Espanha enredada numa teia de poder e corrupção

Espanha enredada numa teia de poder e corrupção


Ex-dirigente do PSOE em prisão preventiva por alegados subornos na adjudicação de obras públicas. Pedro Sánchez pediu desculpa pelo caso mas depois passou à ofensiva contra o PP e Vox


O há muito tempo difícil ambiente político de Espanha ficou esta semana ainda mais complicado com a prisão preventiva de Santos Cerdán, por pertença a organização criminosa, suborno e tráfico de influências.

O ex-dirigente do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) foi ouvido esta segunda-feira pelo Supremo Tribunal como investigado no caso de corrupção que também envolve o antigo ministro dos Transportes, José Luís Ábalos e o seu assessor, Koldo García.  O juiz Leopoldo Puente, decidiu manter Santos Cerdán em prisão preventiva, sem direito a fiança, considerando que este apresentava risco de fuga e poderia destruir provas. O antigo número dois do PSOE está acusado de corrupção passiva e de crime organizado pela suposta fraude em contratos de obras públicas, e evasão e branqueamento de capitais. Esta foi a primeira vez que o Supremo se decidiu pela prisão preventiva de um dos envolvidos neste caso.

Na audição, Cerdán terá negado ter feito parte deste esquema e denunciou uma tentativa de «perseguição política» por ter negociado, antes da última tomada de posse do presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez, com o Partido Nacionalista Basco e o Bildu. Cerdán disse ainda que o próximo será o ministro da Justiça, Félix Bolaños, porque negociou com os independentistas catalães do Junts per Catalunya.

De acordo com a investigação – que começou com cobranças ilegais na compra de máscaras durante a pandemia, mas evoluiu para o pagamento de subornos durante a adjudicação ilegal de obras públicas –,  Cerdán terá agido como gestor no esquema de corrupção de que terão beneficiado Ábalos e Koldo García, a quem foram retirados os passaportes. Para além de estarem proibidos de sair de Espanha,  têm de se apresentar periodicamente a um juiz, de 15 em 15 dias.

O relatório elaborado pela Unidade Operacional Central (UCO) da Guardia Civil sobre o esquema coloca Santos Cerdán, atual Secretário de Organização do PSOE, como uma figura-chave na alegada estrutura de corrupção. Segundo a UCO, Cerdán teria atuado como «responsável pelo pagamento» de subornos relacionados com a adjudicação irregular de obras públicas que beneficiaram tanto José Luis Ábalos como Koldo García.

A documentação analisada pelas autoridades revela que a ligação entre Cerdán e Koldo García era hierárquica, estabelecendo uma subordinação entre o ex-assessor de Ábalos e o número três do PSOE, numa estrutura organizacional que sugere um sistema de relações bem estabelecido na rede investigada.

Primárias do PSOE de 2014

Uma das revelações do relatório centra-se numa troca de mensagens datada de 13 de julho de 2014, que aponta para uma alegada fraude durante as primárias do PSOE que culminaram na vitória de Pedro Sánchez. Nestas comunicações, Santos Cerdán terá dado instruções específicas a Koldo García para manipular o processo eleitoral.

«Quando acabar, escreves como aqueles dois que faltam votaram sem que ninguém te veja e colocas as duas cédulas». A resposta de Koldo: «é isso» sugere a execução imediata destas instruções de Cerdán.  A troca de palavras coloca em causa a legitimidade do processo interno que conduziu Pedro Sánchez à liderança do partido e levanta dúvidas sobre a transparência democrática numa das organizações políticas mais importantes de Espanha.

Recorde-se que Sánchez chegou ao poder em 2017, depois de ter apresentado uma moção de censura ao Partido Popular (PP) de Mariano Rajoy, devido aos casos de corrupção que assolaram o PP.

Grande parte do caso das autoridades baseia-se em registos áudio feitos por Koldo entre 2019 e 2023. Cerdán disse que os áudios são descontextualizados e pediu uma perícia sobre as gravações. Na semana anterior, na sua audição no Supremo Tribunal, Koldo – que gravou todos os seus encontros com Cerdán e Ábalos – optou pelo silêncio enquanto José Luis Ábalos negou também as acusações e disse não se reconhecer nos áudios.

Nas conversas fala-se de dívidas contraídas por empresas de construção, alegadamente em troca da manipulação de adjudicações de infraestruturas públicas durante o período em que Ábalos esteve à frente do ministério dos Transportes.

A investigação da UCO conseguiu quantificar os alegados montantes envolvidos no esquema – recebidos por Ábalos e Koldo, sob a direção de Santos Cerdán –, que ascendem a 620.000 euros. No entanto, de acordo com os critérios de Koldo García, cerca de 450.000 euros adicionais ainda estão pendentes de cobrança.

Os números revelam a magnitude económica do alegado sistema de comissões ilegais que teria funcionado em torno da adjudicação de contratos públicos e os agentes da UCO identificaram ainda alegados crimes de participação em organização criminosa e de suborno, o que sugere a existência de uma estrutura criminosa organizada e não de atos isolados. 

A frase atribuída a Cerdán, «vou buscar tudo, vou pedir tudo», reflete uma atitude que os investigadores interpretam como indicativa de uma operação de extorsão sistémica.

Crise política 

Ábalos foi ministro entre 2018 e 2021. Santos Cerdán era o “número três” do PSOE desde 2017, quando sucedeu no cargo a Ábalos. Os dois foram os maiores e mais reconhecidos apoiantes de Sánchez nas primárias do PSOE de 2014 e no caminho que depois o levou a liderar o Governo pela primeira vez, em 2018.

A suspeita de corrupção na cúpula do PSOE adensou a crise política em Espanha e há uma quase unanimidade entre analistas, dirigentes políticos e imprensa que coloca em risco a sobrevivência política do primeiro-ministro, Pedro Sánchez.

No entanto, de acordo com os media espanhóis, o PSOE afirma que o caso se trata de um passado «doloroso» e já está a pensar no futuro, uma vez que «o mal que ele fez já foi feito e já não afeta o partido», sublinhando que o impacto interno foi atenuado. «Tolerância zero contra a corrupção», afirma o partido. De imediato, o próprio presidente do governo espanhol afirmou que o partido  atuou «com contundência» perante as suspeitas e afastou de imediato Santo Cerdán, e que cabe à justiça decidir «as responsabilidades que pode ter» o ex dirigente socialista. Sánchez, pediu desculpa pelos «indícios muito graves» do envolvimento de Santos Cerdán em alegados «subornos» relacionados com o caso Koldo, anunciando que o partido vai reestruturar a direção e pedir uma auditoria externa às contas. 

«Uma vergonha»

Ao mesmo tempo, excluiu a hipótese de eleições antecipadas. Uma exclusão que poderá não depender de Sánchez, uma vez que a ministra do Trabalho espanhola e dirigente do Somar, partido que está na coligação de governo com o PSOE, disse que Espanha tem «um problema político» devido à corrupção no PSOE e que «a situação é muito grave».

«Espanha tem hoje um problema político» e quando isto acontece «não se pode olhar para outro lado», disse Yolanda Díaz, uma das vice-presidentes do governo, que pediu ao parceiro do executivo uma mudança radical na resposta que está a dar ao caso. «Estamos muito zangados, estão vocês e o conjunto do país» e «ver ontem entrar na prisão o número dois do Partido Socialista é uma vergonha, sem contemplações», sentenciou. 

Yolanda Díaz diz que o PSOE tem de explicar ao Somar e ao país «o que aconteceu» e exigiu a adoção rápida de «medidas de regeneração democrática para não voltar a acontecer» considerando que «a corrupção zero existe», ao contrário do que tem dito Sánchez, e que este é o resultado do bipartidarismo e «dos seus dois problemas: PP e PSOE».

Na quarta-feira, o primeiro debate parlamentar desde a prisão preventiva de Santos teve vários pedidos demissão e deputados a bater na cadeiras e a gritar «Demissão, demissão», numa cena orquestrada por Santiago Abascal, líder do Vox, que abandonou o hemiciclo sem ouvir Sánchez, olhando-o com desprezo à sua passagem.

«És indecente. E nem mesmo os seus apoiantes têm dúvidas sobre isso. Toda a Espanha o sabe. Um corrupto e um traidor», disse Abascal. 

Por seu lado, o presidente do PP disse que Sánchez está «profundamente enredado num esquema de corrupção» e «por muito que o disfarce, não é a vítima. As vítimas são os espanhóis». Alberto Núñez Feijóo acrescentou: «Vieram dizer que não vão convocar eleições porque iriam perdê-las. Não tem de salvar os espanhóis de si próprios, os espanhóis é que têm de se salvar de si e esperam a sua carta de demissão»

Já o primeiro-ministro espanhol tentou desviar a sessão do caso de corrupção do PSOE, passando do pedido de desculpas para uma ofensiva coordenada contra o PP e o Vox, considerando  que estes dois partidos não têm legitimidade para falar de corrupção, tendo em conta os seus próprios casos de corrupção. 

Segundo Sánchez, a diferença é que o PSOE atua logo que há sinais, enquanto o PP e o Vox encobrem a corrupção.