
Apesar de estar a fazer cabeçalhos por todo o mundo, a ideia do primeiro-ministro norueguês, Jens Stoltenberg, de conduzir um táxi pela capital como acção de campanha não é nova. Há 24 anos, Marcelo Rebelo de Sousa, na altura candidato a presidente da Câmara de Lisboa, decidiu conduzir um táxi pela cidade durante um dia inteiro, transportando grávidas em fim de tempo e "sujeitos com aspecto duvidoso".
Ao ver as notícias sobre o caso de Stoltenberg, Marcelo Rebelo de Sousa não conseguiu evitar recuar no tempo, mais precisamente a Setembro de 1989. "Lembrei-me logo da minha campanha", confessa o professor catedrático da Faculdade de Direito da Clássica, que há 24 anos concorreu à câmara da capital, pelo PSD, contra o socialista Jorge Sampaio - que acabaria por ganhar a autarquia. Entre outras peripécias, Marcelo apostou em acções de campanha diferentes, mergulhando no rio Tejo e passando um dia inteiro a conduzir um táxi. "Na altura era muito menos conhecido e aquilo serviu para as pessoas passarem a conhecer-me. Algumas reconheceram-me e por outras passei completamente despercebido", relatou Marcelo, que afirma ter-se apercebido dos problemas de trânsito na cidade, das "queixas" em relação à câmara e do "estado de espírito" dos alfacinhas. "Cavaco era primeiro-ministro e havia alguns problemas relacionados com as pensões. Pode dizer-se que as pessoas estavam, no mínimo, maldispostas com o governo."
Nas dez horas em que esteve ao serviço - e cobrou as corridas, já que ao fim do dia teve de entregar os proventos ao verdadeiro taxista - Marcelo andou num corre-corre pela cidade de Lisboa. Levou uma grávida prestes a dar à luz ao Hospital da Cruz Vermelha - "até tive medo que tivesse o bebé ali no carro" -, um senhor com uma "encomenda estranha" do antigo Casal Ventoso ao Cais do Sodré, estrangeiros para o Chiado e "muita gente atrasada para o emprego".
PASSOS TAXISTA? Apesar de ter gostado da aventura, o ex-líder do PSD admite que esta iniciativa não é para todos. "Não é do feitio de Passos Coelho fazer uma coisa deste género. É preciso ser extrovertido - como eu - ou ser terra-a-terra, como acontece no caso dos nórdicos."
A ideia de Stoltenberg nunca foi posta em prática por nenhum primeiro-ministro português e no PSD ninguém acredita que Passos Coelho possa ser taxista por um dia. "Passos Coelho não faria isso, mas Sócrates faria com certeza", diz ao i o ex-líder da JSD e deputado Duarte Marques, convicto de que o primeiro--ministro português "não precisa de o fazer porque conhece bem a realidade". "É um tipo simples, que passa férias junto do povo", garante o antigo presidente da JSD.
O dirigente social-democrata Guilherme Silva também não aconselha Passos a alinhar neste tipo de iniciativas em tempo de crise. "Seria contraproducente", garante o vice-presidente da Assembleia da República. A culpa é da austeridade que está a massacrar os portugueses e faz com que "as pessoas exijam medidas concretas que permitam ultrapassar a situação em que o país se encontra".
Se Guilherme Silva alerta para o risco de uma iniciativa deste género ser vista, em Portugal, como um acto de "demagogia", Duarte Marques não tem "nada contra", mas admite que, "se alguém de direita o fizesse, não faltariam os falsos moralistas do costume a falar em populismo e a levantar questões como o facto de não ter licença".
Mais que isso, Rodrigo Moita de Deus, dirigente do PSD e consultor político, está convencido de que "98% dos políticos portugueses se recusariam a fazê-lo por uma questão de temor".
Por um lado, diz Mota de Deus, há em Portugal um ambiente adverso, ao contrário do que acontece com os noruegueses, que têm uma qualidade de vida completamente diferente. Por outro lado, defende, "o sentimento dos políticos é de bastante receio".
"Às vezes até no Facebook têm medo de falar, com receio dos comentários, quanto mais num táxi... Não seria aplicável por cá, mas achei muito engraçado", conclui o director da agência de comunicação Next Power, que faz campanhas políticas.
Em Oslo, os clientes reagiram com humor à ideia do primeiro-ministro, que explicou a iniciativa a um jornal norueguês com a necessidade de "saber o que pensam os cidadãos". "Não há lugar mais propício à expressão da opinião do que um táxi", justificou Jens Stoltenberg.