Leão XIV entre a Obra e os padres casados

Leão XIV entre a Obra e os padres casados


O Papa Leão XIV tenta a todo o custo manter a Igreja unida, mas não vai ter muito mais tempo até ser obrigado a falar dos temas fraturantes. Para já, a sua definição de casamento deixou os progressistas tristes.


Quarenta e três anos depois de ser nomeado sacerdote, o Papa Leão XIV está praticamente a acabar o seu estado de graça ou a Lua de Mel, como diz um padre ao Nascer do SOL, pois, em breve, terá de se pronunciar sobre alguns dos temas fraturantes da Igreja Católica. Até agora, tem dado sinais nos dois sentidos, agradando a conservadores quando disse: «É responsabilidade dos governantes trabalhar para construir sociedades civis harmoniosas e pacíficas. Isso pode ser alcançado, acima de tudo, investindo na família, fundada na união estável entre um homem e uma mulher». Como é fácil de imaginar, agradou a uns e desagradou a outros. Há mesmo quem dê o exemplo da Dinamarca onde os casamentos tradicionais só representam 20% do total.

Mas para não deixar os progressistas tristes, o antigo cardeal Prevost, explicou o que pensa do fenómeno da imigração – sendo americano as suas palavras têm ainda mais peso: «Todos nós, ao longo de nossas vidas, podemos nos encontrar saudáveis o​u doentes, empregados ou desempregados, vivendo em nossa terra natal ou em um país estrangeiro, mas a nossa dignidade permanece sempre inalterada. É a dignidade de uma criatura querida e amada por Deus», acrescentou.

O Papa já tinha surpreendido muito boa gente quando nos primeiros dias do seu pontificado recebeu o prelado do Opus Dei, monsenhor Fernando Ocáriz. A polémica instalou-se quando as notícias postas a circular eram contraditórias. Teria o Papa pedido os estatutos da Obra para remediar o que Francisco fez, ou quis apenas consolidar a posição do seu antecessor, que praticamente reduziu a obra a uma associação de fiéis, quando tinha um estatuto semelhante ao de uma diocese.

«O Papa está a tentar unir a Igreja ao máximo. A Igreja estava com algumas divisões, e ele está a tentar unir ao máximo todas as dimensões da Igreja. Com o Papa Francisco várias alas estavam divididas, e o Papa Leão XIV está atentar unir. Há um gesto que é bem emblemático do seu pensamento. Num sábado, a 24 de maio, houve boletim na sala de imprensa, que tinha na mesma folha a nomeação do cardeal Tagle – o cardeal filipino que chegou a liderar a ‘bolsa de apostas’ na sucessão a Francisco – que recebeu o título de bispo de albano, que era visto como um cardeal próximo do pensamento do Papa Francisco. E na mesma folha estava a nomeação do cardeal Sarah para ser o representante do Papa num aniversário de umas aparições. Sarah é um cardeal negro, conservador e que também chegou a ser dado como sucessor de Francisco. Este esforço é muito o símbolo do Papa de estar a tentar unir a Igreja. Tenta ter as várias dimensões junto dele», explica ao nosso jornal um padre da conotada ala conservadora. Diga-se ainda que Sarah chegou a apoiar práticas como missas em latim e padres de costas para os fiéis durante celebrações.

Amável e próximo
A questão do Papa ser o continuador da abertura de Francisco ou seguir outro rumo tem apaixonado a imprensa católica, além dos crentes, sacerdotes ou leigos. Vejamos o que escreveu José Manuel Vidal, no Religión Digital: «A Igreja não avança aos trancos nem por guinadas bruscas, mas por ciclos. Sua história recente é a melhor prova disso: primeiro, a tese do Concílio Vaticano II, com João XXIII e Paulo VI abrindo portas e janelas para o aggiornamento e a primavera eclesial; depois, a antítese da involução, com João Paulo II e Bento XVI esfriando o entusiasmo conciliar e reforçando o muro doutrinal; e, por fim, a primeira síntese com Francisco, que pôs novamente em movimento o trem da primavera, ativou processos e devolveu a esperança àqueles que sonhavam com uma Igreja circular, atenta aos sinais dos tempos e em saída.

Agora, com Leão XIV, entramos no que está sendo chamado de a era da segunda síntese. O que isso significa? Que a Igreja continua avançando, mas com outro ritmo, de outra maneira, com outro tom, com outro estilo. Se Francisco foi o papa da rutura gentil e da misericórdia, Leão XIV será o papa da continuidade com marca própria, da concretude sem estridência, do diálogo e do sorriso, do fortiter in re, suaviter in forma (firmeza no conteúdo, suavidade na forma). Um estilo amável, próximo, sem rigidez nem gestos de confronto; governar com humanidade, empatia e bom humor – mesmo nas divergências».

Sim ou sopas
Mas o que interessa a todos aqueles que olham para a Igreja como se olhassem para um filme, são as questões fraturantes, que dividem a Igreja a meio. Voltemos à definição de casamento para escutarmos um teólogo conservador: «O Papa só diz o que é a doutrina da Igreja. Fiquei muito contente com essa referência. Até agora não tenho visto grandes reações, acho que está tudo muito expectante. O que vai ser decisivo é quando as grandes questões, nomeadamente, o caminho sinodal da Alemanha – a Igreja alemã está profundamente dividida, e os padres que lideram este caminho sinodal, querem ver tudo aprovado, desde a ordenação de mulheres, aos homossexuais terem os mesmos direitos que os heterossexuais, assim como os recasados – e essas coisas mais progressistas, forem discutidas. O Papa ainda está numa espécie de Lua de Mel. Quando estes temas quentes começarem a sair é que vai ser». Ainda que o Papa queira agradar a todos, estar bem com todos, vai chegar o o momento em que vai ter de tomar decisões.

Voltemos também ao tema do Opus Dei, pois pode ser aqui que estará a luz que Leão XIV quererá mostrar. O Papa Francisco tinha retirado muitos dos privilégios da Obra, como é conhecido o Opus Dei. «O Opus equivalia quase a uma diocese, de repente passou a ser apenas uma associação de fiéis, como outra qualquer. O prelado, normalmente, era bispo, mas o prelado passou a ser, naquela que foi a indicação do Papa Francisco, o único padre do mundo que não pode ser bispo. O Papa Francisco deixou isso escrito», acrescenta o mesmo teólogo conservador, mas que não pertence à Obra – a Igreja tem muitas capelas.

E poderá o encontro de Leão XIV com o líder do Opus Dei significar que o atual Papa irá desfazer o que Francisco assinou? «Não o estou a ver a ir diretamente contra algo que o Papa Francisco deixou. Vendo os sinais que ele dá, de querer unir a Igreja toda, não o estou a ver dar um passo que vai dividir a Igreja. Mas não sei se ele vai dar, de novo, a hipótese ao prelado do Opus Dei de ser bispo. Se der, ninguém vai dizer nada. Agora deitar abaixo simplesmente o motu proprio do Papa Francisco, isso acho que não. Um Papa não contraria o Papa anterior dessa forma», defende outro padre ouvido pelo nosso jornal.

E como estarão as bolsas de aposta quanto aos temas fraturantes? «Os progressistas vão tentar a ordenação de diaconisas, mas acho que a ordenação de homens casados será uma das ‘cedências’ do Papa Leão XIV. A pressão é grande demais. Diaconisas seria muito mais preocupante, porque toca na estrutura sacramental. Se quiserem manter a Igreja unida isso nunca vai acontecer, mas pode ceder-se na ordenação de homens casados, até para se dizer: ‘Já vos demos isso, está arrumado’. Deve estar para breve, mas quando digo para breve na Igreja estou a falar de 10 a 15 anos! A Igreja tem dois mil anos», termina a mesma fonte. Veremos os próximos capítulos.