Se acha que vivemos num tempo em que tudo já foi visto e, por conseguinte, mais nada há que nos possa surpreender, desengane-se. Tudo é possível nesta representação de fadas e unicórnios que tem sido Portugal e a última semana mostrou-nos que é sempre possível ir mais além.
A semana começou com uma reverência quase provinciana à estrela pop Madonna e à hipótese de esta vir viver para o nosso Portugal. Das notícias constantes às publicações de fotos da cantora, aos gastos que presumidamente fez, aos treinos do seu filho no Benfica – com jantar incluído na companhia de Nuno Gomes – tudo serviu para revelar a nossa incrível arte de bem receber. Afinal ficámos a saber que Madonna não é só uma estrela da música pop. É “uma ativista” e que “projeta Portugal no mundo” como a qualificou o mais recente agente imobiliário lisboeta, Fernando Medina, que também exerce a função de presidente da Câmara Municipal. Aliás, a veia para o comércio imobiliário de Medina já era conhecida. Lisboa talvez tenha sido o município que mais património alienou nos últimos tempos. Desde que é também presidente do município, este agente imobiliário já foi responsável pela alienação de mais de 100 milhões de euros em património. E sejamos francos. Não é todos os dias que se tem oportunidade de ter na carteira de clientes uma Madonna. Seja ela cantora pop, ativista, ou outra coisa qualquer. Políticas de repovoamento da minha envelhecida cidade é que não. Dá trabalho e não tem direito a 10 minutos de comentário televisivo sobre o tema.
Depois desta febre com a musa da pop, tivemos outra musa. Menos pop é certo, mas ainda assim também ela de grande inspiração. Falo-vos evidentemente de Ana Avoila, essa peregrina do sindicalismo nacional. Avoila teve, com a última greve, um dia cheio. Apenas comparável à sensação que Madonna teria se alguma das suas músicas voltasse a atingir o top chart internacional. Pelas reivindicações, independentemente da sua legitimidade, parecia que, de repente, tínhamos um governo diferente, já não mais apoiado e suportado por comunistas (aqui entre nós, os grandes dinamizadores do sindicalismo nacional). Então, mas este não era o governo do fim da austeridade e do virar de página? Quis dizer esta greve que o PCP está irredutível quanto a esta matéria, e outras tantas que tem reivindicado, e que se pode almejar da sua parte uma grande resistência ao próximo orçamento do Estado?
Claro que uma verdadeira semana não pode sê-lo sem uma atoarda de Carlos César. Desta vez foi sobre as Jornadas Parlamentares do PSD e o facto de serem no Algarve. Diz que a escolha “é turística”, insinuando com um tom levemente soez um nexo de causalidade entre o encontro e o seu local como destino de férias e descanso. Ao que parece, as jornadas do PS foram no interior. Essa entidade abstrata que o socialismo tanto gosta de se referir como se alguma vez tivesse feito alguma coisa por ela evitando a sua desertificação, a ausência de serviços e condições para que viva lá gente. Minto. Na verdade, o PS fez. Fez por exemplo a autoestrada transmontana cujos estudos de tráfego apontavam para uma circulação média mensal de mais de 400 mil viaturas. Claro que nem com os nossos vizinhos espanhóis a atravessarem Espanha por Portugal isso era possível. O resultado é o que se sabe e ainda hei de ter netos a pagar a brincadeira.
Ficámos ainda a conhecer as acusações do BPN. 12 acusados em 15 arguidos. O início do cair da máscara da afamada elite nacional. O tipo do crime é relativamente comum a todos. Fraude fiscal e burla qualificada. A burla é um crime de execução vinculada. Isto é, a lesão do bem jurídico tem que ocorrer como consequência dos comportamentos típicos definidos pelo legislador, traduzindo-se estes na utilização de um meio enganoso tendente a induzir a pessoa em erro, que, por seu turno, a leva a praticar atos de que resultam prejuízos patrimoniais próprios ou alheios. Implica assim um comportamento astucioso e uma conduta enganosa do agente que comporta a manipulação de outra pessoa, caracterizando-se por uma sagacidade ou penetração psicológica para conseguir o objetivo em vista. O primeiro de muitos desfechos que se esperam, ainda que se vá arrastar mais uns anos até transitar em julgado, de uma elite que desconstruiu muito mais do que construiu. Sobretudo no plano dos valores.
Vice-presidente do grupo parlamentar do PSD. Docente universitário, Escreve à segunda-feira