Qual é o verdadeiro preço da energia?


O verdadeiro preço da energia, o preço dos serviços energéticos, é controlado pela eficiência das nossas máquinas – e só quando desce é que há crescimento económico significativo.


Fora dos momentos das chamadas crises de petróleo (1973, devido ao boicote dos países árabes na sequência da guerra do Yom Kippur, ou 1979, na sequência do golpe de estado no Irão), existe em geral uma perceção no público, mais reforçada até nos economistas académicos, de que a energia tem pouca relevância para o crescimento económico.

Esta perceção radica-se numa compreensão incompleta da forma como a energia é usada nas economias.

Pensemos no caso do petróleo. Quando falamos no preço do mesmo, estamos a falar do petróleo depois de ter sido extraído. No entanto, o petróleo nesta fase, que é o que chamamos a fase primária, não é em si mesmo útil. Primeiro terá que ir para uma refinaria, na qual serão obtidos, a partir do petróleo, a gasolina, o gasóleo e outros combustíveis; isto é o que chamamos a fase final da transformação de energia. Mas, mais uma vez, a gasolina ou o gasóleo não são em si mesmos úteis. É só quando são queimados em motores, que vai ser disponibilizado trabalho mecânico, que vai fazer andar as rodas de, por exemplo, um carro, que se tornam úteis. É a esta fase que chamamos a fase útil de transformação de energia nas nossas sociedades.

Na fase útil, temos então o trabalho mecânico que sai dos motores dos carros, mas também dos motores elétricos nas fábricas, ou dos motores elétricos que fazem rodar o tambor de uma máquina de lavar a roupa ou subir e descer os vidros de um carro. Na fase útil, temos também o calor utilizado no fabrico de aço, ou o calor de um aquecedor em casa, o ar frio de um ar condicionado ou o arrefecimento de alimentos num frigorífico, a luz que sai de uma lâmpada.

Todos estes fluxos de energia na fase útil correspondem à prestação de serviços energéticos às pessoas, satisfazendo as suas necessidades de conforto térmico, mobilidade, produção de materiais, etc..

Embora sejam claramente vitais para a satisfação de necessidades humanas e para a criação de valor económico, a ciência económica tem tido grande dificuldade em contabilizá-los adequadamente.

O primeiro passo nesse sentido foi dado por William Nordhaus, mais conhecido pelo seu trabalho na modelação económica das alterações climáticas, pelo qual lhe foi atribuído o Prémio Nobel da Economia.

Num artigo de 1996, Nordhaus juntou a história e a ciência para analisar a forma como a tecnologia de iluminação foi mudando ao longo do tempo. Nordhaus investigou quanto custavam e quanta luz produziam diferentes formas de iluminação – desde as fogueiras da pré-história e as lâmpadas da Babilónia, até às velas, lâmpadas a óleo de baleia, incandescentes e fluorescentes dos últimos séculos. Chegou mesmo a fazer experiências com lâmpadas antigas, como as usadas pelos romanos, num verdadeiro trabalho de detetive entre as ciências naturais e a economia. Com toda essa informação, criou um índice para medir o “preço real da luz” ao longo do tempo e comparou-o com os valores oficiais usados nas estatísticas. E qual foi o resultado? Segundo Nordhaus, se olharmos para o ano de 1800 como ponto de partida, em 1992 a luz (isto é, o serviço energético de iluminação) era, na prática, mil vezes mais barata do que o que os números oficiais indicavam.

O passo seguinte foi dado por Roger Fouquet, em 1998, com o seu livro Heat, Power and Light: Revolutions in Energy Services. Neste livro, fez uma análise da evolução dos custos com iluminação, aquecimento doméstico, e transporte de bens e pessoas. Para este conjunto restrito de serviços, analisados ao longo de vários séculos para o Reino Unido, a conclusão era clara: ao longo do tempo, o seu preço tem vindo a diminuir.

Chegamos agora ao culminar de todo este esforço. Em 2025, num artigo publicado na revista Ecological Economics, investigadores portugueses do Instituto Superior Técnico (João Santos, Tânia Sousa e eu próprio) e da Universidade de Cambridge (André Serrenho), apresentam um novo método, que permite pela primeira vez obter o preço médio de todos os serviços energéticos de um país, aplicando este método a Portugal, no período 1960-2014.

O que concluímos?

Em primeiro lugar, que o verdadeiro preço da energia, o preço dos serviços energéticos, é no longo prazo fundamentalmente controlado pela eficiência das nossas máquinas (os motores elétricos, as fornalhas ou os frigoríficos) e não, como em geral se julga, pelo preço do petróleo ou outros recursos energéticos primários.

Em segundo lugar, que o preço dos serviços energéticos segue de perto o padrão de crescimento económico de Portugal: quando este preço desceu significativamente, em 1960-1974 e 1986-1992, o crescimento económico foi pujante; quando estagnou ou até aumentou, na generalidade dos restantes períodos, o crescimento foi reduzido ou nulo.

Mostra-se assim o papel fundamental da energia no crescimento económico, papel esse, no entanto, que só é corretamente identificado quando se considera a energia na sua fase útil de transformação nas sociedades, quando presta serviços energéticos, que satisfazem necessidades humanas e criam valor económico.

Professor de Ambiente e Energia

no Instituto Superior Técnico

Qual é o verdadeiro preço da energia?


O verdadeiro preço da energia, o preço dos serviços energéticos, é controlado pela eficiência das nossas máquinas – e só quando desce é que há crescimento económico significativo.


Fora dos momentos das chamadas crises de petróleo (1973, devido ao boicote dos países árabes na sequência da guerra do Yom Kippur, ou 1979, na sequência do golpe de estado no Irão), existe em geral uma perceção no público, mais reforçada até nos economistas académicos, de que a energia tem pouca relevância para o crescimento económico.

Esta perceção radica-se numa compreensão incompleta da forma como a energia é usada nas economias.

Pensemos no caso do petróleo. Quando falamos no preço do mesmo, estamos a falar do petróleo depois de ter sido extraído. No entanto, o petróleo nesta fase, que é o que chamamos a fase primária, não é em si mesmo útil. Primeiro terá que ir para uma refinaria, na qual serão obtidos, a partir do petróleo, a gasolina, o gasóleo e outros combustíveis; isto é o que chamamos a fase final da transformação de energia. Mas, mais uma vez, a gasolina ou o gasóleo não são em si mesmos úteis. É só quando são queimados em motores, que vai ser disponibilizado trabalho mecânico, que vai fazer andar as rodas de, por exemplo, um carro, que se tornam úteis. É a esta fase que chamamos a fase útil de transformação de energia nas nossas sociedades.

Na fase útil, temos então o trabalho mecânico que sai dos motores dos carros, mas também dos motores elétricos nas fábricas, ou dos motores elétricos que fazem rodar o tambor de uma máquina de lavar a roupa ou subir e descer os vidros de um carro. Na fase útil, temos também o calor utilizado no fabrico de aço, ou o calor de um aquecedor em casa, o ar frio de um ar condicionado ou o arrefecimento de alimentos num frigorífico, a luz que sai de uma lâmpada.

Todos estes fluxos de energia na fase útil correspondem à prestação de serviços energéticos às pessoas, satisfazendo as suas necessidades de conforto térmico, mobilidade, produção de materiais, etc..

Embora sejam claramente vitais para a satisfação de necessidades humanas e para a criação de valor económico, a ciência económica tem tido grande dificuldade em contabilizá-los adequadamente.

O primeiro passo nesse sentido foi dado por William Nordhaus, mais conhecido pelo seu trabalho na modelação económica das alterações climáticas, pelo qual lhe foi atribuído o Prémio Nobel da Economia.

Num artigo de 1996, Nordhaus juntou a história e a ciência para analisar a forma como a tecnologia de iluminação foi mudando ao longo do tempo. Nordhaus investigou quanto custavam e quanta luz produziam diferentes formas de iluminação – desde as fogueiras da pré-história e as lâmpadas da Babilónia, até às velas, lâmpadas a óleo de baleia, incandescentes e fluorescentes dos últimos séculos. Chegou mesmo a fazer experiências com lâmpadas antigas, como as usadas pelos romanos, num verdadeiro trabalho de detetive entre as ciências naturais e a economia. Com toda essa informação, criou um índice para medir o “preço real da luz” ao longo do tempo e comparou-o com os valores oficiais usados nas estatísticas. E qual foi o resultado? Segundo Nordhaus, se olharmos para o ano de 1800 como ponto de partida, em 1992 a luz (isto é, o serviço energético de iluminação) era, na prática, mil vezes mais barata do que o que os números oficiais indicavam.

O passo seguinte foi dado por Roger Fouquet, em 1998, com o seu livro Heat, Power and Light: Revolutions in Energy Services. Neste livro, fez uma análise da evolução dos custos com iluminação, aquecimento doméstico, e transporte de bens e pessoas. Para este conjunto restrito de serviços, analisados ao longo de vários séculos para o Reino Unido, a conclusão era clara: ao longo do tempo, o seu preço tem vindo a diminuir.

Chegamos agora ao culminar de todo este esforço. Em 2025, num artigo publicado na revista Ecological Economics, investigadores portugueses do Instituto Superior Técnico (João Santos, Tânia Sousa e eu próprio) e da Universidade de Cambridge (André Serrenho), apresentam um novo método, que permite pela primeira vez obter o preço médio de todos os serviços energéticos de um país, aplicando este método a Portugal, no período 1960-2014.

O que concluímos?

Em primeiro lugar, que o verdadeiro preço da energia, o preço dos serviços energéticos, é no longo prazo fundamentalmente controlado pela eficiência das nossas máquinas (os motores elétricos, as fornalhas ou os frigoríficos) e não, como em geral se julga, pelo preço do petróleo ou outros recursos energéticos primários.

Em segundo lugar, que o preço dos serviços energéticos segue de perto o padrão de crescimento económico de Portugal: quando este preço desceu significativamente, em 1960-1974 e 1986-1992, o crescimento económico foi pujante; quando estagnou ou até aumentou, na generalidade dos restantes períodos, o crescimento foi reduzido ou nulo.

Mostra-se assim o papel fundamental da energia no crescimento económico, papel esse, no entanto, que só é corretamente identificado quando se considera a energia na sua fase útil de transformação nas sociedades, quando presta serviços energéticos, que satisfazem necessidades humanas e criam valor económico.

Professor de Ambiente e Energia

no Instituto Superior Técnico