Há quem trabalhe a pensar nelas. Quem as idealize, as organize ao detalhe. Quem faça grandes viagens, fuja completamente da sua realidade e zona de conforto. Há outros que são mais simples. Aproveitam-nas em casa, junto dos seus, fazendo atividades, conhecendo locais mais perto ou fazendo absolutamente nada. Uma coisa é certa: é importante parar, fazer uma pausa na correria que são os dias de trabalho, e as férias devem servir precisamente para isso. No entanto, nem todos têm essa oportunidade, pelas mais variadas razões.
Fazer face as despesas
Para Filipa Soares, as férias significam “descanso do trabalho”. “Usufruir essencial do silêncio, uma vez que trabalho com crianças. Recarregar energias, desfrutar do sol, praia, estar com amigos, saídas à noite. Isto porque as minhas férias são essencialmente no verão, dado o ano letivo”, começa por contar. As suas férias de sonho é poder viajar para fora do país, conhecer outros países e suas culturas. “Uma vez que adoro o sol e o mar, adoraria conhecer ilhas paradisíacas”, afirma.
Há alguns anos conseguia ir de férias com familiares, e repartiam as despesas. No entanto, desde 2020 que não tira férias por questões financeiras. “Neste país não é fácil pagar despesas de casa e carro e conseguir ir de férias. Do rendimento mensal nada sobra, então sinto-me obrigada a utilizar o subsídio de férias para outras despesas, tais como: seguro do carro, revisão, inspeção, etc… Ainda que possuísse casa própria, era obrigada a pagar o IMI com o dinheiro das férias”, lamenta, acrescentando que, como tal, “apareceram aquelas despesas que não estamos à espera”. “Nas férias do meu trabalho vou trabalhar em outros sítios e acabo por não ter o merecido descanso, ou seja, acabo por não tirar férias”, lamenta Filipa.
“Posso dizer que sinto alguma frustração de não desfrutar do merecido descanso após um ano de trabalho. Não é por acaso que merecemos 22 dias para descansar!”, admite a educadora de infância. “Consigo gerir a minha frustração em não ir de férias porque trabalho e resido próximo de uma zona de praias e acabo muitas vezes por ir a banhos no mar depois do trabalho. Confesso que sinto algum prazer nisso, penso: ‘Ainda há pouco estava a trabalhar e agora já estou aqui na praia!’”.
Este ano, as suas férias serão mais uma vez a trabalhar. “Este ano num festival… Não vou ter a possibilidade de desfrutar dos concertos, vai ser muito desgastante, mas a carteira assim o obriga. Talvez esta minha situação e de muitos portugueses mudasse com a redução do preço da habitação, melhoria dos salários mensais. Enfim, é o que há e acabamos por nos queixar sobre esta situação e não conseguimos sair dela”, partilha.
Aproveitar o que se tem
“Tirar férias significa o merecido descanso, o dolce far niente que na corrida da vida se tornou praticamente inacessível, sendo que o ritmo que levamos parece ser sempre superior àquele que gostaríamos de ter”, afirma, por sua vez, Bárbara Gonçalves, tatuadora. “São importantes para recarregar a bateria, a nível psicológico e físico, tentar o desligamento do trabalho que nos põe comida na mesa e nos consome grande parte do nosso tempo de vida”, acrescenta.
As suas férias de sonho passariam por um sítio de repouso, calor, praia, piscina, “sítios para criar memórias duradouras de felicidade com os filhos” e que eles pudessem “também ser muito felizes num registo leve de apreciar a vida e o agora”. “Esse tipo de férias, imaginando um bom hotel, com registo de refeições incluídas para não ter preocupações banais do que se vai cozinhar no dia-a-dia e poder apenas desfrutar do lado bom e prazeroso da vida, não tiro desde a infância”, garante. “Tenho memórias belíssimas dessas férias com os meus pais, na altura em que de alguma forma ainda existia a possibilidade de se usufruir desse tipo de férias, pertencendo à classe média. Não entendia estes conceitos, sendo eu criança e pré adolescente e para mim eram incríveis os dias passados no Algarve. Fazem, ainda hoje, parte das minhas memórias mais felizes”, detalha.
Hoje em dia, enquanto adulta, mãe de dois e trabalhadora, “é praticamente impossível imaginar, quanto mais reservar um hotel com essas opções, menos ainda no Algarve”. “Tudo isso deixou de ser opção. O panorama mudou no sentido em que a acessibilidade mudou. Os preços são díspares com a realidade portuguesa. Acredito que sejam ótimos para quem vem de fora usufruir da beleza que é Portugal. Para nós, não é realista usufruir desse tipo de férias, tendo de optar por um modo low cost que não te permite ter muitas vezes o descanso para esse importante desligamento e com a preocupação excessiva do que sobrará quando a vida voltar ao seu ritmo normal”, reflete Bárbara Gonçalves.
A situação não a frustra tanto porque, tal como Fernanda Pinela, esta “tem a sorte de viver numa zona que muitos consideram como destino de férias, perto de praias paradisíacas”. “Frustra-me imaginar que posso não criar essas memórias com os meus filhos, mas acabo por compensar de outras formas, permitindo-nos ter momentos de pausa e desfrutar de dias que podem ser vistos como essas tais férias, mesmo não o sendo”, explica. Bárbara aprendeu a adaptar-se à situação envolvente. “Se quisermos, arranjamos forma de contornar a não possibilidade de umas férias de sonho, aparentemente inalcançáveis”, afirma. “Faz-me também lutar para que no futuro seja acessível essa recompensa, mesmo na incerteza do quando e, aparentemente, fora de Portugal, onde os preços não colaboram com os ordenados portugueses”, acrescenta.
Este ano ainda nada está definido, não existem férias marcadas para nenhum lugar em particular, “apenas a tentativa de fuga a cada momento de pausa para abafar a não existência do dia : ‘Vamos de férias’”. Vivendo numa zona “privilegiada”, Bárbara acredita que a sua família irá “desfrutar de cada dia de praia que se proporcione, de cada concerto que surja, de cada bailarico que nos faça criar memórias felizes e da família emigrante, que volta sempre ao belo Portugal para passar as merecidas férias solarengas e com sabor a mar, do ano”.
“Grande parte do panorama português atualmente está inapto para uma vida que te permita luxos como este. Ou tens a sorte de ter um ótimo posto de trabalho, que te assegura bons ordenados ou este tipo de luxo não se enquadra com quem muitas vezes não consegue gerir um ordenado para as necessidades básicas. Paz, pão, habitação, saúde e educação. Lutamos pelo básico, na esperança que um dia consiga proporcionar aos meus filhos algo semelhante ao que tive a sorte de poder desfrutar”, remata.
Aceitar a realidade
Ana Paula tem 42 anos, cinco filhos e é ama. Há mais de 10 anos que não tira férias, tanto pela falta de dinheiro como por problemas de logística. “Não consigo parar. Não posso parar!”, garante. “O dinheiro não estica, somos muitos cá em casa e temos de pensar bem no que gastamos. Na verdade já me habituei e não penso nisso muitas vezes. A dada altura, entramos em piloto automático, faz-se o que é preciso e não se sonha muito”, lamenta, admitindo saber que isso não é saudável. “Nunca fiz grandes férias, nunca saí do país, mas antes de os ter aos cinco conseguia dar umas escapadinhas. Agora é impossível”, reforça. Por isso, comprou uma pequena piscina de plástico para meter no espaço que tem em frente à sua casa. “Não dá para mim, mas ao menos os miúdos têm qualquer coisa diferente para se entreterem. E também comprei um pequeno grelhador. Assim podemos fazer as refeições fora de casa. Já é bom”, desabafa. “Como trabalho em casa, sempre passo tempo com eles. Recebo os meninos que tomo conta, eles brincam, conseguimos ir ao parque, de vez em quando à praia”, acrescenta. Ana Paula quer acreditar que a vida vai melhorar, mas na sua cabeça “é melhor aceitar as coisas”. “Não criar muitas expectativas. Posso não ter férias, ter de contar o dinheiro todos os meses, mas somos sortudos por termos uma casa, comida e conforto. No estado em que está o mundo, isso já é um privilégio”, acredita.







