Dias quentes, noites longas, pouca roupa, biquínis, chinelos, praia, mergulhos no mar, convívios na piscina, as feiras, as férias… Para muitos, o verão é a estação onde os problemas derretem, onde o estado de espírito condiz com os tons vibrantes da estação. Mas para outros, esta altura do ano e as suas temperaturas, são um pesadelo.
“Tanto o verão como o calor são bastante problemáticos para mim, até porque um (o verão) é causa suficiente e necessária do outro (o calor)”, afirma ao i Andreia Barata, de 25 anos. Há vários motivos para não gostar de ambos. “Creio que as pessoas que partilham da mesma opinião são incompreendidas, já que estes são entendidos, por muitos, como sinónimo de entusiasmo e folia”, lamenta.
A jovem reside em Castelo Branco, cidade da Beira Baixa, no interior de Portugal. “Por cá, quando os residentes pretendem descrever sucintamente a temperatura do distrito, proclamam com muita graça: ‘Castelo Branco tem três estações: a dos comboios, o inverno e o inferno’. E eu, em primeira mão, confirmo”, brinca. Por isso, a posição geográfica é o ponto de partida para a grande lista de razões pelas quais não aprecia o Verão. “Viver desde sempre num lugar em que o verão é muito seco e quente, torna a priori, difícil ser simpatizante desta altura do ano, embora haja quem seja e, desde já, manifesto a minha verdadeira admiração pela malta que adora e/ou que ‘trabalha para o bronze’”, comenta.
“Apesar de o nosso distrito possuir barragens, rios, praias fluviais, a deslocação não pode ser feita da cidade a pé (comodamente, sem derreter qualquer coisinha) até nenhum deles. Então e a praia? A mais próxima ficará a, seguramente, duas horas (o que não é necessariamente negativo visto que não sou fã dos kg de areia nas cuecas)”, graceja.
Temperaturas, preços e incêndios
Por motivos económicos, segundo Andreia, o verão “também faz chorar”: “são os protetores caros, a cerveja inflacionada, a confusão, a azáfama de quem põe as fichas todas de junho a setembro para viver em pleno. Eu, como ‘nova velha’, renuncio e prefiro a calma, a brisa e a lareira”, revela. “No verão, todo o albicastrense deseja uma cervejinha fresquinha e a mordomia de um ar condicionado (que é a principal atração do meu local de trabalho)”, acrescenta.
Outro dos motivos que a faz detestar o Verão são os incêndios. “É uma altura propícia para a proliferação de incêndios que ceifam fauna, flora e a vida de muitos dos guardiães da serra e da natureza. É ilegítimo, é ilegal e é abjeto. É impossível desassociar o verão e o calor destas catástrofes avassaladoras que nos tiram o sono, como se o calor bafiento não bastasse”, alerta.
“Por outro lado, trago-vos dois problemas de primeiro mundo”, continua a jovem. “Primeiramente, pessoas muito branquinhas nesta altura do ano, são facilmente confundidas com um marisco qualquer e não é no sentido apetitoso. Escaldões na pele, água em todas as regueifas do corpo. É um desconforto que não compensa as noites mais longas onde as melgas batem continência enquanto nos sugam a pele”, queixa-se. O segundo, é a indumentária. “Em oposição, no inverno o kit de emergência é roupa quente, mantinha, e uma bebida quente. No verão podemos estar completamente despidos, encostados ao chão frio e ter drenado o Alqueva. O calor não nos abandona. Lá fiel ele é, mas é um ‘tipo’ sem maneiras”.
E vai mais longe… “Fazendo uma analogia parva mas que traduz perfeitamente o que sinto… Se no verão tivesse um ‘soul animal’ eu seria um frango numa marinada a assar no forno. Explico porquê: Ambos estamos sob temperaturas altíssimas, ambos vamos tostar a pele, ambos cheiramos a refogado e estamos ensopados e é provável que ambos fiquemos passados demais”, justifica. “Sinto mesmo um desconforto brutal nesta altura! Não posso negar que prefiro o frio. Sinto-me particularmente cansada por causa do calor. Vencer mais um dia é chegar ao chuveiro!”, acrescenta.
Desmaios devido ao calor
Ao contrário de Andreia – que até brinca com o desconforto –, Filipe Duarte, de 28 anos, não consegue lidar com a situação com tanta leveza. “Relação ódio, ódio mesmo, não há amor nenhum com o verão. O calor odeia-me, e eu odeio-o”, admite ao i. Nesta altura do ano, evita tudo o que tenha de ser feito em algum sítio onde não haja um ventoinha ou ar condicionado. “Praia é o último sítio onde penso ir o verão inteiro: calor, areia e demasiadas pessoas, não há maior pesadelo para mim durante o ano. Sair só mesmo à noite. Sinto-me bastante mal, chego mesmo a desmaiar com o calor. Desvantagens de ter sido um atleta durante muitos anos e ter o batimento cardíaco baixinho”, explica.
O jovem estudante de Massamá revela que começou a ter esta “relação tóxica” com o calor depois de ter deixado de fazer desporto federado, por volta dos 16 anos. E já teve uns quantos momentos que o comprovam: desmaiar em salas de aula, em casa e durante jogos de futebol com os amigos. “O aumento das temperaturas só tem uma vantagem para mim, que é a possibilidade de perder mais peso, porque fico sem vontade de comer e não existem banhos suficientes para eu tomar ao longo de 24 horas com tanto suor a sair-me do corpo. Fora isso, a vontade de derreter é mais que muita. Tudo me irrita, não consigo dormir como deve ser. A ventoinha é a minha melhor amiga os verões todos”, partilha.
Um pesadelo na capital
“Não gosto do tempo quente, excessivamente quente – e o verão, naturalmente, é a estação por excelência para me avivar esse desconforto”, conta, por sua vez, Miguel Pereira, de 40 anos. O desconforto de que fala começa por ser físico e muito concreto: “As temperaturas muito altas causam-me sudação excessiva, e alguns sintomas dermatológicos desagradáveis (irritação, pequenas bolhas) associados a um quadro de alergia ao calor”, justifica. “Além disso, tenho ainda uma fotossensibilidade ocular que julgo que se foi agravando ao longo dos anos, e que faz dos dias de verão muito solarengos ao ar livre uma verdadeira tortura”, desabafa.
“Depois, enfim, o verão é um período de ar livre, em que, na cidade, para além do calor sufocante, é preciso suportar multidões de turistas efusivos e barulhentos, semi-nus, tantas vezes alcoolizados, a ocupar desbragada e desregradamente quase todo o espaço público”, descreve o artista freelancer de Lisboa. “Hesito em considerar a agorafobia e a antropofobia como reações concretamente físicas de desconforto, mas a sensação que causam não é muito distinta”, acrescenta.
Considera que com o passar da infância e da adolescência, a leveza que o tempo quente parece induzir em quase todos os aspetos da vida “parece ter perdido significado”. Ao desconforto físico foi-se somando um desconforto social cada vez mais evidente. “Posso gostar do ar livre à sombra, na esplanada com amigos, de viagens e passeios pelo calor – não excessivo. Mas é-me impossível suportar a multidão – na cidade, por exemplo, ou na praia”, reforça. “Nadar no mar é excelente, mas as queimaduras solares são horríveis. Como é horrível a multidão de gente muito feia e muito barulhenta que sempre se junta para encher de lixo os areais das praias mais conhecidas. É uma experiência verdadeiramente insuportável”, defende.
Miguel Pereira não tem rotinas, “depende do que a vida estiver a ser, sobretudo no plano profissional, que é muito inconstante”. Porém, nesta altura, “admitindo um cenário no qual está sobretudo sozinho e desocupado”, tende, muito naturalmente, a “trocar os dias pelas noites”. “Ficar ativo pela noite dentro, até à madrugada, e sair de casa apenas ao final do dia, quando o calor e a luz se fazem sentir com menos intensidade”, remata.