Tem Portugal direito à Defesa? (II)


A discussão em torno de quais os meios (humanos, financeiros, tecnológicos) que devem ser alocados à Defesa pressupõe uma prévia definição de quais os bens, em que grau e de acordo com que hierarquia, devem, ser defendidos.


Seguindo a terminologia da NATO, onde após a queda do muro de Berlim foram divulgados como documentos públicos (não classificados) quatro conceitos estratégicos (1991, 1999, 2010 e o actual, de 2022), a República Portuguesa tem aprovado sucessivos conceitos estratégicos de defesa nacional (1994, 2003 e 2013). O conceito estratégico em vigor é um documento particularmente datado, não só pelo decurso do tempo e pelo peso de alguns episódios posteriores (anexação da Crimeia, guerra civil na Síria, Brexit, retirada do Afeganistão, invasão do leste da Ucrânia, invasão da faixa de Gaza, política externa revolucionária da segunda Administração Trump) mas também pela cândida opção política de centrar muito do conceito estratégico na guerra contra a Troika e no assinalar das vitórias nas diversas batalhas conducentes à “saída limpa”. O processo de revisão do conceito estratégico de 2013 encalhou nas sucessivas crises políticas que têm reduzido a esperança de vida dos últimos três governos constitucionais. Ao dia de hoje temos um documento desactualizado, centrado na luta contra a dívida pública, com uma vasta camuflagem de generalidades de geopolítica e de geoestratégia que, em boa verdade, também já decoravam o conceito estratégico de 2003.

A existência de um conceito estratégico nacional actualizado e enxuto na identificação das prioridades facilita a auto-suficiência lusa face à doutrina NATO e à sua aplicação ao sistema de forças de cada um dos Estados-membros. Na cartilha da Aliança merece destaque a tentativa de especialização dos Deployable Assets de cada Aliado, feita a partir de Bruxelas (quando não de Washington) com muito pouca atenção ao interesse estratégico nacional português. O benefício das garantias de legítima defesa colectiva proporcionados pela NATO obriga à arbitragem dos diversos interesses nacionais mas, no caso português, essa arbitragem não pode deixar desprotegido o triângulo estratégico nacional (continente-Açores-Madeira) com o que tal implica de capacidade de protecção das rotas de navegação no Atlântico Norte (e, mais recentemente das ameaças aos cabos submarinos que amarram em Portugal e que asseguram a circulação de dados e comunicações). Um segundo círculo de interesse estratégico inclui as possíveis ameaças vindas do sul (já nos esquecemos que no passado o coronel Gadaffi teve a simpática ideia de colocar mísseis Scud na Mauritânia) e a capacidade de extracção de nacionais de vários PALOP’s e países vizinhos (as operações Crocodilo, em 1998, e Manantim, em 2012, para extracção e protecção de portugueses e nacionais de Estados amigos na Guiné-Bissau foram possíveis porque ainda existia um navio re-abastecedor de frota, o Bérrio, entretanto abatido).

Definido o núcleo do interesse estratégico nacional imediato ou de proximidade geográfica, há que garantir os meios para o defender e só depois deve ser construída uma componente solidária para com a NATO e que não se deve afastar da estrutura de meios que Portugal decidiu serem necessários para a sua defesa. Metodologicamente a capacidade de contribuição com Deployable Assets para a defesa comum deve ser um desdobramento, um plus, dos meios que Portugal identificou como sendo necessários para a defesa dos seus interesses. Assim se contrariam os perigos de uma especialização de capacidades que nos seja imposta e que não sirva os interesses nacionais.

Tem Portugal direito à Defesa? (II)


A discussão em torno de quais os meios (humanos, financeiros, tecnológicos) que devem ser alocados à Defesa pressupõe uma prévia definição de quais os bens, em que grau e de acordo com que hierarquia, devem, ser defendidos.


Seguindo a terminologia da NATO, onde após a queda do muro de Berlim foram divulgados como documentos públicos (não classificados) quatro conceitos estratégicos (1991, 1999, 2010 e o actual, de 2022), a República Portuguesa tem aprovado sucessivos conceitos estratégicos de defesa nacional (1994, 2003 e 2013). O conceito estratégico em vigor é um documento particularmente datado, não só pelo decurso do tempo e pelo peso de alguns episódios posteriores (anexação da Crimeia, guerra civil na Síria, Brexit, retirada do Afeganistão, invasão do leste da Ucrânia, invasão da faixa de Gaza, política externa revolucionária da segunda Administração Trump) mas também pela cândida opção política de centrar muito do conceito estratégico na guerra contra a Troika e no assinalar das vitórias nas diversas batalhas conducentes à “saída limpa”. O processo de revisão do conceito estratégico de 2013 encalhou nas sucessivas crises políticas que têm reduzido a esperança de vida dos últimos três governos constitucionais. Ao dia de hoje temos um documento desactualizado, centrado na luta contra a dívida pública, com uma vasta camuflagem de generalidades de geopolítica e de geoestratégia que, em boa verdade, também já decoravam o conceito estratégico de 2003.

A existência de um conceito estratégico nacional actualizado e enxuto na identificação das prioridades facilita a auto-suficiência lusa face à doutrina NATO e à sua aplicação ao sistema de forças de cada um dos Estados-membros. Na cartilha da Aliança merece destaque a tentativa de especialização dos Deployable Assets de cada Aliado, feita a partir de Bruxelas (quando não de Washington) com muito pouca atenção ao interesse estratégico nacional português. O benefício das garantias de legítima defesa colectiva proporcionados pela NATO obriga à arbitragem dos diversos interesses nacionais mas, no caso português, essa arbitragem não pode deixar desprotegido o triângulo estratégico nacional (continente-Açores-Madeira) com o que tal implica de capacidade de protecção das rotas de navegação no Atlântico Norte (e, mais recentemente das ameaças aos cabos submarinos que amarram em Portugal e que asseguram a circulação de dados e comunicações). Um segundo círculo de interesse estratégico inclui as possíveis ameaças vindas do sul (já nos esquecemos que no passado o coronel Gadaffi teve a simpática ideia de colocar mísseis Scud na Mauritânia) e a capacidade de extracção de nacionais de vários PALOP’s e países vizinhos (as operações Crocodilo, em 1998, e Manantim, em 2012, para extracção e protecção de portugueses e nacionais de Estados amigos na Guiné-Bissau foram possíveis porque ainda existia um navio re-abastecedor de frota, o Bérrio, entretanto abatido).

Definido o núcleo do interesse estratégico nacional imediato ou de proximidade geográfica, há que garantir os meios para o defender e só depois deve ser construída uma componente solidária para com a NATO e que não se deve afastar da estrutura de meios que Portugal decidiu serem necessários para a sua defesa. Metodologicamente a capacidade de contribuição com Deployable Assets para a defesa comum deve ser um desdobramento, um plus, dos meios que Portugal identificou como sendo necessários para a defesa dos seus interesses. Assim se contrariam os perigos de uma especialização de capacidades que nos seja imposta e que não sirva os interesses nacionais.