O ar que respiramos: um desafio invisível, mas urgente


A poluição atmosférica impacta desproporcionadamente a população mais vulnerável, estando as desigualdades sociais e económicas associadas a uma maior exposição a ar de pior qualidade.


Respirar é o ato mais natural do mundo. No entanto, raramente refletimos sobre a qualidade do ar que inalamos diariamente. A poluição atmosférica, embora invisível, continua a ser o principal risco ambiental para a saúde humana – principalmente quando combinada com os efeitos das alterações climáticas, como o calor extremo ou os incêndios florestais. Está associada a doenças crónicas, perda de qualidade de vida e a cerca de 300 mil mortes prematuras por ano na Europa. É natural que estes dados suscitem cada vez mais preocupação. Mas existem soluções concretas para melhorar a qualidade do ar que respiramos. Soluções cuja eficácia depende da cooperação entre autoridades locais, regionais, nacionais e internacionais, indústria, setor empresarial, comunidade científica e, sobretudo, do envolvimento informado e ativo dos cidadãos, sem o qual nenhuma transformação será verdadeiramente duradoura.

A qualidade do ar na Europa tem vindo a melhorar ao longo das últimas décadas, resultado da implementação de políticas públicas eficazes e da redução das emissões em vários setores-chave. No entanto, cerca de 96% da população europeia, que vive nas cidades, continua exposta a níveis de partículas finas superiores aos valores-guia recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que têm como único critério a proteção da saúde humana. A poluição atmosférica impacta desproporcionadamente a população mais vulnerável, estando as desigualdades sociais e económicas associadas a uma maior exposição a ar de pior qualidade. As crianças e os idosos tendem a sofrer as consequências mais graves para a saúde, enquanto as pessoas com rendimentos mais baixos vivem frequentemente nas zonas mais poluídas.

Em dezembro de 2024 entrou em vigor a nova Diretiva Europeia sobre Qualidade do Ar que estabelece metas mais ambiciosas para a concentração de vários poluentes atmosféricos a cumprir até 2030. Apesar de representar um progresso relevante, esta revisão legislativa continua a ficar aquém do desejável, já que os novos limites legais permanecem menos exigentes do que os valores-guia da OMS. Outra novidade introduzida por esta diretiva é o reconhecimento do direito dos cidadãos a serem indemnizados por danos para a sua saúde, nos casos em que as regras da União Europeia em matéria de qualidade do ar não sejam respeitadas.

Em Portugal, tal como no restante espaço europeu, os efeitos da má qualidade do ar são significativos. Estima-se que cerca de 3600 mortes prematuras por ano estejam associadas à exposição a partículas finas atmosféricas, com impactos consideráveis para o sistema de saúde e para a economia nacional. Sem medidas concretas e eficazes implementadas a curto prazo, é provável que várias estações de monitorização da qualidade do ar, em território nacional, ultrapassem os valores limite de concentração de poluentes atmosféricos estabelecidos pela nova diretiva europeia.

Para cumprir os novos limites é necessário intensificar os esforços para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis e diminuir o número de automóveis privados em circulação. Estratégias como a criação e reforço de zonas de emissões reduzidas, o investimento numa rede de transportes públicos eficiente e interligada, a promoção da mobilidade ativa (de bicicleta ou a pé) e a reconversão do espaço urbano em benefício dos peões constituem apostas promissoras para a melhoria da qualidade do ar.

É igualmente fundamental que a população compreenda que as políticas para a redução de poluentes no ar não são imposições arbitrárias, mas sim medidas necessárias para proteger a saúde pública – cujos benefícios superam amplamente os eventuais incómodos da sua implementação. Sendo invisível, a poluição do ar tende a ser subvalorizada, o que torna a sensibilização uma prioridade. No laboratório ObservAR do Instituto Superior Técnico, situado no Campus Tecnológico e Nuclear (CTN), em Loures, para além do uso de tecnologias avançadas de medição e modelação de poluentes atmosféricos – com especial atenção a poluentes emergentes como partículas ultrafinas, carbono negro, metais pesados e microplásticos – tem-se investido também na ciência cidadã como forma de aproximar o conhecimento científico da sociedade. Estes estudos, para além de permitirem compreender a fenomenologia da poluição atmosférica, quantificar a contribuição de fontes emissoras para a qualidade do ar, estudar tendências e avaliar impactos na saúde, pretendem também apoiar decisões mais informadas. Exemplos como um projeto realizado no Seixal, onde voluntários utilizaram morangueiros para avaliar a distribuição de poluentes na região ou a utilização de sensores portáteis por estudantes e famílias em Lisboa para mapear zonas e comportamentos associados a maior exposição, ilustram bem esse envolvimento. Esta participação ativa da sociedade em projetos científicos, tradicionalmente reservados a especialistas, tem um enorme potencial para gerar mudança. A ciência cidadã aproxima os cidadãos dos processos de decisão, reforça a comunicação dos riscos ambientais e, acima de tudo, estimula comportamentos mais informados e sustentáveis.

A qualidade do ar deve ser entendida como um bem comum, a proteger através de políticas públicas ambiciosas, conhecimento científico acessível e uma cidadania atenta, envolvida e exigente.

Investigadora do Instituto Superior Técnico
/ Centro de Ciências e Tecnologias Nucleares (C2TN)

NOTA: O ObservAR é um laboratório co-financiado pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT), no âmbito do projeto “Técnico Flagship Labs”, que está a renovar e criar dezenas de laboratórios para a investigação, formação e transferência de conhecimento.

O ar que respiramos: um desafio invisível, mas urgente


A poluição atmosférica impacta desproporcionadamente a população mais vulnerável, estando as desigualdades sociais e económicas associadas a uma maior exposição a ar de pior qualidade.


Respirar é o ato mais natural do mundo. No entanto, raramente refletimos sobre a qualidade do ar que inalamos diariamente. A poluição atmosférica, embora invisível, continua a ser o principal risco ambiental para a saúde humana – principalmente quando combinada com os efeitos das alterações climáticas, como o calor extremo ou os incêndios florestais. Está associada a doenças crónicas, perda de qualidade de vida e a cerca de 300 mil mortes prematuras por ano na Europa. É natural que estes dados suscitem cada vez mais preocupação. Mas existem soluções concretas para melhorar a qualidade do ar que respiramos. Soluções cuja eficácia depende da cooperação entre autoridades locais, regionais, nacionais e internacionais, indústria, setor empresarial, comunidade científica e, sobretudo, do envolvimento informado e ativo dos cidadãos, sem o qual nenhuma transformação será verdadeiramente duradoura.

A qualidade do ar na Europa tem vindo a melhorar ao longo das últimas décadas, resultado da implementação de políticas públicas eficazes e da redução das emissões em vários setores-chave. No entanto, cerca de 96% da população europeia, que vive nas cidades, continua exposta a níveis de partículas finas superiores aos valores-guia recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que têm como único critério a proteção da saúde humana. A poluição atmosférica impacta desproporcionadamente a população mais vulnerável, estando as desigualdades sociais e económicas associadas a uma maior exposição a ar de pior qualidade. As crianças e os idosos tendem a sofrer as consequências mais graves para a saúde, enquanto as pessoas com rendimentos mais baixos vivem frequentemente nas zonas mais poluídas.

Em dezembro de 2024 entrou em vigor a nova Diretiva Europeia sobre Qualidade do Ar que estabelece metas mais ambiciosas para a concentração de vários poluentes atmosféricos a cumprir até 2030. Apesar de representar um progresso relevante, esta revisão legislativa continua a ficar aquém do desejável, já que os novos limites legais permanecem menos exigentes do que os valores-guia da OMS. Outra novidade introduzida por esta diretiva é o reconhecimento do direito dos cidadãos a serem indemnizados por danos para a sua saúde, nos casos em que as regras da União Europeia em matéria de qualidade do ar não sejam respeitadas.

Em Portugal, tal como no restante espaço europeu, os efeitos da má qualidade do ar são significativos. Estima-se que cerca de 3600 mortes prematuras por ano estejam associadas à exposição a partículas finas atmosféricas, com impactos consideráveis para o sistema de saúde e para a economia nacional. Sem medidas concretas e eficazes implementadas a curto prazo, é provável que várias estações de monitorização da qualidade do ar, em território nacional, ultrapassem os valores limite de concentração de poluentes atmosféricos estabelecidos pela nova diretiva europeia.

Para cumprir os novos limites é necessário intensificar os esforços para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis e diminuir o número de automóveis privados em circulação. Estratégias como a criação e reforço de zonas de emissões reduzidas, o investimento numa rede de transportes públicos eficiente e interligada, a promoção da mobilidade ativa (de bicicleta ou a pé) e a reconversão do espaço urbano em benefício dos peões constituem apostas promissoras para a melhoria da qualidade do ar.

É igualmente fundamental que a população compreenda que as políticas para a redução de poluentes no ar não são imposições arbitrárias, mas sim medidas necessárias para proteger a saúde pública – cujos benefícios superam amplamente os eventuais incómodos da sua implementação. Sendo invisível, a poluição do ar tende a ser subvalorizada, o que torna a sensibilização uma prioridade. No laboratório ObservAR do Instituto Superior Técnico, situado no Campus Tecnológico e Nuclear (CTN), em Loures, para além do uso de tecnologias avançadas de medição e modelação de poluentes atmosféricos – com especial atenção a poluentes emergentes como partículas ultrafinas, carbono negro, metais pesados e microplásticos – tem-se investido também na ciência cidadã como forma de aproximar o conhecimento científico da sociedade. Estes estudos, para além de permitirem compreender a fenomenologia da poluição atmosférica, quantificar a contribuição de fontes emissoras para a qualidade do ar, estudar tendências e avaliar impactos na saúde, pretendem também apoiar decisões mais informadas. Exemplos como um projeto realizado no Seixal, onde voluntários utilizaram morangueiros para avaliar a distribuição de poluentes na região ou a utilização de sensores portáteis por estudantes e famílias em Lisboa para mapear zonas e comportamentos associados a maior exposição, ilustram bem esse envolvimento. Esta participação ativa da sociedade em projetos científicos, tradicionalmente reservados a especialistas, tem um enorme potencial para gerar mudança. A ciência cidadã aproxima os cidadãos dos processos de decisão, reforça a comunicação dos riscos ambientais e, acima de tudo, estimula comportamentos mais informados e sustentáveis.

A qualidade do ar deve ser entendida como um bem comum, a proteger através de políticas públicas ambiciosas, conhecimento científico acessível e uma cidadania atenta, envolvida e exigente.

Investigadora do Instituto Superior Técnico
/ Centro de Ciências e Tecnologias Nucleares (C2TN)

NOTA: O ObservAR é um laboratório co-financiado pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT), no âmbito do projeto “Técnico Flagship Labs”, que está a renovar e criar dezenas de laboratórios para a investigação, formação e transferência de conhecimento.