos números, que é objetivo porque se contabiliza, mas o da ignorância, que não se define previamente. Qual ignorância? A dele? A dos deputados que nele votam de olhos fechados? Ou a do leitor que me lê? Talvez a do jornalista que pergunta antes de escrever.