Bacteriófagos no combate a resistência a antibióticos


Impulsionado pelo aumento crescente das resistências antimicrobianas, a terapia fágica tem visto um renascimento no interesse no Ocidente.


Estima-se que em 2021, 4.71 milhões de mortes foram associadas a resistência antimicrobiana em bactérias, incluindo 1.14 milhões de mortes diretamente atribuíveis a esta resistência. Devido ao abuso e uso indevido particularmente no que se refere a antibióticos, doenças que eram facilmente tratáveis, estão a tornar-se bastante difíceis de tratar. Antimicrobianos são compostos utilizados no combate a doenças infecciosas. São utilizados no combate a diversos microrganismos, incluindo bactérias, fungos e vírus.

O período entre a década de 1940 e meados da década de 1960 registou um aumento rápido na descoberta de novas classes de antibióticos, sendo considerada a época dourada dos antibióticos. Desde a década de 1980, a taxa de descoberta de novos antibióticos diminuiu significativamente sendo que, apesar de terem sido desenvolvidos e comercializados alguns antibióticos desde então, a maioria pertence a classes já existentes. Em 2023 foi descoberta uma nova classe de antibióticos utilizando Inteligência Artificial no processo conhecido como aprendizagem profunda (deep learning) para o tratamento de Staphylococcus aureus resistentes a meticilina e enterococos resistentes a vancomicina – consideradas das bactérias patogénicas mais difíceis de eliminar.

No entanto, e pese embora o advento da Inteligência Artificial, as bactérias adquirem muito rapidamente resistência a antibióticos pelo que são necessárias outras abordagens para o combate a esta pandemia persistente. Bacteriófagos, vírus de bactérias, foram utilizados durante a primeira parte do século XX no tratamento de bactérias. A terapia com fagos não é algo novo – as suas origens remontam a mais de 100 anos. A utilização de fagos por Félix d’Hérelle, creditado como o cientista que descobriu os bacteriófagos, no combate a infeções bacterianas deu início a esforços internacionais – sobretudo centrados na antiga União Soviética – para testar a eficácia da terapia fágica no tratamento de doenças como a febre tifoide e a cólera. Os primeiros estudos foram promissores, embora muitos dos ensaios não estivessem devidamente desenhados segundo os padrões científicos atuais. Além disso, os resultados foram frequentemente publicados em revistas não anglófonas, o que os tornou largamente inacessíveis aos cientistas ocidentais. Ainda assim, a terapia com fagos teve algum uso nos Estados Unidos. Durante a década de 1940, várias empresas farmacêuticas norte-americanas produziram preparações de fagos para tratar diversas infeções.

Contudo, a terapia fágica eventualmente caiu em desuso no Ocidente devido a diversos fatores. Por um lado, a comunidade científica estava cética quanto à sua eficácia. Os fatores sociais também desempenharam um papel importante. Após a Segunda Guerra Mundial, a investigação e utilização da terapia com fagos continuaram nos países da Europa de Leste, onde ainda hoje é uma prática comum. De facto, a terapia fágica continua a ser uma prática médica rotineira na Geórgia, Polónia e Rússia. No entanto, a guerra levou os cientistas da Europa Ocidental e dos Estados Unidos a afastarem-se desta abordagem, devido à sua forte associação com a antiga União Soviética. Por fim, a descoberta da penicilina foi o golpe final na terapia com fagos – o advento dos antibióticos revolucionou o tratamento das infeções bacterianas e tornou-se o padrão de ouro em grande parte do mundo.

Impulsionado pelo aumento crescente das resistências antimicrobianas, a terapia fágica tem visto um renascimento no interesse no Ocidente. Apesar dos desafios, que incluem o potencial de desenvolvimento de resistência a bacteriófagos por parte das bactérias e também o facto de estes serem bastante específicos muitas vezes para um determinado tipo de bactérias, a perspetiva para a terapia com fagos é promissora. Parte do problema poderá ser obviado com alterações dos próprios bacteriófagos ou a sua utilização em conjunto com antibióticos, num processo semelhante ao que vemos nas águas que chegam às nossas torneiras, que embora devidamente tratadas nas estações de tratamentos de águas recebem sempre um reforço de desinfetante para que possa chegar às nossas torneiras sem microrganismos patogénicos. Atualmente, existe uma geração de novos investigadores bastante entusiasmados com a terapia fágica e que aliada à necessidade extrema de tratamento de infeções bacterianas, aumento de financiamento, maiores colaborações internacionais e avanços nos ensaios clínicos irá potenciar a utilização de bacteriófagos no tratamento de doenças.

Num cenário global em que a resistência antimicrobiana ameaça reverter décadas de progresso médico, é urgente investir em soluções inovadoras e complementares. A terapia com fagos, embora antiga, representa uma dessas soluções com potencial renovado. Com vontade política, conhecimento na população, investimento sustentado e colaboração científica internacional, é possível transformar esta promessa em realidade e garantir que continuamos a dispor de ferramentas eficazes para proteger a saúde pública.

Investigadores do Laboratório de Análises do Instituto Superior Técnico

Bacteriófagos no combate a resistência a antibióticos


Impulsionado pelo aumento crescente das resistências antimicrobianas, a terapia fágica tem visto um renascimento no interesse no Ocidente.


Estima-se que em 2021, 4.71 milhões de mortes foram associadas a resistência antimicrobiana em bactérias, incluindo 1.14 milhões de mortes diretamente atribuíveis a esta resistência. Devido ao abuso e uso indevido particularmente no que se refere a antibióticos, doenças que eram facilmente tratáveis, estão a tornar-se bastante difíceis de tratar. Antimicrobianos são compostos utilizados no combate a doenças infecciosas. São utilizados no combate a diversos microrganismos, incluindo bactérias, fungos e vírus.

O período entre a década de 1940 e meados da década de 1960 registou um aumento rápido na descoberta de novas classes de antibióticos, sendo considerada a época dourada dos antibióticos. Desde a década de 1980, a taxa de descoberta de novos antibióticos diminuiu significativamente sendo que, apesar de terem sido desenvolvidos e comercializados alguns antibióticos desde então, a maioria pertence a classes já existentes. Em 2023 foi descoberta uma nova classe de antibióticos utilizando Inteligência Artificial no processo conhecido como aprendizagem profunda (deep learning) para o tratamento de Staphylococcus aureus resistentes a meticilina e enterococos resistentes a vancomicina – consideradas das bactérias patogénicas mais difíceis de eliminar.

No entanto, e pese embora o advento da Inteligência Artificial, as bactérias adquirem muito rapidamente resistência a antibióticos pelo que são necessárias outras abordagens para o combate a esta pandemia persistente. Bacteriófagos, vírus de bactérias, foram utilizados durante a primeira parte do século XX no tratamento de bactérias. A terapia com fagos não é algo novo – as suas origens remontam a mais de 100 anos. A utilização de fagos por Félix d’Hérelle, creditado como o cientista que descobriu os bacteriófagos, no combate a infeções bacterianas deu início a esforços internacionais – sobretudo centrados na antiga União Soviética – para testar a eficácia da terapia fágica no tratamento de doenças como a febre tifoide e a cólera. Os primeiros estudos foram promissores, embora muitos dos ensaios não estivessem devidamente desenhados segundo os padrões científicos atuais. Além disso, os resultados foram frequentemente publicados em revistas não anglófonas, o que os tornou largamente inacessíveis aos cientistas ocidentais. Ainda assim, a terapia com fagos teve algum uso nos Estados Unidos. Durante a década de 1940, várias empresas farmacêuticas norte-americanas produziram preparações de fagos para tratar diversas infeções.

Contudo, a terapia fágica eventualmente caiu em desuso no Ocidente devido a diversos fatores. Por um lado, a comunidade científica estava cética quanto à sua eficácia. Os fatores sociais também desempenharam um papel importante. Após a Segunda Guerra Mundial, a investigação e utilização da terapia com fagos continuaram nos países da Europa de Leste, onde ainda hoje é uma prática comum. De facto, a terapia fágica continua a ser uma prática médica rotineira na Geórgia, Polónia e Rússia. No entanto, a guerra levou os cientistas da Europa Ocidental e dos Estados Unidos a afastarem-se desta abordagem, devido à sua forte associação com a antiga União Soviética. Por fim, a descoberta da penicilina foi o golpe final na terapia com fagos – o advento dos antibióticos revolucionou o tratamento das infeções bacterianas e tornou-se o padrão de ouro em grande parte do mundo.

Impulsionado pelo aumento crescente das resistências antimicrobianas, a terapia fágica tem visto um renascimento no interesse no Ocidente. Apesar dos desafios, que incluem o potencial de desenvolvimento de resistência a bacteriófagos por parte das bactérias e também o facto de estes serem bastante específicos muitas vezes para um determinado tipo de bactérias, a perspetiva para a terapia com fagos é promissora. Parte do problema poderá ser obviado com alterações dos próprios bacteriófagos ou a sua utilização em conjunto com antibióticos, num processo semelhante ao que vemos nas águas que chegam às nossas torneiras, que embora devidamente tratadas nas estações de tratamentos de águas recebem sempre um reforço de desinfetante para que possa chegar às nossas torneiras sem microrganismos patogénicos. Atualmente, existe uma geração de novos investigadores bastante entusiasmados com a terapia fágica e que aliada à necessidade extrema de tratamento de infeções bacterianas, aumento de financiamento, maiores colaborações internacionais e avanços nos ensaios clínicos irá potenciar a utilização de bacteriófagos no tratamento de doenças.

Num cenário global em que a resistência antimicrobiana ameaça reverter décadas de progresso médico, é urgente investir em soluções inovadoras e complementares. A terapia com fagos, embora antiga, representa uma dessas soluções com potencial renovado. Com vontade política, conhecimento na população, investimento sustentado e colaboração científica internacional, é possível transformar esta promessa em realidade e garantir que continuamos a dispor de ferramentas eficazes para proteger a saúde pública.

Investigadores do Laboratório de Análises do Instituto Superior Técnico