Na página 24 do livro sobre os autocolantes do PPD encontra-se um cartaz desse partido que reza assim: “Hoje já somos muitos, amanhã seremos milhões.” A frase é atribuída a Carlos Mota Pinto, que veio a ser alguns anos mais tarde líder do PPD, mas os maldosos da época diziam ser inspirada numa tirada de Adolf Hitler. Os anarquistas, por via das dúvidas, sempre que viam um desses cartazes escrevinhavam por cima: “É o que acontece a quem não usa a pílula.”
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Todos os processo históricos são feitos de gente e pequenas histórias. Muitas delas fazem luz sobre uma época e enchem de sangue, músculos e carne os grandes movimentos colectivos e estruturais que se vão desenvolvendo.
Um dos grandes historiadores da actualidade, Carlo Ginzburg, revelou-nos a importância desta micro-história, com livros como “O Queijo e os Vermes”, que revelava a vida de um moleiro condenado pela inquisição no século xvi, para a compreensão da nossa vida e dos grandes movimentos que nos trouxeram até aqui.
Esta colecção, Ephemera, de que já saíram três livros, a partir de documentos da Biblioteca e Arquivo José Pacheco Pereira, é uma iniciativa única, que nos disponibliza elementos do gigantesco arquivo da Marmeleira, para a iluminação da nossa história recente. Aqui podemos ver os autocolantes do PPD no período revolucionário, que nos mostram um partido totalmente diferente do dos dias de hoje, empenhado na construção do socialismo. Aqui percebemos a origem das três setas do PPD, inspiradas nas três setas com que os operários social-democratas alemães cobriam a cruz suástica nazi.
“Nascidas espontaneamente na luta dos militantes social-democratas contra o nazismo, as setas da social-democracia exprimiam muito bem a aliança entre as organizações dos trabalhadores reunidas na Frente de Bronze, a grande organização de luta antinazi do Partido Social-Democrata Alemão”, explicava na época um texto de Pedro Roseta no “Povo Livre”, órgão central do PPD, sobre o significado do símbolo adoptado pelo PPD/PSD, como se pode ler no livro.
Mais à frente, nesse mesmo texto, Pedro Roseta continua a explicar o significado ideológico do símbolo, com termos que fariam Passos Coelho e a actual direcção dos laranjas atirar-se de um prédio aos berros: “Finalmente, as cores simbolizam movimentos e correntes de pensamento que contribuíram para a síntese ideológica e de acção social-democrática: a negra recorda os movimentos libertários do passado, a vermelha lembra as lutas das classes trabalhadoras e dos seus movimentos de massas, e a branca aponta os valores do homem e a tradição cristã e humanista da Europa consubstanciada no personalismo. Em resumo, o símbolo do PSD expressa bem a nossa vontade irreversível de ascensão, de caminhada com todos os portugueses para um futuro diferente, para a construção de uma sociedade nova, na justiça e na liberdade”, conclui.
Destes três livros: “Autocolantes do PPD – Catálogo 1974-1976”, “Amorzinho – Correspondência entre Maria de Lourdes e Alfredo, de 1934 a 1943”, e “Luz nos Livros- 30 fotografias estenopeicas”, o mais interessante é talvez o segundo. Aqui temos a imagem fiel da moral das pessoas de uma época. “Não há nada de excepcional nas suas vidas e nas suas cartas [600 que Pacheco Pereira recuperou do lixo da história], salvo constituírem um testemunho único e realista da vida dos portugueses comuns. Também por isso, quando se começa a ler estas cartas não se consegue parar”, pode-se ler nas costas do livro da Ephemera.
Neste volume de tempos imemoriais anteriores ao Facebook – A datação histórica deve-se fazer AFB (antes do Facebook), pode-se ler, com erros ortográficos que não são meus mas dos originais, passagens como a seguintes: “Senho Alfredo tenho estado muito triste que me disseram que o sua familia não quere que o senhor Alfredo me namore, por causa de ser uma pamoloa não sei se a rezão que á nisso”, ou a resposta de Alfredo, “Já tenho namorado por cartas e de janela, mas vale mais namorar por cartas com um certo amôr, do que namorar à janela sem amôr algum o que já sucedeu comigo”.