Cabos da boa esperança: infraestrutura crítica para o futuro


Os cabos SMART representam a convergência entre tecnologia, sustentabilidade ambiental e soberania.


Em 1870 entrou ao serviço o primeiro cabo telegráfico submarino que ligava Portugal ao Reino Unido. Desde então, Portugal tem assumido um papel de destaque à escala global na rede de cabos submarinos, promovendo a comunicação entre continentes, e consolidando-se como um ponto estratégico de conectividade internacional.

Atualmente mais de 99% de todo o tráfego internacional de internet é transmitido por cabos submarinos, por permitir uma velocidade de transmissão de milhões de vezes superiores à transmissão da via satélite.

Os cabos submarinos não são apenas canais de comunicação: são também plataformas para a introdução de tecnologia de ponta, como seja os cabos SMART (Science Monitoring and Reliable Telecommunications). Em Portugal, estes vão ser equipados com sensores de temperatura, pressão e atividade sísmica (sismómetros e acelerómetros), permitindo uma monitorização em tempo real do fundo dos oceanos. Com os dados recolhidos torna-se possível estudar a evolução climática, detetar precocemente sismos e tsunamis, e emitir alertas que salvam vidas e proteger infraestruturas e comunidades.

Um estudo do  Instituto Superior Técnico / Instituto de Investigação e Inovação em Engenharia Civil para a Sustentabilidade (CEris) (Early Warning Systems: Feasibility and End-Users Point of View) demonstra que, em Portugal, os cabos SMART podem proporcionar até 30 segundos de antecipação para alertas sísmicos e várias dezenas de minutos no caso de tsunami, dependendo da localização do epicentro. Estes são segundos que salvam vidas, pois permitem à população tomar medidas de proteção — como parar elevadores, abandonar zonas vulneráveis ou procurar abrigo — e aos sistemas críticos ativar respostas automáticas, como desligar redes de gás e energia, abrandar o funcionamento de equipamentos em complexos industriais, parar ou reduzir a velocidade de comboios, bloquear acessos a pontes, ou garantir o fornecimento de energia em hospitais.

Por sua vez, a observação contínua e em tempo real da temperatura e pressão dos oceanos torna-se crucial num contexto de alterações climáticas. O aquecimento dos oceanos, responsável por 30 a 50% da subida do nível do mar, acarreta impactos profundos: erosão das zonas costeiras, branqueamento de corais, perda acelerada das principais camadas de gelo da Terra, intensificação de furacões, alterações na bioquímica marinha, entre outros.

Portugal ocupa uma posição geoestratégica privilegiada no Atlântico. Possui uma das maiores Zonas Económicas Exclusivas (ZEE) do mundo: a 5.ª maior da Europa e a 20.ª a nível global, com cerca de 1,7 milhões de km² — o equivalente a 19 vezes a área de Portugal Continental. Esta posição fortalece o papel do país como hub de conectividade, investigação científica e observação oceânica.

Estamos perante uma infraestrutura crítica de nova geração, não apenas para as comunicações, mas também para a proteção ambiental, a segurança das populações e a preservação da soberania nacional. A consciência crescente da importância estratégica dos cabos submarinos tem mobilizado diversos setores. Um exemplo disso foi a conferência promovida pelo Observatório dos Ecossistemas e Infraestruturas Digitais em conjunto com a JTF SMART Cables, em junho passado, que reuniu especialistas nacionais e internacionais para discutir o impacto e o potencial dos cabos SMART.

A partir de 2027 teremos a funcionar o novo anel CAM, que ligará o Continente, os Açores e a Madeira através de 4000 km de cabos submarinos, equipados com cerca de 20 módulos SMART. Este investimento estratégico – que substituirá os cabos antigos atualmente em fim de vida – representa um investimento nacional de 154 milhões de euros, com um apoio adicional de 56 milhões da União Europeia. Os sensores SMART correspondem a cerca de 15% do custo total. Feitas as contas, o investimento equivale a cerca de 2 euros por cidadão (um café e um bolo) — um valor simbólico perante os benefícios científicos, ambientais e de segurança que representa durante 25 anos.

Estamos, portanto, perante uma infraestrutura emergente que também é crítica dado o seu poder na soberania e na defesa geopolítica, do ambiente e dos fenómenos naturais. A sua importância torna-se ainda mais evidente à luz das crescentes tensões internacionais. Os cabos submarinos são vulneráveis a ataques, sabotagem e possível interrupção. Caso acedidos, podem ser recolhidas comunicações críticas. Os sensores SMART permitem detetar os ruídos no oceano e assim assegurar a segurança dos próprios cabos SMART, bem como de outros cabos na sua vizinhança.

Os cabos SMART representam, assim, a convergência entre tecnologia, sustentabilidade ambiental e soberania. Portugal está a liderar no que toca aos cabos SMART e deve aproveitar este projeto como alavanca para novos investimentos e iniciativas estratégicas. Estes cabos constituem ferramentas fundamentais para a produção de conhecimento científico, para a resposta a catástrofes naturais e o reforço da segurança digital e nacional. À medida que o fundo dos oceanos se torna palco de competição tecnológica, torna-se imperativa uma governação global eficaz destas infraestruturas emergentes, assegurando a sua proteção, a utilização responsável e valorização enquanto recurso estratégico, especialmente em tempos de crescente instabilidade global.

Investigadora do Instituto Superior Técnico/ Instituto de Investigação e Inovação em Engenharia Civil para a Sustentabilidade (CEris)

Cabos da boa esperança: infraestrutura crítica para o futuro


Os cabos SMART representam a convergência entre tecnologia, sustentabilidade ambiental e soberania.


Em 1870 entrou ao serviço o primeiro cabo telegráfico submarino que ligava Portugal ao Reino Unido. Desde então, Portugal tem assumido um papel de destaque à escala global na rede de cabos submarinos, promovendo a comunicação entre continentes, e consolidando-se como um ponto estratégico de conectividade internacional.

Atualmente mais de 99% de todo o tráfego internacional de internet é transmitido por cabos submarinos, por permitir uma velocidade de transmissão de milhões de vezes superiores à transmissão da via satélite.

Os cabos submarinos não são apenas canais de comunicação: são também plataformas para a introdução de tecnologia de ponta, como seja os cabos SMART (Science Monitoring and Reliable Telecommunications). Em Portugal, estes vão ser equipados com sensores de temperatura, pressão e atividade sísmica (sismómetros e acelerómetros), permitindo uma monitorização em tempo real do fundo dos oceanos. Com os dados recolhidos torna-se possível estudar a evolução climática, detetar precocemente sismos e tsunamis, e emitir alertas que salvam vidas e proteger infraestruturas e comunidades.

Um estudo do  Instituto Superior Técnico / Instituto de Investigação e Inovação em Engenharia Civil para a Sustentabilidade (CEris) (Early Warning Systems: Feasibility and End-Users Point of View) demonstra que, em Portugal, os cabos SMART podem proporcionar até 30 segundos de antecipação para alertas sísmicos e várias dezenas de minutos no caso de tsunami, dependendo da localização do epicentro. Estes são segundos que salvam vidas, pois permitem à população tomar medidas de proteção — como parar elevadores, abandonar zonas vulneráveis ou procurar abrigo — e aos sistemas críticos ativar respostas automáticas, como desligar redes de gás e energia, abrandar o funcionamento de equipamentos em complexos industriais, parar ou reduzir a velocidade de comboios, bloquear acessos a pontes, ou garantir o fornecimento de energia em hospitais.

Por sua vez, a observação contínua e em tempo real da temperatura e pressão dos oceanos torna-se crucial num contexto de alterações climáticas. O aquecimento dos oceanos, responsável por 30 a 50% da subida do nível do mar, acarreta impactos profundos: erosão das zonas costeiras, branqueamento de corais, perda acelerada das principais camadas de gelo da Terra, intensificação de furacões, alterações na bioquímica marinha, entre outros.

Portugal ocupa uma posição geoestratégica privilegiada no Atlântico. Possui uma das maiores Zonas Económicas Exclusivas (ZEE) do mundo: a 5.ª maior da Europa e a 20.ª a nível global, com cerca de 1,7 milhões de km² — o equivalente a 19 vezes a área de Portugal Continental. Esta posição fortalece o papel do país como hub de conectividade, investigação científica e observação oceânica.

Estamos perante uma infraestrutura crítica de nova geração, não apenas para as comunicações, mas também para a proteção ambiental, a segurança das populações e a preservação da soberania nacional. A consciência crescente da importância estratégica dos cabos submarinos tem mobilizado diversos setores. Um exemplo disso foi a conferência promovida pelo Observatório dos Ecossistemas e Infraestruturas Digitais em conjunto com a JTF SMART Cables, em junho passado, que reuniu especialistas nacionais e internacionais para discutir o impacto e o potencial dos cabos SMART.

A partir de 2027 teremos a funcionar o novo anel CAM, que ligará o Continente, os Açores e a Madeira através de 4000 km de cabos submarinos, equipados com cerca de 20 módulos SMART. Este investimento estratégico – que substituirá os cabos antigos atualmente em fim de vida – representa um investimento nacional de 154 milhões de euros, com um apoio adicional de 56 milhões da União Europeia. Os sensores SMART correspondem a cerca de 15% do custo total. Feitas as contas, o investimento equivale a cerca de 2 euros por cidadão (um café e um bolo) — um valor simbólico perante os benefícios científicos, ambientais e de segurança que representa durante 25 anos.

Estamos, portanto, perante uma infraestrutura emergente que também é crítica dado o seu poder na soberania e na defesa geopolítica, do ambiente e dos fenómenos naturais. A sua importância torna-se ainda mais evidente à luz das crescentes tensões internacionais. Os cabos submarinos são vulneráveis a ataques, sabotagem e possível interrupção. Caso acedidos, podem ser recolhidas comunicações críticas. Os sensores SMART permitem detetar os ruídos no oceano e assim assegurar a segurança dos próprios cabos SMART, bem como de outros cabos na sua vizinhança.

Os cabos SMART representam, assim, a convergência entre tecnologia, sustentabilidade ambiental e soberania. Portugal está a liderar no que toca aos cabos SMART e deve aproveitar este projeto como alavanca para novos investimentos e iniciativas estratégicas. Estes cabos constituem ferramentas fundamentais para a produção de conhecimento científico, para a resposta a catástrofes naturais e o reforço da segurança digital e nacional. À medida que o fundo dos oceanos se torna palco de competição tecnológica, torna-se imperativa uma governação global eficaz destas infraestruturas emergentes, assegurando a sua proteção, a utilização responsável e valorização enquanto recurso estratégico, especialmente em tempos de crescente instabilidade global.

Investigadora do Instituto Superior Técnico/ Instituto de Investigação e Inovação em Engenharia Civil para a Sustentabilidade (CEris)