Operação Marquês. Sócrates cercado por todos os lados

Operação Marquês. Sócrates cercado por todos os lados


O julgamento do processo principal do ex-primeiro-ministro está marcado para 3 de julho mas poderá ser adiado para que possam ser juntos os crimes de branqueamento pelos quais foi pronunciado esta semana.


O Ministério Público deverá tentar adiar o início do julgamento do processo principal da Operação Marquês, que está marcado para dia 3 de julho. O objetivo é dar tempo para cumprir todos os formalismos necessários a que possa ser junto e julgado em conjunto o processo relativo aos três crimes de branqueamento de capitais pelos quais foram esta semana pronunciados José Sócrates e o empresário Carlos Santos Silva.

Segundo o Nascer do SOL apurou, esta é a hipótese mais forte que está em cima da mesa e a ser analisada pelo grupo de procuradores que acompanham o caso Marquês, depois da decisão desta quarta-feira do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) que, a par da pronúncia pelos crimes de branqueamento, determinou precisamente a junção destes autos ao processo principal. Mesmo que a defesa de José Sócrates recorra, conforme já anunciou o seu advogado, a juíza poderá admitir o recurso mas sem efeito suspensivo – ou seja, o processo segue para julgamento.

Reunir o que foi separado

A 15 dias da data marcada para o início do julgamento do processo principal, a juíza que o vai presidir, Susana Santos Seca, deverá, entretanto, receber os autos relativos aos crimes de branqueamento e tomar uma decisão sobre a necessidade de adiamento.

A pronúncia desta quarta-feira do TCIC é, por outro lado, mais um dos vários despachos que já houve de sentido contrário ao de 2021 de Ivo Rosa – que arquivou globalmente as acusações do Ministério Público e cortou em várias tiras o pouco que restava. Nomeadamente, criou processos autónomos contra os ex-banqueiros Ricardo Salgado e Armando Vara e este contra Sócrates e Carlos Santos Silva.

O Ministério Público contestou e tem vindo a vencer sempre nos tribunais superiores. Pelo meio, até a defesa de Sócrates argumentou várias vezes em termos de Direito no mesmo sentido do MP. Os efeitos pretendidos é que sempre foram diferentes. O despacho desta semana vem não só reafirmar os indícios da acusação do MP como também reconhecer a interligação dos factos que Ivo Rosa, atualmente juiz desembargador na Relação de Lisboa, não viu em 2021. 

No percurso sinuoso deste caso, vão-se perdendo alguns factos e crimes, pela lei da prescrição. Por exemplo, quando Ivo Rosa proferiu o despacho e criou este processo contra Sócrates e Santos Silva, pronunciou-os pela prática, em coautoria, de seis crimes: três de branqueamento de capitais e três de falsificação de documento. Estes crimes de falsificação já prescreveram – e dizem respeito à célebre casa de Paris na Avenue Président Wilson, num dos bairros mais caros da capital francesa. Foi aqui que Sócrates, os seus familiares e familiares de amigos residiram durante largos períodos. Uma casa que foi comprada, renovada e mobilada seguindo as suas ordens, conforme descreve o MP na acusação, mas que formalmente esteve sempre em nome de Carlos Santos Silva, que chegou a forjar um contrato de arrendamento quando ambos se aperceberam que a Justiça poderia andar no seu encalço.

A hipótese 2: julgamento em Separado

Se as pretensões do MP não forem atendidas e os crimes de branqueamento não forem juntos a tempo do início do julgamento do processo principal, e se todos os recursos de Sócrates forem indeferidos pelos tribunais superiores à semelhança de todos os outros, terão, mesmo assim, de ser julgados. «Como é um processo mais pequeno, até poderia ter um desfecho mais rápido do que o processo principal», diz ao Nascer do SOL uma fonte judicial conhecedora do caso.

Estes crimes de branqueamento referem-se à circulação, entre 2011 e 2014, de dinheiro ilícito que, antes de chegar à esfera de José Sócrates, geralmente em numerário, passava por quatro contas bancárias: uma da sociedade controlada por Carlos Santos Silva, duas da mulher deste e, por fim, o então motorista do ex-primeiro-ministro, João Perna. A juíza de instrução Sofia Marinho Pires não tem dúvidas de que «mostra-se indiciado que as manobras utilizadas pelos arguidos Carlos Santos Silva e José Sócrates descritas na acusação» tinham como objetivo ocultar e dissimular «a verdadeira origem das quantias monetárias que chegaram à esfera do arguido José Sócrates, sendo um meio para introduzir no sistema bancário nacional os fundos que fez entrar no país através da repatriação do dinheiro que tinha na Suíça».

Seguindo o trilho da acusação do MP, a juíza do TCIC cruza a análise financeira realizada pela Autoridade Tributária com as escutas do processo para, através destas contas, contabilizar o número de entregas em numerário que chegaram às mãos de José Sócrates e de outras pagas a terceiros pelo «apoio» à produção intelectual prestado ao ex-primeiro-ministro. Um dos exemplos é o dinheiro que saiu da conta da empresa de Santos Silva para a aquisição massiva de exemplares do livro A Confiança no Mundo que tinha como intenção catapultá-lo para os tops de vendas, e para pagamento de uma avença ao professor Domingos Farinho, o presumível ghost writer da obra. Em relação à produção do livro, a juíza do TCIC não deixa de mandar a sua bicada: o livro «cuja autoria é atribuída a José Sócrates».  Os crimes de branqueamento em causa, ao contrário do que a defesa dos arguidos tem afirmado, não prescrevem antes de 2035.