Foi preciso chegar à véspera das legislativas para António Costa descobrir a necessidade de estar mais perto dos portugueses. Vai daí o secretário-geral do PS desata a escrever cartas aos indecisos. É um desnecessário exercício epistolar. A um mês das eleições o quadro é claro: não há indecisos. E a culpa de não haver indecisos é, por razões distintas, tanto de Costa como da coligação. É culpa de Costa, que empurrou os indecisos para o campo dos divorciados do PS. Muita gente nunca se reviu na forma como Costa assaltou o poder d Seguro. Esse pecado fundacional do seu mandato, esse erro genético da sua liderança, em cima do qual se construíram messiânicas promessas de unidade interna e de maiorias absolutas esmagadoras, balcanizou o PS.
Como a batalha das presidenciais mostra, Costa nunca teve o controlo do PS e o PS nunca acreditou que Costa controlasse o partido. Muito menos que fosse capaz de ganhar o país. Constatando que o PS se pulverizou em função de lealdades e afinidades ideológicas anacrónicas, o eleitorado foi consumando o seu divórcio do PS até ao ponto de não retorno. Esse ponto está marcado a vermelho no dia em que Costa alvitrou que a vitória do Syriza na Grécia era um (muito bem-vindo) sinal de mudança da Europa. O entusiasmo do PS pelos revolucionários gregos foi tal que Carlos César, o presidente do partido, garantiu que os teóricos socialistas incluíram medidas do Syriza no seu programa de governo. Sabemos bem onde o fulgor revolucionário do Syriza conduziu os gregos: a instabilidade política, a mais dívida e a mais austeridade. O que não sabemos é se o PS mantém no seu programa as medidas decalcadas do Syriza.
Os portugueses têm o direito de saber se o PS continua a querer governar Portugal com propostas do Syriza ou se, em sentido contrário, o seu programa já foi revisto nas costas dos eleitores. Mas a culpa de já não haver indecisos também é da Coligação. Depois de quatro anos muito duros do ponto de vista social, o governo tem a consciência de que parte da sua base eleitoral foi alienada, não por opção política mas por necessidade patriótica. Todavia, este grupo de eleitores está paulatinamente a regressar ao campo político do PSD/CDS porque, pela primeira vez em muitos anos, as pessoas sentem que os esforços não foram em vão. Tiveram sentido, o resgate do país da bancarrota e a recuperação das nossas finanças públicas, e consequência, criando uma economia que já está a crescer e a criar emprego, sabendo-se porém que tem de ser mais solidária e sustentável. Quanto mais eleitores reconhecerem esta evidência, maior será o resultado da coligação. E isso explica por que razão o PS se irrita tanto com as boas notícias
Retenho as imagens de uma acção de campanha do líder do PS pelas ruas de Lisboa, glorificando o seu trabalho como presidente de câmara. Duas notas. A primeira é que é evidente que Costa acaba reduzido a Lisboa. É um homem isolado e todo o seu aparelho de campanha está assente na estrutura da CML. Foi o que se viu há dias, já que a sua comitiva tinha mais funcionários autárquicos que militantes socialistas. Poucos, nos dois casos. Segunda nota, Costa continua a dizer que reduziu a dívida em Lisboa. Costa é bom a contar histórias, mas esta ficou a meio. A história completa é assim: a dívida de Lisboa baixou com o dinheiro do governo. Sem ele, o único presidente que teria cortado na dívida da CML nos últimos anos teria sido Pedro Santana Lopes. Já que falo de Santana Lopes, também ele merece dois comentários. Primeiro para sublinhar que, no seu confronto com o PS em Lisboa, empatou a Assembleia Municipal de Lisboa com Costa, ganhou a maioria das juntas de freguesia a Costa e só perdeu a câmara para Costa porque houve uma frente de esquerda contra o PSD.
Essa frente de esquerda, que deu a vitória ao PS, é uma improbabilidade para as legislativas, o que torna ainda mais espinhosa a missão de Costa. Tal como não há indecisos, também não há voto útil. PCP e BE querem os seus votos todos porque, como a experiência de Lisboa mostra, sabem que o voto útil os condena à irrelevância. Segunda nota: esta semana Santana Lopes afirmou-se como senador da coligação. Santana tem valor eleitoral, tem carisma, popularidade, obra feita, visão estratégica para o país. Tem o que falta a muitos outros, que, por ressabiamento e falta de bom senso, fariam o contrário do que ele fez. Porque é novo, tem o tempo do seu lado, e, assim o queira, Santana mantém em aberto todo o seu futuro político, seja ao nível local seja nacional.
Escreve à quarta-feira