Férias são, por norma, sinónimo de descanso, mas a larga maioria dos portugueses – à semelhança de muitos outros povos – gosta de ‘casar’ a palavra férias com confusão! Adoram escolher o mês de agosto para inundar as praias, que registam uma enchente superior ao Metro em hora de ponta no inverno, querem ir a restaurantes que têm reservas que dão para ‘rodar’ três vezes as mesas, e ficam ofendidos se recebem como resposta que o melhor é voltar noutro dia, pois não há hipótese de prestar bom serviço com tantas reservas.
Há mesmo praias onde os veraneantes acordam às sete da manhã para irem ‘instalar’ o seu chapéu de sol e estender as toalhas, não vão chegar e o areal já ter a lotação esgotada.
Mas isso é conversa de velhos, os mais novos querem ir em agosto pois é nessa altura que encontram a maioria dos amigos, e pouco se importam se os restaurantes não conseguem prestar um bom serviço ou se a discoteca está a abarrotar. Querem é saber se conseguem estar na guest list das discotecas, se têm senhas de consumo oferecidas por algum relações públicas e se vão ter sorte com os amores de verão – os mais atrevidotes, talvez seja mais correto dizer as mais atrevidotas, fazem as contas no fim do mês. É assim de norte a sul, mas o Algarve transforma-se na capital do país, nos meses de julho e agosto. A pacatez e o fascínio dos restantes meses, onde o serviço é melhor, onde se pode ir a um mercado e comprar um bom marisco e peixe a preços muito mais simpáticos, não seduzem a maioria. Se há povos que gostam dividir as férias como se de atletas olímpicos se tratassem, isto é, escolhem uns dias no inverno – para os desportos da neve – e outros no verão – para a praia e campo – em Portugal só os mais endinheirados é que se atrevem nessa modalidade.
Ainda no capítulo dos endinheirados, há aqueles que sentem tamanha necessidade de escapar à estreiteza do retângulo nacional que não se deixam intimidar pela balbúrdia dos aeroportos. Filas para os passaportes e para a revista da bagagem, malas perdidas, voos atrasados, esperas intermináveis e aviões lotados são um mal menor quando se sonha com alguns dias de férias num qualquer paraíso estrangeiro.
Protestar, um desporto nacional
Em tempos, no Algarve, no final do mês de agosto, fazia-se a festa do ‘vai-te embora ó melga’, pois empresários e empregados estavam fartos das exigências dos turistas nacionais e estrangeiros, e sonhavam com o regresso à normalidade, apesar de saberem que é nesses dois meses que fazem, regra geral, o pé de meia para o resto do ano. “As pessoas não têm noção, mas trazem para as férias o stresse do ano inteiro para cima de nós. Protestam porque a mesa marcada para as 15 horas não está livre, protestam porque marcaram mesa para as 13h e têm de sair às 15h, protestam porque a refeição é cara, esquecendo-se, muitas vezes, das caipirinhas e outras bebidas que foram bebendo até a refeição chegar. Protestam porque está muito calor ou muito frio, porque há muita gente, mas continuam sempre a apostar no mês de agosto. E não estou a falar de casais com miúdos pequenos, que obedecem às férias escolares”, desabafa ao i um empresário.
Por essa razão, é normal entrar nalguns restaurantes e ver um quadro com as palavras: “Traga sede e fome, mas não traga pressa ou ansiedade. Não servimos disso aqui”.
Fugir da confusão
Se uns procuram a agitação, outros fazem tudo para fugir dela. Em alguns dos aldeamentos mais caros do país, os habitantes, estrangeiros, é certo, decidem deixar as suas casas e regressam aos seus países de origem, pois não gostam muito de confusão e detestam ir aos sítios do costume e encontrar uma horda de ‘índios’. Depois há os que alugam as suas casas, e aqui falamos também de portugueses, que ou vão de férias para outras zonas ou então ‘encaixam-se’ na casa de familiares.
Mas se uns fogem da confusão, como já sabemos, outros adoram agitação. E os mais novos cada vez se queixam mais da falta de alternativas nas zonas de veraneio, esquecendo-se que a procura e a oferta precisam de estar em sintonia. E aqui fala-se logo em Espanha, onde nuestros hermanos são mais calorosos e adoram beber e dançar até altas horas. Ah! E a preços mais em conta, no que ao turismo de classe média diz respeito.
Mas isso são contas de outro rosário – fala-se que os números não estão muito favoráveis para a maioria dos empresários, embora as contas se façam no final.
O conflito no Médio Oriente poderá não ser muito benéfico para Portugal, pois quem marcou férias para as zonas do conflito – entre Israel e o_Irão, bem como toda a zona envolvente, incluindo o Qatar, que foi ontem alvo de ataques iranianos – não deverá conseguir mudar de local à última da hora. Se é certo que a Primavera Árabe trouxe mais turistas para Portugal, hoje as opiniões dividem-se, e nem todos acreditam que o atual conflito vai favorecer o país.
Descobrir o país e voltar às origens
Tempos houve em que quando se falava de férias se pensava na “terra”. Muitas famílias regressavam a casa, deixando as grandes cidades que escolheram para viver e trabalhar. Era no campo que os mais novos tinham contacto com a vida rural e mantinham o apego às origens familiares. Com a moda das praias, muitos começaram a ‘fugir’ da terra e a irem para a molhada das praias. Mas com a descoberta das praias fluviais, a preços mais em conta, alguns começam a optar pelo campo em detrimento da praia, como é evidenciado por vários estudos.
Certo é que julho e agosto estão à porta e a vida frenética das cidades, com horas e horas gastas no trânsito, se transfere nestes dias para as praias cheias, os restaurantes a abarrotar e com o sol a transformar muitos em verdadeiras lagostas. Mas, como se disse, isso é conversa de velho. A rapaziada quer é estar onde estão os outros e pouco importa que não se descanse. Para os mais puristas, diga-se que também são cada vez mais os que gostam de se refugiar no interior para levar à letra a palavra férias, que, supostamente, é um período de descanso. Boas férias e divirtam-se, seja na confusão ou no silêncio da solidão.