Caiu um pingo de felicidade na melancolia portuguesa. E um pingo tão forte que parecia solda num olho inadvertido. Portugal libertou-se da maldição dos empates e venceu, ainda que só ao fim de 117 minutos de um jogo monótono e amarrado no qual o medo veio à superfície em todo o seu esplendor.
Quem tem Cristiano Ronaldo arrisca-se a ganhar qualquer jogo, como bem sabemos. Mas o golo português de Lens teve algo de especial, de profético, se quiserem. Construído num passe de Nani para Ronaldo, passando pelo remate deste e terminando na recarga de Quaresma, tinha a assinatura dos três maiores talentos da “Equipa de Todos Nós”. Mas não apenas. Na origem de tudo houve a galopada impressionante do menino Renato Sanches, metros e metros com a bola, esperando o momento certo para a dirigir, ora para a esquerda, onde Nani o acompanhava, ora para a direita, onde Cristiano a pedia. Força, potência, clarividência. Aos “Três Tenores” de Portugal junta-se agora um quarto. E veremos se Fernando Santos irá resistir à tentação de o colocar como titular frente à Polónia.
Pela primeira vez neste Europeu, a seleção nacional apareceu encolhida frente a um adversário. Pletórica de moral após a vitória frente à Espanha (a primeira derrota da Roja nos últimos 16 jogos a contar para a fase final de campeonatos da Europa), foi da equipa aos quadradinhos a primeira iniciativa do jogo. Mas se essa vitória os injetou de um otimismo impressionante, como se pôde ver por meia dúzia de iniciativas de alguns dos seus jogadores, sobretudo Perisic e Brozovic, também lhes deu uma imagem deturpada daquilo que verdadeiramente valem. E assim, perdendo a humildade que tinham apresentado face aos espanhóis, deitaram–se a perder naquele minuto fantástico e decisivo, já estávamos quase com duas horas de jogo.
Os Cavaleiros do Apocalipse Com Modric mais recuado, a tentar promover movimentos vindos de trás, Adrien ficou mais solto no meio do que certamente o selecionador nacional o previra. Por muito que se tenha esforçado, o jogador do Sporting não aproveitou a sua liberdade para construir, parecendo que lhe faltava ter um adversário com que se preocupar. Desta forma, a entrada de Renato Sanches foi um golpe de lucidez. Rapidamente, o jovem Renato conseguiu estabelecer uma espécie de corredor por onde se escapulir de cada vez que Modric recuava em excesso ou saía da sua zona de ação para apoiar as alas – o golo de Portugal veio a surgir precisamente nas costas de um número 10 croata excessivamente devotado a lances ofensivos e sem a obrigatória compensação.
Apesar de ter tido menos um dia de descanso, Portugal surgiu forte ao longo do prolongamento. E a prova provada disso mesmo foi o tal minuto extraordinário da cavalgada simultânea de Renato Sanches, Nani, Quaresma e Cristiano Ronaldo, que caíram sobre a desesperada defesa croata com a raiva dos Quatro Cavaleiros do Apocalipse. Foi lindo de ver! E de deixar os pulmões a insuflarem ar aos borbotões e o coração a bater fora do peito. Foi entusiasmante! Foi emocionante como o final da Cavalaria Rusticana.
O “Cavalo Negro” voltou a ser português no fim de tanto galope: aquele em quem ninguém aposta mas que chega na frente dos outros, favoritos e galantes, recebendo os elogios alheios. Foi assim com a Croácia. Tanto elogio para cair desta forma fria, congelante. As lágrimas caíam pela cara dos adeptos. Todos se viram longe demais… “Adeus tristeza, até depois”, dizia a canção de Fernando Tordo.
Portugal pode, para já, dizer adeus à melancolia daqueles três empates da fase de grupos que faziam descrer no sonho da final. Voltou à vida e ao direito de se considerar um dos candidatos. Frente à Polónia, será um jogo estranho. Os polacos têm uma das defesas mais poderosas deste campeonato e será interessante perceber se, mais uma vez, Fernando Santos irá dar a prioridade da construção ao adversário. Sobretudo porque, ao contrário do opositor de sábado, este da próxima quinta-feira dificilmente se deixará cair nesse engodo.
Sim: adeus, tristeza! É momento de gozar o paroxismo da vitória única e irrepetível tão, tão, tão à beira do fim. É tempo de recuperar as expetativas e de voltar a fazer crescer a vontade de um momento exclusivo na história do futebol lusitano. Está tudo em aberto. Não sabemos se a tristeza não voltará ou se espera, velhaca, escondida na primeira esquina. Importante é que o futuro seja aquilo que os portugueses quiserem. Porque ninguém anda cá para sofrer, mas para viver!