Se Portugal fosse uma verdadeira democracia, eu, como qualquer outro cidadão eleitor, poderia conhecer o meu representante na Assembleia da República, que escolheria, não por ele ser de um determinado partido, mas por defender algumas das minhas ideias e convicções. Igualmente, no caso de durante uma legislatura esse mesmo deputado não tivesse trabalhado no sentindo da defesa dessas mesmas convicções, deixaria de ter o meu voto. Igualmente, porque sabia quem ele era, durante a legislatura ou mesmo antes, teria falado com ele e debatido com ele ou ela essas ideias ou convicções, ou seja, haveria uma relação entre os deputados e os seus eleitores.
É exactamente isso que se passa em Inglaterra, como em outros países europeus, mas não em Portugal, onde não tenho o meu representante e sou forçado a votar em quatro, seis, ou vinte e quatro cidadãos escolhidos pelos partidos, cidadãos que não conheço e que não sei se defendem alguma das minhas ideias. Mas sei, por experiência, que defendem as convicções do chefe do partido que os escolheu e dificilmente defenderão as convicções e os interesses daqueles que neles votam. Essa é a razão por que considero que o sistema político português não é democrático e representa a principal causa de Portugal ter maus governos e o facto de vivermos há um quarto de século a perder nível de vida e de rendimentos em relação há generalidade das outas nações europeias. É também a causa de muitos portugueses já terem deixado de votar, de não terem médico de família, dos salários médios serem muito baixos e da corrupção ser um fenómeno demasiado presente em Portugal. É a diferença entre uma democracia e uma partidocracia.
Há meia dúzia de anos, revoltado com a decisão do Partido Socialista de optar pela bitola ibérica no futuro da ferrovia portuguesa, juntei-me a alguns especialistas do tema e publicámos um texto a denunciar o erro e a explicar as razões da decisão implicar graves limitações ao desejado crescimento das exportações portugueses, para mais porque a decisão de António Costa era contrária às determinações da União Europeia e limitaria o financiamento europeu que outros países, como a Espanha, estavam a receber para modernizar as suas ferrovias em bitola europeia. Desde então, escrevemos cartas aos deputados dos diferentes partidos, enviamos textos, nossos e da União Europeia, tentando demonstrar a enormidade do erro, mas as respostas, quando existiram, foram de mero agradecimento pelo incómodo.
Passaram os anos e temos agora o ministro Pinto Luz, profundamente ignorante sobre o tema da ferrovia, a seguir as indicações da empresa IP e os interesses subjacentes, da mesma forma que os anteriores governos do PS, sem que tenhamos na Assembleia da República um único interlocutor que nos queira ouvir ou que possa defender as nossas propostas, que são afinal coincidentes com as recomendações da União Europeia, para que haja em toda a Europa uma via férrea interoperável e com todos os comboios de todos os países a poderem percorrer com as suas mercadorias e os seus passageiros todo o espaço europeu em saudável regime de concorrência.
Recordo sobre este assunto a justificação de um ministro do PS, de seu nome Pedro Nuno Santos, que justificou a opção pela bitola ibérica, porque isso protegeria as empresas portuguesas da concorrência das empresas estrangeiras que, dessa forma, não entrariam em Portugal. Santa convicção essa, que segue a filosofia isolacionista do defunto Salazar, isolacionismo modernamente mantido, sem explicação, pelo ministro Pinto Luz.
Mas o mais importante, na óptica deste texto, é de que como cidadãos e até como especialistas das diversas áreas da ferrovia e da economia, portuguesa e europeia, não temos ninguém que na Assembleia da República nos queira ouvir, ou se interesse por este tema de profundo interesse nacional, com grandes implicações no futuro da economia portuguesa. Igualmente, o ministro Pinto Luz foge de falar connosco como o diabo da cruz, apesar de todos os pedidos e de todos os textos que já publicamos sobre o assunto. Um último texto, profundamente explicativo sobre o que está em causa, foi recentemente publicado no jornal Observador pelo Professor Mário Lopes do Instituto Superior Técnico (IST).
Em resumo, nenhum país se pode considerar democrático quando os supostos representantes do povo são de facto os representantes escolhidos pelos dirigentes partidários no poder, quando não de um único chefe dirigente de cada partido, em que o objectivo de todos é defender o partido e não os eleitores, que somos afinal todos nós portugueses.