A sardinha na brasa com um fio de azeite, que por estes dias de Santos Populares se torna a escolha preferencial de muitos portugueses — em especial dos lisboetas —, é símbolo da combinação de dois setores que mais se alteraram com a integração europeia: a agricultura e a pesca. A assinatura da adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia, a 12 de junho de 1985, com efeitos práticos a partir de 1 de janeiro de 1986, marcou o início de uma transformação profunda. Vista como um passo decisivo para consolidar a democracia e a modernização nacional, a entrada no projeto europeu alterou, literalmente, a paisagem rural e costeira do país.
O setor agrícola foi um dos que mais tiveram de se adaptar às novas regras comunitárias. “Aconteceu uma verdadeira revolução”, começa por dizer ao i Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP).
O acesso aos fundos da Política Agrícola Comum (PAC) permitiu modernizar explorações, mecanizar processos e apostar na qualidade. Mas a modernização teve custos. O exemplo do setor leiteiro é ilustrativo: “Quando entrámos na CEE, tínhamos 100 mil produtores de leite — 90 mil no continente e 10 mil nos Açores. Atualmente, temos 2.800 no total”, lembra o responsável da CAP. É um retrato da concentração da produção e da saída de milhares de pequenos agricultores do setor, muitos deles incapazes de acompanhar a exigência técnica e financeira do novo paradigma. “Nós passámos de ter 25% da população ativa na agricultura para menos de 4%. Mas passámos a produzir mais do que produzíamos e com muito maior qualidade”, afirma Luís Mira, sublinhando que, quando falamos do desaparecimento desses agricultores, é importante ter em atenção que estamos a falar de pessoas com 0,2 ou 0,3 hectares de terra, que viviam “miseravelmente há 50 anos” e que o aumento do nível de vida e a incapacidade de transmitir o interesse e o saber à geração seguinte os obrigaram a adaptar-se e a encontrar outras soluções de subsistência.
Pagos para não fazer nada?
O acesso aos fundos da Política Agrícola Comum (PAC) permitiu modernizar explorações, mecanizar processos e apostar na qualidade, o que acabou “por beneficiar os consumidores, porque os preços são mais reduzidos” e também “incentivou práticas ambientais e mais biodiversidade”. Entre 1985 e 1992, viveu-se o que Luís Mira chama de “anos dourados” da Política Agrícola Comum. Até à primeira reforma da PAC, os agricultores só precisavam de “produzir, produzir, produzir e o resto estava resolvido”, com os excedentes a serem comprados pela União Europeia. Os preços eram estabelecidos administrativamente pelos ministros da Agricultura e pela Comissão Europeia, o que gerou “montanhas de cereais, lagos de leite, excedentes em tudo”, sendo preciso travar essa situação “desastrosa”. A Comissão depois vendia os excedentes ao mercado mundial, perdendo dinheiro. Com “cerca de 85% do orçamento comunitário” a ser canalizado para a PAC, a situação tornou-se insustentável, e estabeleceram-se então as “quotas de produção” — e fomos impedidos de crescer mais.
“Surge então o burocrata da Comissão”, que faz contas e chega à conclusão de que, entre os custos de armazenar e os prejuízos de vender os excedentes, sai mais barato pagar aos agricultores portugueses para não produzirem em 10% das suas terras. Isso parecia gerar, na opinião pública, a ideia de que “o que era bom era ser agricultor”, pois era pago para “não fazer nada”. Mas isso é um engano, diz Luís Mira, sublinhando que era um prejuízo para o agricultor, pois recebia bem menos do que se usasse a totalidade da sua terra para produzir. Além disso, “a Comissão obrigava e controlava que fossem mantidas as condições” dos terrenos. “Certo é que, sete anos depois, não havia excedentes. Por isso, a política atingiu o seu objetivo.”
Apesar de todos os desafios, o balanço que Luís Mira faz destes quarenta anos de integração europeia é muito positivo, embora considere que, a nível de política interna há muitas oportunidades que não estão a ser aproveitadas. “Temos setores que produzem como nunca produziram — como o azeite, as frutas e hortícolas —, embora nem sempre tenha havido uma utilização estratégica dos fundos europeus.” Por outro lado, o dirigente da CAP destaca o projeto do Alqueva, classificando-o como “o caso português de maior coesão territorial a nível da Europa”, que contribuiu para o desenvolvimento da agricultura a sul do país, nomeadamente para a produção de azeite.
Mas alerta para a falta de visão a longo prazo, considerando que “Portugal não está a investir suficientemente em gestão eficiente da água” e que há muitos locais com grande potencial para o fazer. “Há ondas da Nazaré na agricultura”, diz.
“O país nem sempre soube aproveitar”
Assim como em terra, no mar os efeitos da adesão foram igualmente transformadores. “A UE permitiu estabilizar uma indústria que é importante para o país”, explica Abílio Martins Ferreira, que assina no i a coluna de opinião Mar Português e acompanha de perto as políticas do mar. Contudo, reconhece: “Não tivemos uma estratégia para expandir a nossa atividade. Restringimo-nos mais, não criámos outras janelas no mundo”.
Abílio Martins Ferreira destaca três áreas interligadas — a pesca tradicional, a aquacultura e a transformação do pescado — que deveriam ser encaradas como um ecossistema económico. No entanto, após a diminuição da frota pesqueira, consequência também de normas comunitárias, a aquacultura não cresceu como se esperava, e a transformação do pescado continua subaproveitada. Ainda assim, o colunista destaca o lado positivo: “Portugal é hoje um dos poucos países europeus sem sobrepesca”, o que representa uma vitória ambiental e permite a sustentabilidade das espécies.
Por outro lado, os pescadores queixam-se das quotas restritivas e da dificuldade em manter a atividade, ainda que o consumo de peixe em Portugal seja de cerca de 55,6 kg por ano — mais do dobro da média da UE. Para Abílio Martins Ferreira, a aquacultura, que poderia compensar essa limitação, continua subdesenvolvida. “O país nunca levou a sério a necessidade de criar uma estratégia conjunta para a pesca, a aquacultura e a transformação do pescado”, lamenta, criticando a burocratização excessiva e alguma rigidez ambiental que travam muitos projetos de investimento no litoral português. Apesar disso, sublinha que o problema “não é a adesão à Europa”, mas sim a inação interna. “A adesão trouxe-nos oportunidades, fundos, um mercado alargado. O país é que nem sempre soube aproveitar”. “Temos um mar maravilhoso, uma costa fantástica e peixes de alta qualidade”, acrescenta. Portugal tem vindo a afirmar a excelência do seu pescado, como, por exemplo, o da sardinha. Nos últimos anos, foram feitos esforços de certificação de origem e qualidade que valorizam o produto no mercado interno e na exportação. “Certificar o nosso peixe é também uma vantagem competitiva”, defende o colunista.
Tanto para Abílio Martins Ferreira como para Luís Mira, a adesão à União Europeia foi essencial para modernizar Portugal e abrir mercados.
Hoje, quarenta anos depois da adesão, a sardinha na brasa, regada com azeite e acompanhada por um copo de vinho, continua a ser símbolo do país. Mas deve também servir de lembrete para a importância de uma estratégia integrada, nacional e comunitária, capaz de tirar o melhor partido da ‘Ocidental Praia Lusitana’, aproveitando para lembrar Camões neste que é o seu dia.