Faz hoje 30 anos que Portugal entrou oficialmente na então Comunidade Económica Europeia. A 1 de Janeiro de 1986, o país tornava-se membro efetivo de uma entidade mítica e distante – a “Europa”. A localização geográfica, a ditadura e as colónias tinham mantido Portugal “de costas voltadas” para a Europa.
Depois de tímidas aproximações ainda durante a ditadura, a adesão à CEE é formalmente entregue em 1977. A assinatura do tratado acontece em Junho de 1985, no Mosteiro dos Jerónimos. Mas só a 1 de Janeiro de 1986 Portugal passa a ser membro de pleno direito.
A Europa transfigurou Portugal que, anos depois do fim da ditadura, ainda se mantinha um país a preto e branco. A crise do euro veio fazer implodir parte dos ganhos – a emigração voltou aos níveis dos anos 60 – mas na educação já não houve ponto de não-retorno, assim como na saúde, no abastecimento de água, na cobertura de eletricidade do país.
Havia eletricidade nos anos 20 em “Downton Abbey” mas no Portugal de 1986, fora dos grandes centros urbanos, ter água canalizada, luz elétrica e saneamento básico estava longe de ser uma coisa normal. É habitual considerar-se que a taxa de mortalidade infantil é um dos indicadores mais fiáveis para avaliar o grau de desenvolvimento de um país: em 1986, a taxa estava em 17,8%. O Serviço Nacional de Saúde tinha apenas 10 anos. Hoje, a taxa de mortalidade infantil é de 2,8%.
Nem todas as alterações estruturais dos últimos 30 anos se devem à Europa – a chegada da democracia contribuiu para a mudança nas condições de vida. Mas só depois de 1986 começou a aparecer o dinheiro para começar a pôr o país mais próximo dos seus parceiros europeus – a chamada “coesão”. Os fundos destinados à coesão mudaram a face de um país onde andar de burro, em 1986, era comum. Há 30 anos Portugal tinha 167 quilómetros de auto-estrada; hoje tem 3100. Em 1986 houve pouco mais de uma centena de doutoramentos (56 mulheres e 151 homens), em 2014, houve mais mulheres que homens a doutorarem-se e o total subiu exponencialmente – 1463 mulheres e 1205 homens.
O país de agricultores e pescadores morre lentamente. Entre o ano da adesão e 2008, os empregos gerados pela pesca e a agricultura caem para metade. Portugal “terciariza-se” – os serviços passam a ocupar um papel central na estrutura económica – e desindustrializa-se.
Os centros comerciais começam a inundar a paisagem urbana e diminuem as mercearias (agora recuperadas parcialmente na versão ‘gourmet’). O consumo dispara. Os produtos importados entram num processo de “democratização”. A adesão ao euro fará estagnar a economia e a crise de 2008 rebentou com tudo. Mas até lá o país vive anos eufóricos e mesmo os mais cépticos (onde curiosamente se incluia até Cavaco Silva, para além do PCP) reconciliam-se com a ideia de Europa.
Cavaco Silva era primeiro-ministro no dia da entrada oficial de Portugal na CEE. Tinha formado o seu primeiro governo – minoritário – em 1985, pouco tempo depois de chegar à liderança do PSD e, em sequência, romper o acordo do bloco central que governava o país desde 1983. O PS tinha perdido as eleições e a 1 de Janeiro de 1986, um mês e meio antes de Mário Soares (um dos mais acérrimos defensores da entrada de Portugal na Europa, que iniciou o processo de adesão) ser eleito Presidente da República, o novo primeiro-ministro Cavaco Silva envia uma mensagem a todas “as capitais” europeias.
“As Comunidades Europeias marcam agora um novo ciclo da história portuguesa”, escrevia Cavaco. “A adesão não é, por si só, a solução para os problema portugueses”, dizia o primeiro-ministro, para quem a integração deveria “intensificar decisivamente um processo de modernização da economia portuguesa, de modo a assegurar a competividade da indústria e do turismo e aumentar a produtividade do sector agrícola”. A mensagem não se cumpriu.