Bebés Reborn. Os bonecos realistas que têm chocado o mundo

Bebés Reborn. Os bonecos realistas que têm chocado o mundo


Muito se tem falado sobre eles. A febre começou nos EUA estendeu-se ao Brasil e chegou recentemente a Portugal. Afinal, o que é um bebé reborn? Como são feitos, quanto custam e quem os compra?


Apaixonada por artes, desde pequena gostava de passar o tempo livre a fazer desenhos e ao longo da vida participou em vários workshops: desde pintura, ponto cruz, macramé, porcelana fria, pintura em vidro, etc. Mas foi só na vida adulta, quando ainda vivia no Brasil, que Carolina Nicolodi tomou contacto com a arte reborn. “Assim que descobri os reborns me encantei, fiquei a pensar como os artistas conseguiam deixar o bebé tão realista e perfeito”, lembra ao i.

Na época, estava a tratar de tudo para poder vir morar com o seu marido para Portugal, num ramo completamente diferente. “Chegámos em março de 2020, um dia antes dos aeroportos serem fechados por conta da Covid-19, e nos vimos perdidos porque o nosso trabalho não poderia ser executado durante a pandemia. Foi nessa ocasião que minha tia, que já morava em Portugal, sugeriu ensinar-me a pintar os bebés (ela hoje não trabalha mais com reborns, mas trabalhou durante alguns anos)”, recorda. Não foi preciso muito até se encantar com o ofício. “Vi também que havia procura e decidi tentar transformar esse hobby num negócio. Desde então tenho feito cursos e aperfeiçoado a arte”.

Processo de construção e pintura

Os bebés reborn nasceram na década de 90 nos EUA. São bonecos feitos à mão, com detalhes que fazem com que se pareçam com um bebé real. O que distingue uma boneca comum de um bebé reborn é a produção: um bebé reborn deve ser feito à mão, por isso nunca há dois 100% iguais. “E isso pode levar semanas ou até meses”, continua Carolina. “Depois, são criados moldes para serem produzidos em vinil, que é o material final dos reborns e, por fim, são pintados por uma artista, assim como eu, o que leva mais alguns dias (10-15 dias no meu caso)”.

Outro ponto importante nestes bonecos é o nível dos detalhes: a pintura deve ter veias, profundidade da pele, tons e sobre tons de tinta, misturas complexas de cores e cabelos também feitos a mão, independentemente do facto de serem pintados ou enxertados. No caso do cabelo real, deve ser feito fio a fio com cabelo de boa qualidade e de preferência com fibras de origem natural.

“O bebé chega-me num estado a que chamamos de vinil cru. Vem em branco, ou seja, sem nenhum pigmento. O primeiro passo é limpar o kit, que pode vir com sujidades da fábrica. Depois faço uma vistoria para identificar possíveis rebarbas e excessos de vinil resultantes dos moldes, que devem ser removidos. E, então, começo a primeira etapa, que é o primário, um produto que prepara o vinil para receber a tinta”, explica a especialista.

Segue-se a pintura: “A tinta usada em reborns é termofixada, ou seja, a cada camada de pintura, colocamos o bebé no forno para fixar a tinta de forma permanente. Para ser sincera, nunca contei as camadas, mas são por volta de 10 a 15, dependendo da tonalidade a que queremos chegar. Para criar peles mais escuras, são necessárias mais camadas, e para peles mais claras, menos camadas”, continua.

Cada camada de tinta tem uma função específica: as cores frias, como o azul e o verde, servem para dar profundidade; os diversos tons de roxo dão a sensação de pele mais fina em locais específicos; o vermelho dá vivacidade e o castanho e amarelo ajudam a chegar ao subtom de pele desejado. “Por último, fazem-se os detalhes: veias, sobrancelhas, pelinhos faciais, os detalhes das unhas, etc. São muitas misturas e uso quase sempre a minha intuição”, revela. As últimas camadas são de verniz, para proteger a pintura.

Após esse passo, Carolina trata do cabelo. “Não trabalho com cabelos pintados, apenas enxertados. O cabelo é implantado à mão, fio a fio, na cabeça do bebé. Nessa etapa também há criatividade, podemos fazer vários ‘desenhos’ para que o cabelo tenha diferentes aparências. A inclinação da agulha que enxerta o cabelo faz total diferença no acabamento final. Posso dizer que foram dezenas de agulhas quebradas e centenas de horas para chegar ao resultado que tenho hoje”, revela.

Finalizado o cabelo, a artista enxerta as pestanas e cola o cabelo por dentro da cabeça para evitar que qualquer fio venha a cair se for puxado. “Também adiciono um íman na parte interna da cabeça para fixar a chucha magnética”, partilha. Por último, faz a montagem, que nada mais é do que juntar a cabeça e os membros no corpo, que podem ser de tecido ou vinil. E assim “nasce” o reborn.

Segundo Carolina, a parte mais desafiante neste processo é “a manipulação do bebé quente, quando sai do forno”, já que a pintura “fica vulnerável nessa altura”. “Por vezes, é preciso remover toda a tinta e começar do zero”, lamenta.

Os vários tipos e preços

Existem todos os tipos de bonecos. Desde miniaturas que se podem levar na mochila até bebés grandes que representam crianças de mais de um ano. “Os mais comuns e procurados são os bebés entre o recém-nascido e os bebés de um mês”, garante. Embora muito menos comuns e com pouca aceitação no mercado, também existem os reborns “fantasia” que são elfos, fadas, trolls e até mesmo animais.

Voltando aos bebés convencionais, as feições são normalmente esculpidas à mão e há muita variedade: bebés a sorrir, a bocejar, a dormir, acordados, com mãos fechadas ou abertas, com pernas esticadas ou dobradas, etc.

Quanto ao preço, depende de vários fatores. “Um dos principais fatores que influencia o preço final é a escultora. Escultoras mais famosas e mais habilidosas, com mais tempo no mercado, costumam cobrar mais caro pelo kit em branco do que as escultoras que começaram há pouco tempo. Também existem kits que são fabricados em edição limitada, (apenas 500 unidades no mundo, por exemplo), por isso podem chegar a preços bem altos devido à escassez”, detalha Carolina.

Outro fator é o tamanho do kit: cabeças e membros maiores exigem mais tinta, mais tempo de pintura, mais tempo no forno e mais enchimento. Cabeças muito grandes também levam mais cabelo e isso aumenta tanto o tempo de trabalho como o custo. E por fim, se o bebé tiver corpo de vinil, aumenta o custo do kit em branco, e de todas as etapas da produção. “Afinal é uma peça a mais para pintar”.

A bebé mais cara que Carolina já vendeu custou 550 euros. Era uma edição limitada com apenas 500 unidades em todo o mundo. “Mas os preços podem ser muito mais altos para kits esgotados, feitos por grandes artistas de renome ou os que são protótipos que servem para ilustrar os kits que vão ser vendidos pelos fornecedores. Esses bebés protótipos de vinil são pintados antes dos novos kits serem lançados e os seus preços podem facilmente chegar aos dois mil euros”.

Cuidados a ter

O facto de serem bonecos artesanais torna-os produtos delicados e que requerem um manuseamento cuidadoso. “Já vendi para crianças pequenas cujos pais entendem que têm capacidade de cuidar do bebé, e não tivemos problemas. Mas como cada criança é diferente, a minha recomendação é que se compre para crianças acima de seis anos, com supervisão de um adulto, e para maiores de 12 anos sem supervisão”, refere.

Segundo Carolina, algumas pessoas pensam que por ser uma “boneca cara”, é “indestrutível”, mas não é assim. “A pintura não resiste ao atrito constante, arranhões com objetos pontiagudos, tinta de esferográfica ou sujidades mais agressivas”, alerta. “Os membros podem soltar-se caso não estejam bem presos. Se o bebé for muito abraçado o enchimento pode compactar. O cabelo pode embaraçar se não se tiver cuidado. Esses são os problemas mais comuns e que podemos resolver facilmente”, acrescenta.

No entanto, se for bem tratado, pode durar uma vida. “Envio sempre um manual de cuidados com cada bebé que também está disponível no meu site. Dessa forma, os clientes sabem exatamente como manter os bebés em perfeito estado. Tenho clientes recorrentes cujos bebés já estão a completar três e quatro anos. Recebo fotos ocasionalmente e é muito gratificante”.

Vários tipos de clientes

Os clientes de Carolina Nicolodi dividem-se em três grupos. O primeiro é composto por crianças de várias idades. “Elas devem representar 50% das minhas vendas. Todas as crianças que gostam de bonecas acabam por descobrir o mundo reborn, amplamente difundido em redes sociais, e tem vontade de ter um porque são mais realistas”, justifica. “Escovar os cabelos do bebé é uma ótima opção para a redução do tempo em frente ao ecrã, tanto para crianças quanto para adultos”, sugere.

O segundo grupo é formado por colecionadores, que correspondem a aproximadamente 40% do seu público. “São pessoas que gostam da arte e chegam a montar quartos inteiros dedicados à sua coleção. Não é diferente de colecionar postais, action figures ou cromos autocolantes”, defende. Os colecionadores são mais exigentes que as crianças, procuram reborns mais realistas e são mais cuidadosos com a escolha do kit. “Um colecionador pode comprar um bebé apenas por ser uma edição limitada, já as crianças procuram características que lhes agradem, como cor do cabelo e olhos”, continua.

“As crianças também preferem bebés mais alegres e simpáticos, diferente dos colecionadores, que buscam realismo nas expressões do bebé. Um bebé mais enrugado e com a pele de cor encarnada, como um recém-nascido real, não agrada as crianças, mas sim os colecionadores”, explica.

Por último, também vende bonecos para fins terapêuticos. “Já vendi para vários idosos que têm muita vontade de ter netos ou até bisnetos e não podem ter contacto direto com eles por viverem longe ou algo semelhante, ou até mesmo porque os seus descendentes não podem satisfazer essa vontade. O bebé é uma forma de suprir esse desejo de cuidar e dar amor”.

Carolina também vende a idosos com Alzheimer que “já não têm condições de estar com um bebé real ao colo”. “Vendo também com certa frequência para mães enlutadas – que perderam filhos. O bebé reborn serve, não como substituição, mas como um auxílio nesse momento difícil. É algo que pode servir como uma ferramenta que auxilia no tratamento desse trauma terrível, e muitas mães revendem os seus reborns após a superação dessa fase”, conta.

Uma outra utilização do bebé reborn é na chegada de um novo membro na família. “Os pais compraram o reborn para preparar o filho(a) mais velho(a) para a chegada do seu novo irmão ou irmã”, acrescenta. Mas há quem tenha um nicho de mercado bem definido. “Conheço colegas que trabalham exclusivamente com bebés raros e vendem apenas a colecionadores, assim como há pessoas que vendem exclusivamente para crianças”.

Preconceito com a arte

“Acho importante salientar que temos visto pessoas a fazer partos de bebé reborn, criação de creche reborn, pessoas a levar o bebé a consultas médicas ou a tentar convencer os outros a tratarem o bebé reborn como se fosse real. Isso não corresponde à realidade”, defende. “Muitas dessas pessoas estão a tentar ‘viralizar’ nas redes sociais, com o que é conhecido como ‘Rage Bait’. Isso tem trazido ainda mais preconceito para a comunidade Reborn”, condena.

Carolina desabafa ainda que, depois da revista LUZ ter dado a conhecer o trabalho, muitos outros meios de comunicação escreveram sobre o tema e o feedback não tem sido muito positivo. “Todas as notícias falsas já foram esclarecidas, mas mesmo assim as pessoas têm destilado muito ódio sobre as artistas e os colecionadores”, queixa-se. “Saliento que a senhora que fez o vídeo a levar o bebé reborn ao hospital já declarou que apenas aproveitou a visita que fez a uma amiga para fazer um vídeo para o Tik Tok. Apenas como brincadeira e sem maldade”, esclarece. “A questão da “guarda” também já foi esclarecida. Um casal divorciou-se, e pelo facto do bebé reborn ser um produto caro, houve uma divisão na justiça pelo bem. Nada de processo de guarda”, adianta.

A interpretação feita pelos psicólogos também tem, do seu ponto de vista, dado azo a mal-entendidos. “Estão a condenar as colecionadoras como se fossem pessoas com problemas psicológicos, carências e dificuldades sociais. Mas será que não devemos então condenar quem tem pets? Afinal poderia estar a dar amor a uma criança. Ou talvez devêssemos condenar quem coleciona livros? Afinal também nos levam para longe da realidade”, interroga. “Já vi também muitos homens que tratam o seu carro melhor que os seus filhos, mas isso não é um tema abordado por psicólogos. Vejo como uma grande hipocrisia”.

Carolina revela ainda que, graças a esse “preconceito”, se sentiu na necessidade de mudar as suas redes para atender o público do resto da Europa, “onde a arte ainda é tratada como se deve”. “Passei a colocar legendas em inglês, a usar hashtags mais universais e já estou a anunciar o meu trabalho em outras plataformas e grupos fora de Portugal. Temos que sobreviver até que as polémicas sejam esquecidas”.