Superioridade cultural ou mero conservadorismo?
Os erros do acordo ortográfico podem – e devem – ser corrigidos. Mas há quem não deseje nada disso, para poder continuar a zurzir na nova ortografia e a dizer como é horrível, mostrando assim a sua superioridade cultural
Existe no seio de uma certa elite nacional bem-pensante um consenso alargado contra o acordo ortográfico. A nova norma já não é assim tão nova (remonta a 1990) e, no entanto, continua a encontrar fortes resistências vindas de todos os lados.
Ainda por estes dias o Partido Comunista tentou reabrir a questão no Parlamento e, face à recusa do PS, voltaram a ouvir-se os protestos indignados dos defensores da língua de Camões.
Nas páginas dos jornais multiplicam-se as críticas violentas e tornou-se chique colocar um asterisco no final dos artigos de opinião a informar que o autor escreve “de acordo com a antiga grafia”, como se de um atestado de nobreza se tratasse. Inversamente, julgam os detratores do acordo, só os pacóvios, sem pergaminhos culturais e sem berço, acatam as novas regras.
O acordo é perfeito? Creio que mesmo os seus mais acérrimos defensores não terão problemas em admitir que tem erros, incongruências, omissões que dão azo a situações com o seu quê de absurdo.
Mas a grande questão não é essa. É, em primeiro lugar, se esses erros podem ser corrigidos. E, em segundo lugar, se o acordo tem virtudes. A resposta a qualquer destes pontos é positiva: o acordo tem virtudes e, na sua maioria, os erros podem – e devem – ser corrigidos. Mas há quem não deseje nada disso, para poder continuar a zurzir na nova ortografia e a dizer como é horrível, mostrando assim a sua superioridade cultural (e, porventura, moral). Creio que essa atitude revela, acima de tudo, aversão à mudança (aliás não é por acaso que a suspensão do acordo foi proposta pelo mais conservador dos partidos, o PCP).
Querem continuar a escrever como sempre escreveram? Compreendo perfeitamente. Eu também acho que os pês e os cês mudos dão um certo pedigree e elegância à escrita. Mas quando vejo textos dos tempos em que se escrevia “descripção”, “typographia”, “litterario”, “antiguo” ou “ahí” percebo que há letras que só atrapalham. Não fazem falta nenhuma.