A esquerda tornou-se obsessiva. Que o radicalismo do Bloco, tipicamente censor ideológico da diversidade de opinião e da expressão da vitalidade democrática, revele uma espécie de obsessão, já era assunto relativamente aceite por todos. Que a ortodoxia ideológica do PCP, embora fiel ao funcionamento democrático em geral, seja ela também de amplitude obsessiva à oposição de um determinado tipo de desenvolvimento económico e social e à defesa de um certo conservadorismo nos costumes, já a história (que o PCP tem e o Bloco não tem) nos havia demonstrado e, em certa medida, ensinado a respeitar. Que o PS, pelo que se lê da entrevista do PM ao DN, se veja acorrentado a essa obsessão é já um assunto muito diferente.
E é diferente porque contradiz a história do PS e o seu relevantíssimo papel na construção de uma sociedade verdadeiramente livre e democrática por oposição à liberdade revolucionária e controlada que a amálgama que constitui o Bloco nos quer impor desde 1974. É diferente porque a pluralidade de opinião, ainda que situada fora dos cânones daquilo a que chamamos por “politicamente correto” é, hoje para o PS, um assunto tabu que merece um impedimento prévio. Uma censura.
Quer isto dizer que o PS de António Costa (AC), e ele próprio, não é puramente democrático na partilha de valores e de conceção da própria democracia? Não. Mas quer dizer uma coisa que potencialmente pode ser pior. Que o PS, numa lógica de manutenção de poder e de garantia do apoio parlamentar necessário, alinha numa lógica tipicamente censora da liberdade de expressão prévia à plenitude da expressão democrática. O voto. É isto que se retira das afirmações de AC em relação ao candidato à Câmara Municipal de Loures, André Ventura, que, em bom rigor, não fez mais do que alertar e denunciar um problema real que não apenas influi diretamente na vida de muitas pessoas, como revela uma fraqueza e injustiça do Estado na sua missão protetora daqueles que mais precisam.
Gostava que AC se tivesse pronunciado igualmente sobre as declarações da sua candidata a autarca no concelho da Covilhã, sobre o caso da expulsão das famílias de etnia cigana que a sua candidata a Loures apoiou em 2008 por não pagarem a água e que reconheceu isso mesmo no debate entre candidatos a semana passada, sobre as declarações do seu secretário de Estado do Desporto que nem quer imaginar “a cerveja e o courato pelo meio e as pessoas a tentarem chegar às assembleias de voto…” e sobre tantas outras declarações de dirigentes e governantes do seu partido algumas delas com incidência direta no líder do PSD.
No fundo, isto tem um propósito. Acusar a “direita” e, em particular, o líder do PSD, de apoio ao racismo e à xenofobia. Tal e qual como fez AC no decurso da entrevista em relação às declarações de Passos Coelho sobre a lei da nacionalidade. Manobras de diversão, de rotulação imaginária e de criação de factos com o objetivo puro de denegrir e entorpecer o adversário.
AC está refém desta esquerda cuja noção de democracia apenas existe se pender para o seu prato da balança. Uma esquerda que faz queixinhas e põe processos por opiniões divergentes, que persegue e acusa com arrogância e sobranceria pessoas e candidatos por discutirem assuntos reais e que preocupam as pessoas, tão ao estilo das polícias políticas de outros tempos. Uma esquerda de ascendência moral sobre o governo que menoriza os outros, que faz acusações, que, com a complacência e promoção de alguma comunicação social, mina o espaço democrático fazendo prevalecer a democracia de opinião sobre a democracia representativa.
Deve ser isto a nova normalidade democrática.
Vice-presidente do grupo parlamentar do PSD. Docente universitário, Escreve à segunda-feira