Fazer uma pessoa é uma responsabilidade assustadora. Deve ser por isso que ainda não tive filhos. Está entre o exerciciozinho do ego e o milagre intangível. É uma ideia tão avassaladora que requer uma certa dose de inconsciência – que, pelos vistos, me falta mas, feliz ou infelizmente, ainda sobra a muita gente.
Essa inconsciência acarreta alguma ingenuidade. Se uma criança se porta mal, diz-se logo que a culpa é dos pais: que não fizeram, que não deram, que não ensinaram. E até pode ser verdade. Mas também há pais que fazem tudo o que podem e cuja única culpa é recusarem-se a acreditar que é impossível terem controlo total sobre a formação daquele ser humano. “O que é que eu fiz de errado?”, perguntam–se. Provavelmente, nada. Talvez tenham apenas perdido demasiado tempo a presumir que o seu filho nunca faria isto ou aquilo até ao dia em que descobrem que ele passou o ano lectivo a mandar solhas ao gordo.
Quando alguém me diz que “adora crianças” ou que “odeia crianças”, dá-me vontade de perguntar, segundo esse raciocínio binário, qual a sua opinião em relação aos adultos. E não vale dizer “depende”. As crianças são pessoas em ponto pequeno, simplesmente têm mais tempo pela frente para se redimirem. E isto também se aplica aos adolescentes, embora esses já sejam um teaser mais revelador do adulto que nos espera.
Não vi mais do que alguns segundos sem som do vídeo de que toda a gente fala. Fico doente, tal como fico doente ao ver futuros desempregados trajados a dar ordens ou outras humilhações aparentemente desculpáveis. Como disse um amigo meu, “estes são os melhores anos das vidas deles” porque, quando saírem do conforto das hierarquias das escolas e das faculdades, vão ser só mais uns falhados. Como toda a gente.
Incomodou-me também a forma como alguns adultos se mobilizaram através das redes sociais para fazerem justiça pelas próprias mãos. Lembrou–me o meu 6.º ano, quando me calhou ser delegada numa turma que era muito insolente e agressiva para com uma professora de ar frágil e doente. Um dia, no meio do caos, a professora desmaiou com o stresse e eu, que não era de me meter nestas coisas, fui falar com os meus colegas: “Malta, vamos tentar ter calma na aula de Ciências.” Três deles – repetentes, donos daquilo tudo – foram surpreendentemente entusiásticos a concordar e dar o seu apoio. Na aula seguinte, percebi porquê: de cada vez que um colega abria a boca, vinha um desses calmeirões e dava-lhe uma solha.
Foi como assistir ao fim dos tempos naquela sala.
A professora, a meio do ano, desapareceu.
Guionista, apresentadora e porteira do futuro
Escreve à sexta e ao sábado