O sucesso internacional que a segunda obra da escritora catalã tem tido desde que foi um dos livros-sensação da Feira de Frankfurt de 2014 – já há produtoras interessadas em a adaptar a filme – trouxe-a pela primeira vez a Lisboa. Uma das poucas mudanças que o êxito tem produzido na sua vida. E a morte da sua mãe, na qual é inspirado o romance, também não a mudou, ainda que o presente seja agora marcado pela sua ausência. Descobriu que esse vazio, afinal, não passa, mas que a força da vida se vai encarregando de o acomodar.
“Também Isto Passará” é uma obra de certa forma autobiográfica, escrita depois da morte da sua mãe. O facto de ter de falar sobre ele, entrevista após entrevista, aumenta o peso da dor da perda ou tem o efeito de catarse?
Catarse não é. Até porque não acredito muito na escrita como terapia. Quando estou mal vou ler, leio outros livros. Não escrevo. Além disso, planeei o livro como romance, e mesmo sendo muito biográfico, era muito claro que tinha de montar uma estrutura que funcionasse como um romance, que não fosse apenas uma carta de amor à minha mãe. Mas não foi catártico, porque não estou curada. Já passaram três anos e continua a ser incrível e insuportável.
Em algum momento a inquietou pensar que poderia estar a expor-se demasiado neste livro, apesar de ser um romance?
Não. Creio que o pudor não serve à literatura. Quando se toma a decisão de escrever é para se ser o mais honesto que se possa, mesmo que nunca se o seja na totalidade, porque se fosse tudo igual ao que pensamos e somos, seria insuportável. Mas tento falar de coisas que me são muito próximas, com a máxima transparência, sem me esconder demasiado. Mas o livro não é assim tanto sobre mim. Há muito de mim porque fui eu que o escrevi. E o escritor é um mentiroso profissional. E, além disso, também dei nomes fictícios às personagens precisamente para ter a liberdade de ficcionar, de inventar.
Mas a relação que tinha com a sua mãe era parecida com que a descreve no livro, entre a Blanca e a mãe dela?
Sim, isso sim. Tal como no livro, a relação com a minha mãe foi, como a de muitas outras filhas com as suas mães, uma relação muito intensa de amor e de ódio. Isso, provavelmente, é uma das razões que faz com que tanta gente se identifique com o livro. Tenho muitas amigas que têm uma relação apaixonada com as suas mães. Penso que a mãe é o primeiro grande amor. Depois disso, todos os amores são um pouco um reflexo dessa relação, pelo menos para as mulheres. E como em todas as histórias de amor, havia momentos muito bons e momentos muito dolorosos.
Há uma parte do livro em que a personagem Blanca faz essa comparação e diz mesmo que, mais do que procurar uma figura paterna nos seus amantes, procura muito mais a sua mãe…
Sim, no sentido em que a relação com a mãe é mais protectora, sobretudo quando somos pequenos, e a Blanca, no livro, procura amores absolutos, como é o amor de uma mãe. Também pode ser o amor de um pai, mas o meu morreu quando era muito jovem e, apesar de o amar muito, a relação com a minha mãe durou muito mais. E creio que muitas de nós procuramos o amor absoluto e incondicional que se supõe ser o amor maternal. Lembro-me que a minha mãe, por exemplo quando eu tinha um problema, com uma frase apenas solucionava-me o mundo. E isso era incrível.
Apesar do tema da perda e da dor a ela associada, o romance tem também um tom ligeiro que serve para que saibamos quem era aquela mãe.
Claro. Não quis tratar a personagem só nos seus últimos momentos de vida. Creio que não é um romance só sobre a morte, é um romance sobre a vida. E penso que tanto a Blanca como a mãe são personagens com muita vida. E isto parecia-me muito importante porque a vida pressiona com muita força, inclusivamente nos momentos mais tristes e difíceis. A vida empurra-nos com mais força do que a morte.
Ser também mãe não ajuda a ultrapassar a dor da perda como filha?
Não. O amor que tenho pelos meus filhos é enorme, mas não são a minha mãe. Penso que, apesar de dizer no título do livro que “Também Isto Passará”, chego à conclusão, afinal, de que nem tudo passa e de que os amores importantes não passam. No caso da minha mãe, penso sempre que tive a sorte de ter tido esta história com esta mulher. Pago agora um preço por isso, com a sua ausência, mas já não me importo que a cada dia haja momentos em que pense nela, em quando viajava com ela ou que nunca vim com ela a Lisboa. Não penso que isso seja uma coisa má, isso faz de nós pessoas. Senão, a vida passa e não a vemos. Tudo o que não passa, e são poucas coisas, é que faz aquilo que somos. No fundo, é fantástico.
O que mudou em si depois disso?
Penso que não mudamos muito, na verdade. Continuo a sentir-me como a criança que era aos oito anos. E a minha vida também não mudou muito, nem pelo êxito do livro nem pela ausência da minha mãe propriamente dita. No dia-a-dia, nada se alterou E continuo a ter a capacidade de me apaixonar e de desfrutar da vida, mas há sempre uma parte que está incompleta.
Essa perda fê-la recordar mais a sua infância, como acontece com a personagem Blanca?
Eu tive uma infância muito feliz. Mas sim, com esse vazio tornei-me um pouco mais nostálgica. Sabe-se que não se pode voltar a esse tempo, porque é impossível, mas ao mesmo tempo sabe-se que no passado há momentos muito importantes. É uma riqueza importante para nós, não só enquanto indivíduos, mas também para o escritor.
No livro, o sexo também é apresentado como uma forma de salvação e também aí é muito transparente.
No caso da personagem Blanca, há um momento em que ela está muito perto de desaparecer ou de se tornar um fantasma. Da mesma forma que a mim me aconteceu quando saí do hospital, depois de a minha mãe morrer, e tudo nas ruas me parecia artificial, nada parecia real. O sexo é uma das coisas que te prendem à vida. É impossível estar noutro sítio quando se está intimamente com alguém. Não sou partidária da frivolidade do sexo, mas creio realmente que é uma das possibilidades de salvação que existem, porque te lembra, por um lado, que somos animais, e, por outro, que estamos vivos. Mas tanto pode ser o sexo como pode ser um abraço, uma carícia, uma amiga, um banho no Mediterrâneo. E no caso de Blanca serve um pouco para a afastar da morte, que é a imobilidade, a apatia. Por isso digo que este é um livro sobre a vida.
Disse em algumas entrevistas que nunca quis ser escritora. Quando decidiu começar a escrever?
Desde pequena que gosto de escrever. Cresci num ambiente de escritores, editores, jornalistas. Com seis ou sete anos ganhava todos os prémios de escrita do colégio. Em minha casa, toda a gente escrevia. O problema, hoje, é que há mais gente a ser escritor do que a escrever. E eu não quero ser escritora, quero escrever. Isso, por um lado. Por outro, penso que a sombra da minha mãe era, em certa medida, muito pesada. Escrevi um livro há seis anos, mas foi uma coisa muito pequena e era um livro frívolo. E agora tenho este. Enquanto a minha mãe foi viva, foi difícil tornar-me alguém sério, porque era como se ela fosse a inteligente e eu a frívola, a alegre. Tinha esse complexo.
Qual é o maior desafio da escrita para si?
Tudo é muito difícil. A mim surpreende-me que haja tanta gente a escrever, dada a sua dificuldade. Havia dias que acabava a chorar de frustração. E depois, de repente, há momentos em que realmente escreves algo que vale a pena. Mas dois meses antes de publicar o livro em Espanha, estava a revê-lo pela última vez, com o meu filho Noé, e disse-lhe: “Vou ligar ao meu editor e pedir que não o publique porque isto está uma merda.” E o meu filho disse-me: “Mas estás maluca? Não lhe ligues.” Então não lhe liguei. Mas é muito difícil e não se pode ser escritor sem escrever. E custa-me a estrutura. Depois há também o desenvolvimento da história. Se escrevo algo que não me parece ser meu, retiro-o. Neste livro tive muito medo de cair no sentimentalismo. Corria esse risco, pelo tema. Tudo foi difícil.
Diz-se que prefere os anos 60 e 70 aos 80, a década da sua geração. Porquê?
Nos 60 e 70 havia um certo idealismo na juventude de que se podia mudar o mundo, que todos podiam contribuir para o tornar melhor. Nos 80, o querer ganhar dinheiro torna-se o mais importante, aparecem os yuppies. As outras décadas, até musicalmente, parecem-me mais interessantes. Sentia-se que tudo era possível. Para mim, o objectivo de ganhar muito dinheiro nunca foi muito estimulante.
E a geração de hoje como a vê, por comparação com as outras e face aos problemas que enfrenta?
É diferente porque nos anos 60 e 70 havia um ímpeto que não existe actualmente e, apesar de tudo, havia algum dinheiro. Os últimos anos têm sido muito difíceis para toda a gente. EmEspanha há um pensamento de mudança. Os jovens que saem da universidade não têm trabalho, é claro que isso os preocupa, mas não quer dizer que só pensem no dinheiro. Isto nunca deveria ser a primeira preocupação, devia ser gostar e ser-se bom naquilo que se faz. E penso que a crise económica vai passar. Talvez seja muito idealista, não sei.
Apesar disso, teme pelo futuro dos seus filhos?
Não. Os meus filhos e todos os jovens têm a força da juventude. Poderão vir a passar mal e não ter muito dinheiro, mas têm um horizonte que nós já não temos. E, além disso, os meus filhos tiveram sempre amor e, quando se é amado na infância, cresce-se com outra força.