Na passada quinta-feira, dia 12 de junho, Israel lançou uma campanha de ataques aéreos contra o Irão. Foi o pontapé de saída num conflito que há muito se afigurava inevitável. Trocas de mísseis entre as duas maiores potências da região já haviam sido registadas ao longo de 2024, mas, desta vez, o confronto atingiu um novo patamar.
Como foi apresentado, com algum detalhe, pelo i há duas edições, a República Islâmica do Irão é o principal patrocinador das organizações terroristas – Hamas, Hezbollah e Houthis – que têm travado uma guerra com Israel desde os ataques de 7 de outubro de 2023. A busca pela superioridade regional, que se pode enquadrar como um dos conflitos de um tabuleiro geopolítico superior onde o Ocidente, liderado pelos Estados Unidos, se digladia com o chamado “Eixo da Revolta”, liderado pela China, é uma das causas das constantes tensões entre israelitas e iranianos. Mas não é, certamente, a única. Existem ainda questões religiosas e uma, que esteve na base deste ataque israelita, relacionada com armas nucleares.
Uma “ameaça existencial” “Durante anos, o regime iraniano apelou à destruição do Estado de Israel, planeando e avançando com planos militares concretos para o fazer”, disse o porta-voz das Forças de Defesa de Israel (FDI), Effie Defrin, após os primeiros ataques israelitas ao Irão no passado dia 13. “Nos últimos meses, as informações revelaram que o Irão está mais perto do que nunca de obter uma arma nuclear. Esta manhã, as FDI iniciaram ataques preventivos e precisos contra o programa nuclear iraniano, a fim de impedir que o regime iraniano consiga construir uma bomba nuclear num prazo imediato”, acrescentou, constatando que o estado judaico não tem outra escolha porque está a “atuar contra uma ameaça iminente e existencial”. “Esta operação é para o nosso direito de existir aqui, para o nosso futuro, para o futuro dos nossos filhos. O Estado de Israel tem o direito e a obrigação de atuar para proteger o seu povo, e continuará a fazê-lo. As FDI efetuaram preparativos significativos para esta operação. Estamos bem preparados para nos defendermos, tanto na defesa como no ataque. As FDI continuarão a defender o Estado de Israel”, concluiu Defrin.
Ainda numa publicação na rede social X, as FDI declararam que “o regime [iraniano] está a produzir milhares de quilos de urânio enriquecido, juntamente com compostos de enriquecimento descentralizados e fortificados, em locais subterrâneos e fortificados. Esse programa acelerou significativamente nos últimos meses, deixando o regime muito mais próximo de obter uma arma nuclear”. “O mundo tentou todas as vias diplomáticas possíveis para o impedir, mas o regime recusou-se a parar”, continua a publicação.
São declarações que parecem ser corroboradas pela ONU, que, no dia 12 de junho, publicou uma notícia com o nome “O Observatório Atómico afirma que o Irão não está a cumprir as salvaguardas nucleares”, da qual importa citar algumas passagens relevantes: “O organismo de vigilância atómica apoiado pela ONU aprovou na quinta-feira uma resolução que declara que o Irão não está a cumprir as suas obrigações em matéria de não-proliferação nuclear”; “Teerão foi “repetidamente” incapaz de explicar e demonstrar que o seu material nuclear não estava a ser desviado para enriquecimento adicional para uso militar, afirma o texto [da resolução]”; “O Irão também não forneceu à agência da ONU ‘explicações tecnicamente credíveis para a presença de partículas de urânio [artificiais]’ em locais não declarados em Varamin, Marivan e Turquzabad, continua o texto”; “‘Infelizmente, o Irão tem repetidamente não respondido, ou não tem fornecido respostas tecnicamente credíveis, às perguntas da agência’, disse o chefe da AIEA, [Rafael] Grossi, na segunda-feira. ‘O Irão procurou também desinfetar os locais, o que impediu as actividades de verificação da Agência’”; “De acordo com Grossi, Teerão armazenou 400 quilogramas de urânio altamente enriquecido”; “‘Dadas as potenciais implicações em termos de proliferação, a agência não pode ignorar [este facto]’, disse na segunda-feira ao conselho de administração da agência da ONU”.
A Operação Rising Lion
Na denominada Operação Rising Lion, foram atacadas várias infraestruturas nevrálgicas do programa nuclear iraniano, como a de Natanz, a de Isfahan e a de Fordow. Além das bases, vários cientistas responsáveis pelo desenvolvimento nuclear iraniano estiveram também na mira dos israelitas. O ataque desdobrou-se em duas fases, explicadas de forma sucinta por Benjamin Jensen num artigo publicado pelo Center for Strategic & International Studies: “Primeiro, vieram enxames de pequenos drones explosivos que, segundo consta, os comandos israelitas tinham pré-posicionado no interior do Irão meses antes, atingindo radares de defesa aérea e nós de comunicações, ao mesmo tempo que desviaram as atenções para as aproximações ocidentais de Teerão”. “Minutos mais tarde”, continua Jensen, “mais de 200 aviões de combate israelitas – muitos deles F-35 Adirs com munições de assalto – realizaram ataques de precisão contra mais de 100 alvos nucleares e militares em todo o Irão, incluindo altos dirigentes militares”.
De acordo com Ali Vaez, Diretor do Projeto Irão do International Crisis Group, citado pela CNN, “toda a cadeia de abastecimento (nuclear) foi interrompida”, mas, independentemente da fragilização provocada pelo ataque, que fez “quebrar a cadeia”, Vaez diz que “pode voltar a ser montada numa questão de meses”, uma vez que “o Irão tem o conhecimento e o material necessários para o fazer”. Trata-se de um problema, aos olhos do especialista, que não se resolve “simplesmente com ataques aéreos”.
As FDI informaram ainda na madrugada de 13 de junho, que “o Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas iranianas, o Comandante da IRGC [Guarda Revolucionária do Irão] e o Comandante do Comando de Emergência do Irão foram todos eliminados nos ataques israelitas”. Além destes nomes da cúpula do regime iraniano, os membros de topo da força aérea do regime islâmico também foram visados: “Juntamente com Hajizadeh [Comandante da Força Aérea da IRGC], foram eliminados o Comandante da Força UAV da Força Aérea do IRGC, Taher-pour, e o Comandante do Comando Aéreo da Força Aérea do IRGC, Davoud Shaykhian”. De acordo com o Ministério da Saúde iraniano, desde o início dos ataques israelitas, morreram, pelo menos, 224 pessoas e outras 1481 ficaram feridas.
De forma resumida, como explica um relatório especial sobre o Irão do Institute for the Study of War e do Critical Threats, “os ataques de Israel pretendiam impor ao Irão efeitos militares discretos que dificultassem uma resposta rápida do Irão. Estes efeitos incluíam a supressão das defesas aéreas iranianas, a degradação da capacidade de retaliação do Irão contra Israel e a perturbação do comando e controlo iranianos. A capacidade de Israel para gerar pelo menos alguns destes efeitos contribuiu para o êxito imediato de Israel e criou condições para que Israel continuasse e expandisse a campanha conforme necessário”.
Ao início, o Secretário de Estado Americano, Marco Rubio, demarcou-se dos ataques israelitas, comunicando que os EUA não estariam “envolvidos em ataques contra o Irão” e que a sua “principal prioridade é proteger as forças americanas na região”. Este cenário, de ação unilateral por parte de Israel, levantou algumas dúvidas, mas foram rapidamente desfeitas quando o Presidente norte-americano, Donald Trump, prometeu que, no caso do Irão não chegar a um acordo com os Estados Unidos sobre a questão nuclear, o regime do aiatola poderia esperar “ataques ainda mais brutais”.
Contra-ataque iraniano
Naturalmente, o maior ataque de sempre ao projeto nuclear iraniano não passou sem resposta. Logo a 13 de junho, o aiatola Ali Khamenei, publicou na sua conta oficial do X a seguinte mensagem: “Em nome de Deus, o Compassivo, o Misericordioso. À grande nação iraniana! O regime sionista cometeu um crime no nosso querido país, hoje de madrugada, com as suas mãos satânicas e manchadas de sangue. Revelou a sua natureza maliciosa ainda mais do que antes, atacando áreas residenciais”. “Este regime [sionista] deve prever um castigo severo e, com a graça de Deus, o braço poderoso das Forças Armadas da República Islâmica não os deixará impunes”, foi o aviso deixado pelo líder supremo. O que se seguiu foi uma escalada sem precedentes do conflito entre as duas potências rivais no Médio Oriente, que tem causado várias mortes e feridos e que alterou substancialmente o modo de vida de ambas as populações.
A resposta iraniana não tardou, e os mísseis iranianos rapidamente se começaram a avistar nos céus de Israel. O Irão, segundo a Reuters, “disparou duas salvas separadas de mísseis e drones contra Israel, incluindo uma que atingiu a cidade portuária israelita de Haifa”. Os ataques estenderam-se também a Telavive, atingindo zonas residenciais e expondo a falibilidade, mesmo que reduzida, da Cúpula de Ferro – sistema de defesa antiaérea israelita responsável por travar a maioria dos ataques com mísseis dirigidos para o seu território.
A Euronews noticiou que, de acordo com “o serviço de emergência israelita Magen David Adom (MDA) (…) cinco pessoas morreram e 92 ficaram feridas na segunda-feira durante os ataques de mísseis iranianos contra o país – um aumento de uma pessoa em relação às quatro mortes anteriores”. A Reuters cobriu a contraofensiva israelita, dizendo que “disparou uma série de mísseis contra o Irão, atingindo vários locais, incluindo a capital Teerão, um edifício do Ministério dos Negócios Estrangeiros, uma base militar do Ministério da Defesa em Isfahan e um avião de reabastecimento aéreo no aeroporto de Mashhad”, enquanto em Israel “as equipas de socorro procuravam sobreviventes nos escombros da vaga de ataques iranianos da noite anterior. A zona mais atingida foi a cidade de Bat Yam, onde dezenas de edifícios ficaram danificados”.
A vida em Telavive
Um português que reside na região de Telavive relata como tem sido o dia-a-dia da população israelita desde que a guerra com o Irão começou. “Recebemos, de forma constante, alarmes no telemóvel quando há suspeita de uma vaga de mísseis. Todos os telemóveis israelitas recebem a mesma notificação para que nos coloquemos perto de um abrigo. É recomendado estar em casa, evitar aglomerados de pessoas. Quando identificam que a vaga saiu efetivamente do Irão, recebemos uma mensagem numa aplicação a informar que podemos estar prestes a ouvir uma sirene na nossa área”. “Consoante a localização aproximada de onde vão cair os mísseis ou os estilhaços”, continua, “então as sirenes são ativadas na zona. Ultimamente tem sido quase todo o Centro e o Norte e por vezes no Sul. Só quando a sirene toca é que nos deslocamos para o abrigo. Uma vez no abrigo, só nos é aconselhado sair quando recebemos uma notificação ou quando vemos uma notificação nos jornais online em como já é seguro sair, quando já não há qualquer risco”.
Os kits de sobrevivência foram recentemente tema de conversa na Europa quanto à sua utilidade ou necessidade. Em Israel é prática comum. “Tenho sempre uma mochila com roupa, documentos, dinheiro, comida – como snacks, enlatados ou alguma fruta –, powerbanks, um rádio a pilhas, lanternas, água e um apito para conseguirmos emitir sinais para o exterior no caso de o edifício ser atingido. Outra coisa que faço a nível de segurança quando entro no MAMAD – um quarto seguro dentro de casa que protege os residentes durante ataques, ao estilo de um bunker – é deixar a porta de casa aberta ou, pelo menos, não trancada para, no caso de haver necessidade de socorro, reduzir o tempo que alguém demora a chegar até nós. Nunca acreditamos que o pior cenário suceda, mas isso não significa que não possa acontecer e temos de estar preparados, evidentemente”.
“Quanto ao dia a dia”, continua, “depende da disposição mental de cada um porque mesmo conseguindo funcionar bem, numa vida quase de normalidade, sabemos que estamos à espera de ser atacados. Pessoalmente, evito atividades de lazer, mas há quem o faça. A sensação de saber que a qualquer hora podemos ser atacados é, claro, desagradável e tem consequências na saúde mental de algumas pessoas. Ainda assim, o facto de termos ainda algum tempo entre os avisos e o ataque em si transmite alguma sensação de segurança e tranquilidade”.
No que diz respeito ao conflito, “a maioria dos israelitas com quem tenho tido contacto têm claro que o inimigo não é o povo iraniano, mas sim o regime. As pessoas estão mais preocupadas com a defesa do que com o ataque. A nossa parte é aguentar, fazer o melhor possível para estarmos seguros, ajudar quem necessita e, acima de tudo, evitar colocar a nossa saúde em risco para que não ocupemos uma cama de hospital por algo não relacionado com o que está a acontecer”. O cidadão português refere ainda que o clima de entreajuda tem sido elevado, com “a população a ajudar-se nos casos que o Estado é incapaz de resolver de forma rápida, principalmente no que diz respeito ao realojamento daqueles que viram as suas casas ser destruídas durante os ataques iranianos. Os israelitas são bastante abertos, especialmente neste tipo de situações”.
O que esperar do futuro?
Em qualquer conflito, a questão “o que esperar do futuro?” é sempre das mais complexas de responder, principalmente quando o ódio entre os beligerantes é mortal – Israel quer derrubar a República Islâmica e a República Islâmica quer derrubar o Estado de Israel. Porém, após a intensificação dos ataques de parte a parte a que assistimos nos últimos dias, parece haver sinais de um possível abrandamento. O New York Times publicou uma notícia, ontem, onde refere que “um Irão abatido dá sinais de que quer reduzir as hostilidades com Israel e negociar”. “O Irão tem vindo a dar sinais urgentes de que pretende pôr fim às hostilidades e retomar as conversações sobre os seus programas nucleares, enviando mensagens a Israel e aos EUA através de intermediários árabes, segundo funcionários europeus e do Médio Oriente”, pode ler-se no corpo da notícia.
Por isso, as negociações podem estar para breve. O que não significa que a pergunta inicial, “o que esperar do futuro?”, esteja definitivamente respondida. O único que fenómeno que aparenta ser uma evidência é a profunda reconfiguração do jogo de forças regional.