Nota prévia: Com tambores e trombetas a Santa Casa lançou uma campanha para festejar os 30 anos da “raspadinha”. Por mais que se diga e demonstre que a “raspadinha” é uma forma de sacar dinheiro aos mais pobres e necessitados, nada trava o propósito da instituição. A casa centenária é, hoje, o alfobre de dezenas de insensíveis “boys e girls” de todas as origens políticas e, desde sempre, objeto de suspeitas por muitos negócios mal explicados, nomeadamente de cariz imobiliário. O jogo em Portugal (agora sobretudo o online) é uma doença endémica em crescimento permanente. A oferta é tremenda e diferenciada. Uma parte das receitas é destinada a minorar desgraças, algumas agravadas precisamente pela adição ao jogo. Banir o jogo oficial teria um efeito perverso e iria multiplicar o muito que já existe de clandestino e internacional. Mesmo assim, há que olhar para o problema e evitar o seu constante agravamento, nem que seja abolindo campanhas como a atual. Fala-se nisso e depois faz-se o contrário, sem que o governo ou os políticos mexam uma palha.
1. Com argumentos sólidos do ponto de vista jurídico e humanitário, o Presidente da República remeteu preventivamente a lei dos estrangeiros para o Tribunal Constitucional. Marcelo é um dos nossos mais ilustres constitucionalistas, sendo previsível que o TC acolha parte das suas dúvidas. O TC tem pouco tempo para apreciar o documento. Se validar alguns dos argumentos, o Parlamento terá de o expurgar das suas inconformidades, antes de o voltar a submeter a Belém, sendo que se tratará, formalmente, de uma nova lei. Legislar sobre uma matéria tão delicada e complexa mexe com uma enorme quantidade de direitos e valores e podia até ter justificado um veto político, que o Presidente não entendeu usar nesta fase. Optou por dar oportunidade a uma reavaliação ponderada de uma matéria que mexe com a vida e a dignidade de pessoas (caso dos oriundos de países lusófonos, que têm direitos próprios) que importa respeitar. Uma coisa é certa: a situação atual e a necessária revisão resultam de uma política desregulada e favorecedora de redes e esquemas levada a efeito pelo governo de António Costa e de quem o integrou com responsabilidades na área.
2. Mário Centeno vai deixar o Banco de Portugal onde era governador. Não há crise e falta de pão na família. Pelo menos 14 mil euros ficam garantidos, dado que é quadro eterno do banco. Além disso, pode sempre avançar para a política ou candidatar-se a um lugar de sonho numa instância internacional desejosa de ter nos seus quadros um ex-presidente do Eurogrupo. Até Constâncio conseguiu voar alto e ser visto como competente. Centeno não soube ultrapassar com dignidade o pecado original da sua nomeação, passando de ministro das Finanças para Governador, numa semana, baseado numa lei de incompatibilidades feita à medida pelo PS para que ele fosse escolhido. Incompetente, o Governo atual não a mudou, o que afastou do naipe de escolha os melhores especialistas em finanças. No exercício da sua função, Centeno só agravou o caso, ao autoelogiar a sua ação ministerial e ao desvalorizar a dos governos Montenegro. Isto enquanto deixava que o seu nome fosse usado para cargos políticos que, agora sim, podem estar ao seu alcance, se tiver coragem de se sujeitar a votos. Estranhamente (ou talvez não), no termo do mandato surgiu a dolorosa notícia sobre dezenas de milhões para uma nova sede do banco central. E logo no centro de Lisboa, quando podia perfeitamente ficar em Oeiras ou, quiçá, no Porto, a quem falharam na promessa do Infarmed. Quem tem memória fica em pânico! Teme, a eventual repetição, da trágica construção da sede da Caixa Geral de Depósitos, uma prodigiosa inutilidade, agora transformada numa deplorável sede de uma parcela do Governo e que ficará a curta distância da que Centeno decidiu em fim de mandato. Quanto à escolha e indigitação Santos Pereira, nada a dizer. Estava referenciado de início. Foi pescado no Canadá por Passos, mas saiu zangado, o que delicia Montenegro. Detestava Paulo Portas e o CDS liberalão e elitista. Tem bagagem curricular e desempenhava uma função importante na OCDE, embora limitada a portugueses. Nas novas circunstâncias da lei de incompatibilidades feita pelo PS e mantida pelo PSD, era dos melhores e a sua bonomia pode ser um trunfo mediático para explicar o futuro difícil que se nos apresenta.
3. É possível alguém passar de traidora a heroína dentro do PSD? Quem achar que não que se debruce sobre o caso Lina Lopes. Indignada por ter sido afastada das listas de deputados onde tinha lugar cativo, a líder das mulheres sociais-democratas atirou-se para os braços do Chega. Desafiadora, ficou a trabalhar no gabinete de Pacheco de Amorim, vice-presidente do parlamento. O caso deu brado e “traidora” era o mínimo que se lhe chamava. Pior ainda, Lina Lopes decidiu, a certa altura, encabeçar uma candidatura do Chega à câmara de Setúbal, o que enfureceu ainda mais os seus antigos companheiros. Mas eis que estes se depararam agora com a pitoresca decisão de o PSD nacional não apresentar candidatura a Setúbal e alinhar no apoio a Maria das Dores Meira, uma comunista “queque” que sempre tratou mal os sociais-democratas e dirigiu Setúbal três mandatos durante os quais foram detetadas diversas e complexas irregularidades. Com tudo isto, Lina Lopes pode mesmo estar a fazer o caminho da redenção e até ganhar a corrida, o que só será possível com o voto do estraçalhado e órfão eleitorado social-democrata sadino.
4. Pela primeira vez, André Ventura foi ultrapassado pelas circunstâncias e deixou exposta a óbvia vacuidade do Chega. A estratégia do “eu, eu, eu” acabou por impossibilitar qualquer candidatura substancial do partido à presidência da república, por não haver candidatos credíveis dispostos a aceitar o endosso de Ventura. O líder do Chega bem queria, mas não encontra. O único eventual, hipotético e improvável candidato que não rejeitou a possibilidade foi o major-general Isidro Morais Pereira, que ninguém leva a sério. Ser líder da oposição e candidato a presidente é absurdo em Portugal, ao contrário do que sucede em França, onde o Presidente é um chefe executivo. Ventura já deu a entender que se não aparecer mesmo ninguém poderá ter de avançar. Se assim for, arrisca-se a replicar o que se diz numa canção brasileira: “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”.
5. O Presidente checo, Petr Pável, promulgou uma lei que equipara o comunismo ao nazismo e que entrará em vigor a 1 de janeiro de 2026. Proíbe-se assim a propaganda destes dois totalitarismos que brutalizaram os checos de forma igualmente impiedosa. Os tribunais terão agora de decidir o que fazer com o Partido Comunista da Bohémia e Morávia, herdeiro do sinistro partido comunista checoslovaco. A lei vai mais longe e, além de comunistas e nazis, prevê penas de cadeia para todos os que pretenderem suprimir os direitos do Homem e as liberdades e incitar ao ódio racial, étnico, nacionalista, religioso ou fundamentado na classe social. Uma lei destas não faria sentido em países como Portugal onde o comunismo foi resistente ao fascismo e nunca chegou a impor-se como ditadura. Isto apesar de o ter tentado pouco tempo depois do 25 Abril, no que foi travado por militares do chamado Grupo dos Nove e, sobretudo, por um inesquecível Mário Soares, atrás do qual cerraram fileiras o PS, o PSD e muitos outros democratas. A diferença entre nós e os checos prova bem que cada caso é um caso. Por cá, apenas proibimos, constitucionalmente, as organizações fascistas. Há outros países democráticos onde tudo é permitido no campo das ideias e da propaganda, havendo limitações nos atropelos aos direitos políticos e humanos. Há, depois, regimes onde só existe uma sangrenta ditadura de direita, de esquerda, teocrática ou personalista, mas são contas de outro rosário. Debater as opções da República Checa (ou Chéquia) não se tem visto cá, o que, bem vistas as coisas, é uma forma de evitar uma clivagem ideológica ainda mais acentuada, numa altura em que os extremismos de esquerda e direita estão cada vez mais presentes na sociedade. Às vezes somos sábios nos nossos supostos brandos costumes.







