10/12/2023
 
 
Pires de Lima. “Tanto na família materna como na paterna, o ambiente era muito próximo do Estado Novo”
“Eu não sou o Oliveira da Figueira. Sou o António Pires de Lima e tenho outro método, outro estilo”

Pires de Lima. “Tanto na família materna como na paterna, o ambiente era muito próximo do Estado Novo”

“Eu não sou o Oliveira da Figueira. Sou o António Pires de Lima e tenho outro método, outro estilo” António Pedro Santos Ana Sá Lopes e Ricardo Rego 05/09/2015 23:07

Pires de Lima era tímido em adolescente. Afirma que há quem diga que é “o lado lunar da personalidade solar de Paulo Portas”.

(Leia aqui a primeira parte da entrevista)

A Madalena tem 12 anos. Quando ela tiver 16 anos pode beber uma cerveja?
Claro. Aliás até, se calhar, desde que os fundamentalistas da Saúde não decidam entrar em minha casa, talvez possa beber antes. Devo ter bebido a minha primeira imperial, em família, com 14 ou 15 anos e não me parece que isso tenha feito excessivamente mal. 

Houve um momento em que conseguiu travar os fundamentalistas. Mas desta vez não foi assim. 
Creio que, apesar de tudo, a lei que temos relativamente a estas matérias é uma das leis mais respeitadoras em toda a Europa. Agora, a partir do momento em que a associação portuguesa do álcool, do vinho e das cervejas, deu nota de que não havia nenhum problema em que a idade mínima para o consumo de álcool transite dos 16 para os 18 anos, quem sou eu para contrariar uma orientação que o Conselho de Ministros entendeu como necessária? Acho que estas leis, sem fiscalização, têm uma eficácia altamente questionável e, acima de tudo, acho que em matéria de hábitos de saúde e de consumo de álcool nada substitui o exemplo e a autoridade dos pais. Os países que têm leis mais restritivas de consumo de álcool são aqueles onde os abusos do álcool são mais fortes. Prefiro educar os meus filhos no consumo destes pequenos vícios, com proximidade, e isto não se faz seguramente quando os filhos saem de casa e só estão autorizados a beber com os amigos.

Durante a liderança de Ribeiro e Castro disse que o CDS precisava de ser um partido sedutor e sexy. Ao fim destes quatro anos de governo, e de estar casado com o PSD, o CDS não perdeu o sex-appeal?
(risos) Compete aos eleitores julgarem. Na altura, essa imagem saiu-me espontaneamente, porque achava que o CDS se estava a transformar outra vez num partido excessivamente “boring” e confessional, onde as certezas de alguns substituíam o respeito que devemos ter pelos outros. Era para isso que, de uma forma um bocadinho provocadora – sempre gostei de ser provocador na política – chamava a atenção: para a necessidade de o partido ser sexy. O CDS nos últimos anos, nestas matérias, tornou-se um partido bastante mais amigo da liberdade dos outros. Acho que é um partido com quem se convive melhor, a quem convidamos mais facilmente para vir a nossa casa. Em que pensamos, sem grandes traumas, em poder votar. Acho que, por outro lado, o partido teve necessidade de assumir responsabilidades governativas e quando se tem responsabilidades governativas os comportamentos do ponto de vista político têm de ser mais previsíveis. Não seria muito saudável que o líder do CDS tivesse enquanto vice-primeiro-ministro um comportamento tão irrequieto como aquele tinha quando estava no Parlamento a fazer oposição ao eng. António Guterres. Isso é um custo que temos de pagar. Eu também pago este custo por estar no governo. Tenho consciência que não sou exactamente a mesma pessoa, do ponto de vista político, que era quando podia fazer comentários e dar opiniões e estava a trabalhar numa empresa privada. 

Estamos a acabar a legislatura. Há a ideia de que há um CDS nos primeiros dois anos que combate Vítor Gaspar, combate o desinvestimento na economia e é um CDS com voz própria. De repente há o episódio do irrevogável e o CDS amocha um bocado. Há dois tempos na governação com dois CDS’s?
Talvez. Eu não vivi o primeiro tempo directamente mas acho que a orgânica do governo nos primeiros dois anos talvez ferisse o CDS, porque o CDS era essencial para a estabilidade do governo, mas antes do CDS estava uma figura independente que era o ministro das finanças. Portanto, era normal que esta estrutura talvez nem sempre convidasse o CDS a assumir todas as suas responsabilidades. Era-nos exigida a responsabilidade de assegurar a estabilidade da coligação, porque sem o CDS não havia governo maioritário, mas por outro lado éramos confrontados com uma posição de muitas vezes nos termos de submeter em determinadas matérias sem toda a participação que gostaríamos. Acho que isso foi o principal factor, que marcou a diferença entre a primeira fase da legislatura e esta segunda. Nesta segunda fase, o CDS tem um papel no governo e também nas pastas económicas que o torna inquestionavelmente parte das decisões. Por outro lado, as coiass mudaram muito nestes últimos dois anos. Vivíamos em recessão, passámos a viver em crescimento económico. Moderado, mas crescimento. Tínhamos um desemprego que galopava quase até aos 20%, agora está a descer. Está próximo dos 12%… Tínhamos um modelo económico onde só contavam as exportações, agora temos um equilíbrio dos três motores, coisa que sempre defendi.

Não só as exportações, mas também uma certa recuperação, ainda modesta, do investimento, e uma recuperação gradual do consumo privado. Por isso, acho que é normal que a relação entre o CDS e o PSD seja uma relação mais fácil porque as coisas quando funcionam do ponto de vista de resultados, tornam-se mais natural a relação. Acho que o CDS não tem de jogar o papel do inconformado ou do incomodado num governo de que faz parte, onde tem um conjunto de funções que o chamam à responsabilidade. Tem voz activa nas decisões e as coisas estão a funcionar no caminho que me parece correcto. 

Quando Paulo Portas lhe telefonou a falar do episódio do irrevogável o que lhe disse?
Fui confrontado com o facto. Eu estava a trabalhar, tinha reuniões importantes nesses dois dias, não podia vir para Lisboa, como sabe estava a trabalhar no Porto. Compreendi o drama que o Paulo estava a viver, e portanto não o acusei de nada, mas também percebi que o governo tinha de continuar. E portanto, mais do que o julgar, ouvi-o e procurei ganhar espaço dentro de mim para perceber em que medida é que, passado o calor da emoção que aquela notícia ia provocar, eu poderia ajudar eventualmente nalguma solução. 

Eu tinha uma certeza, porque estava muito próximo da economia: o país estava a dar a volta e se tivéssemos instabilidade política naquele momento, não iríamos concluir aquele resgate. E portanto íamos deitar fora, como aconteceu na Grécia, todo o conjunto de sacrifícios que já tínhamos feito. Por outro lado, percebia o drama que o dr. Paulo Portas estava a viver. Não foi para mim uma surpresa total aquela tomada de posição. E se quer que lhe diga, podem-se discutir os termos, mas no final foi útil para a coligação que aquela clarificação se tivesse feito naquela semana. 

O senhor ministro convenceu Paulo Portas a recuar?
O dr. Paulo Portas é que me convenceu a mudar de vida (risos). A orgânica do governo foi mudada e para melhor. Responsabilizando mais o CDS, dando-lhe o papel que deve competir a um partido que no final é o garante da coligação. Percebeu-se ali que sem o CDS confortável ou pelo menos responsabilizado na coligação não havia legislatura até ao fim. Neste sentido, a tomada de posição do dr. Paulo Portas foi politicamente muito oportuna. Acho que o dr. Pedro Passos Coelho aproveitou essa crise, porque foi uma crise, indiscutivelmente, para organizar o governo também de uma forma que só o dignifica. Porque realmente havia algumas mega-estruturas no governo que acho que dificultavam a gestão de alguns ministérios. E por outro lado foi talvez antecipado um discurso e um conjunto de políticas graduais. Foi mais fácil estar nestes últimos dois anos do que nos primeiros dois. Eu tenho tido muita sorte na vida, embora muitas vezes as pessoas me tenham avisado que se viesse para o governo naquela altura me arriscava não só a deitar fora uma boa carreira profissional, e muito bem compensada, e uma certa comodidade que tinha na minha vida, como também a revelar-me um insucesso político porque aquele governo estava condenado a não funcionar. 

O que é mudou para ter aceite ser ministro da Economia?
Eu nunca tinha sido convidado para ministro da Economia. Se calhar fui convidado para outras coisas. Mas para ministro da economia nunca me convidaram. E eu não tinha ambição nenhuma de ser ministro. 

Se o tivessem convidado naquela altura, em vez de Álvaro Santos Pereira, teria aceite?
Talvez. Eu nunca quis ser ministro e aliás dava-me tanto gozo, sentia-me tão realizado, tinha uma vida tão confortável nas minhas anteriores funções que só faria sentido vir para o governo se sentisse que isso correspondia a uma vontade forte das pessoas mais responsáveis no governo, por um lado, e por outro lado que vinha para uma função que eu podia desempenhar com utilidade e gozo pessoal. E essa função acho que é neste ministério. Estou convencido de que não seria um ministro feliz. e logo não seria seguramente um bom ministro, em outras funções. 

Que balanço faz destes dois anos? Também se sente um bocadinho Oliveira da Figueira como Paulo Portas? 
Não. Somos pessoas muito diferentes, graças a Deus. Do ponto de vista económico e independentemente das críticas que me fazem e do desgaste que uma função destas provoca, sinto-me bastante realizado. Sou uma pessoa muito prática e acho que as coisas se medem pelos resultados. E muitas vezes tem acontecido na minha vida pessoal e profissional viver momentos de grande tensão, e grande dificuldade, até de alguma infelicidade, em nome de um conjunto de objectivos. E no final atingimos estes objectivos ou não. O meu grande desafio é que esta coligação fosse até ao fim, e foi. É a primeira vez em democracia. Isso não é coisa pouca. Nomeadamente numa democracia que tem 40 anos e onde o discurso político é tao maniqueísta. E queria que esta coligação fosse até ao fim também porque era extremamente importante para o espaço do centro e da direita democrática.

Nessa matéria há um contraste enorme entre o comportamento político da direita democrática ou do espaço do centro e a esquerda. A esquerda não se consegue associar para nada em nome de um objectivo maior. Mas queria que fosse até ao fim principalmente porque considerava que era fundamental para terminarmos a assistência financeira e iniciarmos um processo de recuperação económica. E nos de facto terminamos a assistência financeira. Lembro-me daquele que se dizia em julho de 2013, relativamente ao fim do resgate. Havia muita gente que julgava isso impossível. Lembro-me daquilo que me disseram os meus colegas dos governos alemães, franceses e sobretudo a comunicação social e os bancos e as entidades financeiras onde eu procurava vender a imagem de Portugal em Setembro e Outubro de 2013, e aquilo que aconteceu.

Não acreditavam. Na melhor das hipóteses, aquilo que se pensava é que Portugal poderia sair do resgate com um programa cautelar. E depois, acho que vivemos um tempo melhor, porque é muito melhor crescer 1,5 ou 2% e ver o desemprego gradualmente a cair, do que na situação em que estávamos no início de 2013. Naquilo que é o essencial, sinto-me bastante realizado, embora tenha noção de que é fundamentalmente o trabalho da sociedade portuguesa, das empresas portuguesas e do conjunto do governo. 

E do senhor Mario Draghi, na questão dos juros. 
Sim, mas aquilo que fez a diferença foi a maturidade política do povo português, a coesão da coligação e a capacidade de competir das empresas portuguesas. Acho que o mérito é fundamentalmente das empresas, dos empresários, dos gestores, dos trabalhadores, da administração pública, que procurou afirmar-se como parceiro e não como dificultador da economia portuguesa. Nunca vi o senhor Mario Draghi vender produtos portugueses nas minhas viagens pelo estrangeiro. Vi algumas vezes o dr. Paulo Portas, de uma forma até bastante desabrida que eu não conseguiria repetir. Eu não sou o Oliveira da Figueira. Sou o António Pires de Lima e tenho outro método, outro estilo e outras limitações. Nunca vi o senhor Mario Draghi… vi o professor Cavaco Silva, vi o dr. Pedro Passos Coelho algumas vezes, vi muitas vezes o dr. Paulo Portas, v Foi isso que fez a diferença… embora seja certo que se a Europa não tivesse ganho juízo e criado algumas regras de estabilidade financeira não era só Portugal que estava em causa. Eventualmente também a Espanha, a França, a Itália. Toda a Europa do Sul. 

Como é que um homem como António Pires de Lima que já foi dado como sucesso de Portas diz que agora vai deixar a política e voltar às empresas? 
Esse sempre foi o meu mundo. Uma coisa é eventualmente alguns, e que muito me lisonjeou e que durante uma parte da minha vida, como não tinha bem a certeza, eu próprio não contrariei, acharem que eu podia ser um líder partidário. Outra coisa é eu fazer disso a minha vida. Acho que a vida é muito mais rica do que aquilo que a política nos tem para oferecer. Não me sinto totalmente bem na minha pele como político profissional. Estou numa missão que desempenho com gosto, com entusiasmo, com energia mas também porque sei que ela é transitória. Eu quero recuperar a minha pele. E isso não significa que abandone definitivamente a política, que esteja indisponível para servir o meu país. Mas de alguma forma acho que ao longo dos últimos 16 anos, já dei um bocadinho o corpo ao manifesto. Talvez mereça poder viver bem.

Quando é que teve essa certeza de que não queria ser líder partidário?
Quando me dediquei à política em exclusivo. Gosto muito disto mas não quero que isto tome conta da minha vida. Em Janeiro/Fevereiro de 2006 saí da Compal, fiquei sem nada para fazer profissionalmente e fui deputado durante uns meses. Ao fim de um mês percebi que se queria continuar a ser aquilo que sou, a viver a vida com a irreverência que vivo, não estava formatado para fazer da política a minha vida. Era inimaginável para mim fazer da política profissional e executiva a minha vida. Isso iria fazer de mim uma pessoa muito diferente daquilo que sou e não feliz. 

Então em nome da felicidade não vai ser sucessor ou candidato à sucessão de Paulo Portas?
Não. Mas isso o partido já assumiu e já percebeu que eu não teria jeito para estas funções. Há muito tempo. Ninguém fala de mim como candidato à sucessão do dr. Paulo Portas e eu creio que muitas vozes que apontam para a sucessão do dr. Paulo Portas arriscam-se, mais uma vez, a ser prematuras. Porque se, como tudo indica, tivermos um resultado bom nas próximas eleições não vejo como é que o dr. Paulo Portas possa não continuar a ser o líder do CDS. 

Mas se o resultado não for tão bom, a ministra Assunção Cristas é uma boa candidata à sucessão?
Gosto muito da dra. Assunção Cristas. É uma mulher com garra, com coragem, mas eu não quero elaborar um cenário que acho que não é o cenário que serve o CDS neste momento. Nós estamos empenhadíssimos em ganhar as próximas eleições e se isso acontecer, como espero, acho que a liderança de Paulo Portas é inquestionável. 

Como é que o senhor ministro vai continuar a servir o CDS?
O meu objectivo na vida não é só servir do CDS. É ser feliz, cuidar bem da minha família e já agora também de mim (risos). Eu não sei o que vai acontecer depois de Outubro e nunca tive a preocupação de definir com regra e esquadro aquilo que vai ser o meu futuro. Não consigo viver a vida dessa maneira. Gostaria de recuperar uma boa parte da liberdade de que me privei. Tenho andado demasiado ocupado nos últimos trinta anos, a trabalhar, a cuidar da minha família, a fazer filhas, a servir o governo e gostava de viajar, de respirar terra outra vez, de desaparecer. Gostava de ganhar balanço para outras coisas que quero fazer no resto da minha vida. Aos 53 anos começamos a ter uma noção de finitude que nos faz ser muito selectivos: com as pessoas com que damos, naquilo que valorizamos, naquilo que queremos fazer. Agora quero ter algum tempo para não saber aquilo que vou fazer e ganhar a energia para depois, sentindo, mais do que racionalizando, perceber a que é quero me dedicar nos próximos anos. 

Continua a defender que Marcelo Rebelo de Sousa seria o melhor candidato da direita?
Não se trata sequer de ter uma relação especial com Marcelo Rebelo de Sousa, com quem não falo desde que vim para o governo. É apenas uma constatação que parece que se vai afirmando. Acho que a direita tem, mais uma vez, a oportunidade de não se dividir nestas eleições. A esquerda vai ter seis ou sete candidatos, não sei. Cada voz na esquerda precisa de se afirmar, sendo candidata, para existir. A direita, felizmente, tem uma cultura diferente. Só ganhamos eleições presidenciais se soubermos pôr o essencial à frente daquilo que é acessório. Acho que se vai ganhando consciência de que haverá vantagem de nos unirmos em torno de um candidato e o professor Marcelo Rebelo de Sousa pode ser o candidato com mais possibilidades de ganhar. 

O governo sempre disse que o Novo Banco nunca traria prejuízos aos contribuintes. Estamos em véspera de venda e há uma previsão de que a venda vai trazer prejuízos aos contribuintes. Certo?
Não. Ainda que o banco seja vendido por um valor inferior àquele que foi a sua capitalização, isso significa um prejuízo não para o Estado e para os contribuintes, mas para os accionistas do fundo de resolução que são a banca. Portanto, os contribuintes portugueses directamente não serão prejudicados. É uma situação muito diferente daquele que vivemos no BPN. O que não significa que um eventual prejuízo não vá ao défice. Mas não ao défice que conta relativamente aos nossos compromissos. Para os critérios que contam relativamente aos nossos compromissos com Bruxelas, os 2,7%, é indiferente a solução que vier a ter o banco. É um custo extraordinário. 

Também acha que se não fosse este governo, não haveria um ex-primeiro-ministro preso e os bancos continuavam a fazer favores aos amigos?
Não quero ir por aí. A partir do momento em que o eng. José Sócrates está a ser escrutinado judicialmente, entendo que não devo aproveitar-me disso para fazer política. Combato aquilo que significou o socratismo e acho que em muitas matérias o dr. António Costa não propõe coisas diferentes das que propôs o eng. José Sócrates. O que é especialmente grave, porque acho que até o eng. José Socrates teria aprendido com os seus erros. O dr. António Costa nem essa aprendizagem conseguiu fazer. Mas tenho uma grande confiança no funcionamento da Justiça e não sou capaz de acompanhar os raciocínios, nem devo, que o dr. Paulo Rangel, que é uma pessoa que eu respeito imenso, fez relativamente a esta matéria. Viveram-se tempos de enorme promiscuidade entre a política e as finanças e a economia e uma parte da crise que vivemos também tem a ver com este tipo de comportamentos, de protecções e de promiscuidades.

Está a dizer que provavelmente com outro governo esse colapso do BES não acontecia?
Não. Não é isso que estou a dizer. A crise do BES tem a ver com a gestão do próprio BES na altura, com uma mudança de paradigma da nossa economia. Não estou certo é que se o primeiro-ministro fosse outro, nomeadamente se fosse socialista, tivesse adoptado uma atitude tao independente relativamente à solução do BES. Perante a ameaça que podia representar para o sistema a crise no BES, talvez se tivesse adoptado as soluções do costume. Isto é, pressionar a banca para emprestar dinheiro ao BES, esconder o problema ou em última análise nacionalizar o banco e transferir o custo para os contribuintes. 

Toda a gente se relacionou com Ricardo Salgado. Foi o seu caso?
Não. Mas também não tenho nada contra. Estive duas ou três vezes com o dr. Ricardo Salgado depois de assumir responsabilidades governativas mas nunca fiz parte do seu “inner circle”. O que não significa que não tenha relações de amizade forte com algumas outras pessoas da família Espírito Santo. 

Como é que pensionistas e idosos podem ser convencidos para votar na coligação depois destes quatro anos terríveis? É o mais vale um pássaro na mão do que dois a voar?
Será isso também. Mas há uma noção de protecção daquilo que conseguimos ao longo dos últimos quatro anos que é importante. A situação do país pode ser olhada da forma como estava a olhar – tempos terríveis, sacrifícios enormes que foram pedidos as pessoas, isso é inquestionável. É difícil dizer que as pessoas estão a viver em 2015 melhor do que há quatro ou cinco anos, mas tudo isto retirou o país da dependência financeira, recuperou a sua credibilidade e pôs a economia outra vez a crescer. Num modelo que é hoje um modelo sustentável. A economia vinha a crescer assente nas exportações, de alguma forma numa recuperação do investimento, numa recuperação gradual e moderada do consumo privado, e com contas externas positivas. Contas externas significa que o pais é solvente. Isto não é coisa pouca. Portugal não tinha contas externas positivas desde tempos do dr. Salazar.

Não é um crescimento assente no consumo interno. 
Sabe que o choque de consumo que propõe o dr. António Costa é uma via rápida para um curto-circuito das nossas contas externas. Estamos com contas externas equilibradas, com um ligeiro superavit. Mas este crescimento do consumo privado de 3% já está a causar uma certa pressão no crescimento das importações. Se o principal motor voltar a ser o consumo privado, voltaremos a ter contas externas negativas e entraremos num ciclo que será muito parecido aquele que vivemos na década passada. Esses discursos de excessivo facilitismo – vamos aumentar os salários de um dia para o outro, vamos criar empregos, vamos repor todos os feriados para ganhar as eleições rapidamente – não têm aderência à realidade. Pessoalmente tenho apreço pelo dr. António Costa. É uma personalidade estimável. Mas tem sido uma enorme decepção como líder da oposição. 

Esperava mais dele?
O problema não é eu esperar mais, porque eu nunca votaria nele. O problema é a desilusão enorme que ele está a provocar. As pessoas à esquerda estão perdidas, sentem que não existe uma verdadeira alternativa a este governo e seria útil que essa alternativa se tivesse afirmado, com mais competência e menos populismo. Mas aquilo que ressalta deste ano do dr. António Costa a frente do PS é um enorme amadorismo. Uma enorme incompetência. E isso nem nós na direita estávamos à espera. E é assustador. 

Porque fala de falta de profissionalismo e competência?
Qualquer líder de um partido à direita já estaria morto politicamente se tivesse acumulado as aselhices que o dr Antonio Costa acumulou ao longo do último ano.

Falava há pouco de uma rábula parlamentar. Aquela das taxas e taxinhas deixou toda a gente de boca aberta. O que se passou naquele dia?
Eu acho que foi eficaz.  Quando estamos quatro horas no Parlamento, sujeitos a uma pressão tão grande, acabam por acontecer coisas que têm um efeito mediático de que nos próprios não ganhamos consciência. Fui vendo as minhas intervenções através dos textos da Lusa, e tudo me parecia perfeito. Aquilo por escrito soava tudo muito bem. Depois, quando sai do parlamento e vi a cara dos meus assessores e recebi uns sms da minha mãe e da minha mulher, comecei a ficar menos convencido de que a minha figura tivesse sido tão perfeita assim. Quando ouvi as rádios percebi que o conteúdo era perfeito mas que a forma talvez fosse discutível. Quando vi nas televisões, pensei: Ok. Está feito. Isto vai ser super eficaz. Mas agora é melhor pôr o capacete durante uns dias porque isto dá pano para mangas para eu poder ser criticado. Todos nos aprendemos com estes erros. Um político autêntico como é o meu caso pode-se dar ao luxo de fazer figuras daquelas. 

A privatização da TAP é uma das suas maiores conquistas?
Era um objectivo que diferentes governos sabiam que era necessário cumprir há pelo menos 17 anos. E tinha sido tentado por muitos governos antes deste.  Este negócio é muito importante para a TAP e para o país, e se não fosse assim nunca teria dado a cara por este dossiê. Conhecendo eu as imposições que a União Europeia coloca e necessidade que a TAP tem de crescer e de se modernizar, esta era uma saída fundamental. E não era nada fácil fazer aquela privatização. Foi um grande trabalho… O mérito é obviamente dos secretários de estado que lideraram este dossiê e de todos os assessores, mas não posso deixar de me orgulhar. Tenho tido sorte, mas as pessoas que nunca têm sorte não fazem ideia do trabalho que dá ter sorte na vida.

Ler Mais

Os comentários estão desactivados.


×

Pesquise no i

×
 


Ver capa em alta resolução

iOnline