Portugal mergulhou há 40 anos no azul e amarelo da União Europeia (UE). As expectativas eram muitas. O nosso país estava prestes a virar a página para um novo capítulo da sua história: o do progresso, do crescimento económico e da prosperidade. Agora, entre guerras belicistas e economias enfraquecidas, que rumo tomou o projeto europeu? O que é feito de Portugal?
Uma UE diferente do passado
O caminho para o desenvolvimento do país foi sendo construindo, mesmo com algumas pedras no sapato. No entender de Vasco Rato, professor e especialista em relações internacionais, as expectativas da adesão de Portugal à UE foram, em parte, alcançadas. “O país hoje não é, claramente, aquilo que era nos anos 1980. Os níveis de desenvolvimento social e económico melhoraram significativamente”, refere, em declarações ao i. A fasquia estava alta e à época havia uma ideia diferente, talvez até ousada, de que Portugal pudesse correr ao mesmo ritmo que os grandes Estados-membros. “Que pudesse ser um país que, de uma forma geral, conseguisse partilhar os padrões culturais, os padrões de vida, os padrões de consumo que já existem no resto da Europa. Isso claramente não se verificou”. Quase que podemos falar de duas Europas: os problemas de hoje não são os mesmos, os desafios são maiores. “A UE hoje é muito diferente daquilo que era há 40 anos, quando vivíamos num quadro de Guerra Fria, em que a experiência com a livre circulação, com o mercado único, era, de facto, uma experiência. Não se sabia se resultaria. Era uma outra Europa. Não havia os problemas que hoje existem de segurança, de imigração, de estagnação economia”, defende. “A Europa está a perder competitividade a olhos vistos. Não havia uma China que rivalizava com os Estados Unidos. Era uma UE muito diferente.”
Um projeto de paz
Para Vasco Rato, é necessário voltar ao coração do projeto europeu, cuja espinha dorsal é constituída por uma palavra: paz. “O projeto inicial, tal como ele foi pensado por Jean Monnet e Robert Schuman, era um projeto de paz. Para garantir a paz na Europa. Isso foi feito durante muito tempo exclusivamente através da NATO, com os países europeus a descartarem as suas responsabilidades. Isso já não é o caso”. Para que este projeto de paz volte a ser posto em prática, o especialista defende que UE tem de investir na sua segurança. “Num futuro próximo, teremos de regressar um pouco à definição dos anos 1950: uma Europa em paz, mas com cautela, porque assumia as suas responsabilidades, coisa que não fez pelo menos nos últimos 25 ou 30 anos. Basicamente, entregou a sua segurança aos Estados Unidos.”
Portugal tornou-se num protetorado
Na visão de Raquel Varela, historiadora e professora da Faculdade de Ciência Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade NOVA de Lisboa, é muito importante, para que se perceba o Portugal de hoje, fazer a distinção entre o Estado Social e a União Europeia, porque têm origens diferentes. “Não são a mesma coisa. O Estado Social nasce no pós-Segunda Guerra Mundial de um acordo entre classes sociais distintas, entre patrões e trabalhadores, como um pacto de fim de guerra. Os trabalhadores abdicavam da tomada de poder e os patrões garantiam Estado Social e pleno emprego. A UE nasce como uma forma das classes dominantes, dirigentes e proprietárias da França e da Alemanha sobreviverem num quadro de mercado mundial. Ou seja, a UE é um acordo entre classes dominantes e não entre trabalhadores e burguesia.” A historiadora, em declarações ao i, defende que o nosso país, sobretudo depois de 1976, “até mais que Espanha”, em vez de conseguir entrar e acompanhar o ritmo de crescimento da UE, transformou-se “num protetorado”. Ficou para trás, situado na esquina do projeto europeu. “O que a UE vai fazer é empréstimos que vão destruir a já parca capacidade científica autónoma de Portugal. As maquinarias não são repostas cá, ou seja, a capacidade produtiva entra em decadência, e a força de trabalho, mesmo que esteja mais qualificada, ou emigra, ou a qualificação não corresponde àquilo que era há 30 ou 40 anos”, afirma Raquel Varela, acrescentando que a economia portuguesa “está dependente da banca estrangeira, da exportação baseada em salários baixos e do turismo que, como dizia um economista famoso no pós 25 de abril, ‘é uma forma de prostituição económica’”.
A UE entre o hoje e o amanhã
Não mudou muito: a génese do projeto europeu, no passado e atualmente, defende a historiadora, continua o mesmo. “A UE que existe hoje é um projeto sobretudo centrado na força da economia alemã depois da queda do muro de Berlim, que se baseia na exportação e com um carácter imperialista, historicamente falando”, o que, por outras palavras, significa que a força da economia europeia continua focada “numa relação desigual de centro e periferia e na exportação de capitais e produtos de algo valor acrescentado”. Em relação ao futuro, Raquel Varela considera que a competição entre os Estados-membros e as empresas será maior e os que os ventos belicistas, que atualmente se fazem sentir pelo mundo, continuarão em direção à “economia de guerra” da UE. “Está a apostar numa economia de guerra, a que chamam indústria de defesa, o que vai levar aos aumentos generalizados dos conflitos do mundo do trabalho. Acabou-se a paz social na UE”.
A Europa e os desafios: o ponto de situação
O mundo está a mudar a uma velocidade relâmpago e a UE enfrenta desafios complexos que colocam à prova a sua credibilidade e eficácia na arquitetura política global. Ao i, Diana Soller, professora e investigadora de relações internacionais, realça que o projeto europeu teve e tem altos de baixos. “A UE não teve responsabilidade direta – a não ser pelo apaziguamento que fez da Rússia durante muitos anos, mais do que devia, do meu ponto de vista – na guerra da Ucrânia. O projeto de paz durou mais de 70 anos e não foi quebrado pela Europa. Nessa prestativa, parece-me que a nota para a UE tem de ser positiva”. Mas nem tudo foram boas decisões políticas, o que também acaba por afetar Portugal. “O lado negativo da UE prende-se com a sua sensação de que tinha ultrapassado a guerra permanentemente, e acabou por não se preparar”, defende. Como resultado, a Europa ficou mais frágil, mais dependente, mais enfraquecida e, acima de tido, mais vulnerável. “Temos, neste momento, em 2025, uma dependência enorme de um conjunto de países, não só dos Estados Unidos, para segurança e defesa, mas também de outros países no que diz respeito às nossas cadeias de fornecimentos, e até alguma dependência de gás e petróleo da Rússia”. A investigadora refere que a UE ficou “muito enamorada” com a ideia de que a paz iria ser uma constante. Mas o tempo e a história vieram dar sinais de que tudo o que se conquista pode, rapidamente, ser demolido. “Esquecemo-nos que o mundo não é a ilha de paz que a UE construiu. É um mundo diferente que iria bater à porta da UE, como aconteceu. A grande falha do projeto europeu foi não se preparar para manter a paz em contexto de guerra”.
Uma resposta tardia
Ainda que haja vontade política de alguns Estados-membros de mudar a posição europeia, a resposta vem tarde. “Não vamos passar por isso sem sofrimento, e não era necessário, se tivéssemos feitos as coisas de outra maneira. Apesar de haver muitos responsáveis a falar disto dentro da Europa, as instituições europeias e os próprios países não foram capazes de perceber, ou não quiseram, a verdadeira inconsciência de não nos prepararmos. E esta não preparação está a fazer-nos pagar um preço muito alto agora”.