Europa. Os homens que tornaram o sonho possível

Europa. Os homens que tornaram o sonho possível


Mário Soares sonhou com a adesão à CEE ainda antes da revolução de abril, mas foi o desenrolar dos acontecimentos políticos que permitiu o consenso no país. PPD e CDS foram essenciais para iniciar o caminho e no governo Ernâni Lopes, Rui Machete e Jaime Gama conduziram o processo.


Foi Mário Soares, líder do partido socialista e então primeiro-ministro que, em 11 de março de 1977 formalizou o pedido de adesão à Comunidade Económica Europeia (CEE).

No discurso durante uma visita à sede da CEE em Bruxelas, Soares assumiu que o pedido era exigente para as duas partes, porque Portugal estava então muito distante do nível de desenvolvimento dos 10 países que compunham a comunidade.

“Em primeiro lugar desafio para Portugal, pois não ignoramos de modo algum as nossas fraquezas nem as nossas atuais dificuldades. Desafio também para a Europa, pois, ao bater-lhe à porta, sentimos que exprimimos a dimensão europeia das mudanças políticas e sociais ocorridas ou em curso no Sul da Europa. Ignorar esta realidade nova só iria aumentar as diferenças que separam ainda, em termos económicos, esta Europa do sul da Europa do norte, com todos os perigos de desintegração e de rutura para a Europa, a longo prazo”, disse na ocasião.

Do pedido à assinatura dos tratados no Mosteiro dos Jerónimos, passaram 8 anos de negociações integrando pareceres, acordos e declarações. Se é certo que logo em 1978, um ano depois do pedido feito pelo governo português, a Comissão Europeia se pronuncia favoravelmente à adesão de Portugal, a verdade é que o país tinha ainda que percorrer um longo caminho de ajustamento, para estar pronto para uma adesão de corpo inteiro.

Os primeiros fundos vindos da europa

Portugal começou a receber os primeiros fundos comunitários anos antes da adesão em 1985. O financiamento de Bruxelas teve como finalidade ajudar o país a percorrer mais rapidamente o caminho de desenvolvimento.

Em 1980 Portugal e a Comissão Europeia assinam um protocolo que previa a atribuição de fundos de Bruxelas que constituíam uma ajuda de pré-adesão. Totalizou 100 milhões de ecus (a moeda europeia antes da criação do euro) e destinou-se a projetos ou programas de melhoramentos das estruturas industriais, modernização dos setores agrícola e das pescas e desenvolvimento de infraestruturas.

De 1980 até aos dias de hoje o país não deixou de receber verbas que, ao longo das décadas, têm permitido a Portugal ir convergindo com os restantes países da União Europeia, agora alargada a 27.

A receção dos primeiros fundos vindos de Bruxelas, alterou profundamente o país que, até àquela altura, só dispunha, por exemplo, de uma autoestrada de poucos quilómetros (entre Lisboa e Vila Franca de Xira), tinha uma agricultura de subsistência e um setor industrial pouco significativo e que tinha sido desmantelado com as nacionalizações do pós 25 de Abril.

Sem a ajuda das verbas europeias, o processo de adesão teria sido muito mais lento. A década de 80 foi em Portugal um período de grandes progressos, que os portugueses viam acontecer diariamente e que fez crescer na opinião publica um sentimento europeísta profundo que dura até aos dias de hoje. Ainda em estudos recentes, Portugal surgiu na comparação com outros parceiros como um dos países mais satisfeitos com a pertença à União Europeia.

O mau uso, ou mesmo o desvio de muitos milhões de fundos europeus ao longo dos anos, acabou por dividir opiniões sobre o efeito que as ajudas de Bruxelas têm tido no percurso do país desde a adesão. Vários processos foram abertos na justiça, condenando inúmeros responsáveis por uso indevido de verbas europeias. Entre os especialistas, há quem defenda que, passados estes anos, os fundos europeus são mais motivo do atraso estrutural da nossa economia, do que motor de desenvolvimento.

A verdade é que as perspetivas económicas para o próximo ano, dependem e muito da capacidade que Portugal tiver para executar os milhões que nos estão destinados com as verbas do Plano de Reestruturação e Resiliência (PRR). Um programa negociado para recuperar as economias europeias, após o choque da pandemia de Covid 19 que parou o mundo durante mais de dois anos.

Os protagonistas da adesão

Mário Soares foi o grande protagonista da adesão de Portugal à CEE, não só porque foi ele que conduziu o processo político, mas também porque desde os tempos em que no exílio combatia a ditadura, já defendia como opção para um futuro com sucesso de um pais democrático a integração na comunidade dos países mais desenvolvidos da Europa. Foi assim que, logo após a revolução, durante a primeira campanha eleitoral que conduziria às eleições de 1976, o tema do pedido de adesão foi um dos principais assuntos que o líder do PS levou à campanha. O resto do caminho tornou-se possível porque o país, ainda a viver os excessos revolucionários conduzidos pela extrema esquerda, que parecia ser maioritária na rua, deu uma maioria confortável aos partidos moderados e europeístas: PS, PPD_e CDS.

Foi o apoio à causa europeia também de Francisco Sá Carneiro, líder do PPD e de Freitas do Amaral, líder do CDS que tornaram o caminho possível.

Soares pediu formalmente a entrada em 1977, quando governava em coligação com o CDS e assinou os tratados em 1985, quando liderava o único Executivo de bloco central da nossa história democrática.

Embora não tenham tido tanta visibilidade, há outros protagonistas, cuja ação foi indispensável para que o processo, apesar de muitos obstáculos, tenha sido concluído com sucesso.

Ernâni Lopes foi um desses nomes. Era ministro das Finanças do Governo de bloco central em que o país foi intervencionado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Em 1983, Portugal teve de adotar medidas duras de austeridade para resolver a crise económica agravada no início dos anos 1980 por elevadas taxas de juros, forte inflação e crescente desemprego. Sem a crise económica resolvida, a adesão era impossível e o ministro das Finanças da altura, apoiado pelo primeiro ministro tiveram de pôr o socialismo na gaveta e aplicar medidas duras.

Carlos da Mota Pinto e Rui Machete, que entretanto assumiram a liderança dos sociais democratas tiveram também um papel importante na história da adesão. Ao aceitarem seguir o caminho arriscado da constituição de um bloco central, que desagradava a uma larga maioria do partido, incluindo ao seu fundador, Sá Carneiro, que então se tinha afastado por questões de saúde, os dois líderes do momento tiveram papel preponderante na revisão constitucional de 1982. Sem as alterações feitas na altura ao texto, que aligeiraram a carga ideológica revolucionária da Constituição e assumiu um caráter mais democrático das instituições, não teria sido possível a adesão que propunha a integração na economia de mercado.

Jaime Gama, então ministro dos Negócios Estrangeiros, desempenhou também um papel fundamental nos anos que antecederam a assinatura dos tratados. Coube-lhe conduzir grande parte das negociações com as instituições em Bruxelas, nas várias áreas setoriais. Em 12 de Junho de 1985 a sua assinatura no Mosteiro dos Jerónimos, imortalizou a participação ativa nos trabalhos desses anos.

No dia um da entrada de Portugal na CEE, Mário Soares frisou que, nesta nova era da vida nacional, o país se comprometia com um futuro melhor, mas muito mais exigente. “Para Portugal, a adesão à CEE representa uma opção fundamental por um futuro de progresso e de modernidade. Mas não se pense que seja uma opção de facilidade. Exige muito dos Portugueses, embora lhes abra simultaneamente largas perspetivas de desenvolvimento. Por outro lado, constitui a consequência natural do processo de democratização da sociedade portuguesa, iniciado com a Revolução dos Cravos em 25 de Abril de 1974, e igualmente da descolonização que se lhe seguiu”, disse.