República Islâmica do Irão. A cabeça do polvo anti-israelita

República Islâmica do Irão. A cabeça do polvo anti-israelita


No dia 7 de outubro de 2023, o Médio Oriente voltou a mergulhar no caos. O Irão foi o principal patrocinador do ataque e o regime de Ali Khamenei, ainda que crescentemente impopular, é uma das peças-chave para entender o tabuleiro geopolítico da região.


O conflito israelo-palestiniano não pode ser compreendido sem entender as dinâmicas estratégicas do Irão. Sendo uma das maiores potências regionais, o regime iraniano tem-se digladiado com o Estado de Israel pela superioridade no Médio Oriente, e algumas raízes do ataque de 7 de outubro de 2023 perpetrado pelo Hamas encontram-se precisamente em Teerão.

Foi sob a égide do aiatola Ali Khamenei, líder supremo da hierarquia religiosa islâmica de matriz xiita, que o grupo terrorista que controla a Faixa de Gaza vitimou mortalmente cerca de 1200 israelitas, dos quais a maioria era civil, e tomou como reféns outros 251. No dia 8 de outubro, Henrique Cymerman, um dos mais conceituados correspondentes no Médio Oriente, disse, em entrevista ao Nascer do SOL, que “o Irão está por trás, mas não se envolverá de forma direta, deixando os proxys fazer o seu trabalho”, apontando claramente para o envolvimento iraniano no 7 de outubro, mesmo que Khamenei o tenha negado, e para o financiamento de outras milícias como o Hezbollah no Líbano e os Houthis no Iémen. Sensivelmente seis meses depois, o confronto acabou mesmo por ser direto.

Mas quais foram, e são, os objetivos do Irão?

Tapar o sol com a peneira Num artigo publicado pelo Hoover Institution, um centro de investigação da Universidade de Stanford, Mariam Memarsadeghi escreve que “o ataque de 7 de outubro foi programado para desviar a atenção dos desafios fundamentais à sobrevivência da teocracia islâmica decadente e inepta”. “A mobilização nacional sem precedentes dos iranianos para um derrube pacífico – o movimento Mulher, Vida, Liberdade “, acrescenta, “estava a ser brutalmente reprimida em casa, enquanto o Hamas massacrava Israel”.

Além disto, a ativista iraniana sublinhou ainda um outro ponto importante, também destacado por Cymerman na entrevista antes mencionada: os Acordos de Abraão. “A expansão dos Acordos de Abraão estava também na mira dos aiatolás. Era imperativo impedir uma nova paz bilateral entre a Arábia Saudita e Israel.  O choque e o pavor de 7 de outubro foram tão graves, e a resposta israelita tão maciça, que obrigaram os sauditas a cancelar as propostas ao governo israelita”, notou Memarsadeghi, que não tem dúvidas que “o papel do regime iraniano no ataque de 7 de outubro é fundamental e uma manifestação dos seus cânticos diários de “Morte a Israel” e do seu apelo para eliminar Israel do mapa” e que “é parte integrante da guerra mais vasta e multifacetada da República Islâmica contra o Ocidente e o liberalismo”.

A iraniana criticou também a abordagem da administração de Joe Biden face ao regime islâmico: “No entanto, a administração Biden optou por minimizar o facto de o Hamas ter sido desenvolvido e dirigido por Teerão, desviando a atenção do principal Estado patrocinador do terrorismo a nível mundial. Esta mentalidade de apaziguamento ajudou Teerão a acreditar que poderia escapar impune a um ataque terrorista maciço contra Israel”.

No dia 8 de outubro, o Wall Street Journal publicou uma peça intitulada “O Irão ajudou a planear um ataque a Israel durante várias semanas” que confirma as declarações da ativista, reportando que “os membros da segurança iraniana ajudaram a planear o ataque surpresa do Hamas a Israel (…) e deram luz verde ao assalto numa reunião em Beirute na passada segunda-feira, de acordo com membros superiores do Hamas e do Hezbollah, outro grupo militante apoiado pelo Irão”.

Uma “luta geracional”

Israel não se conteve na resposta ao 7 de outubro e a abordagem do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu tem sido criticada um pouco por toda a parte, estando inclusive na mira do Tribunal Penal Internacional. Cerca de um ano e meio depois, Telavive não dá sinais de abrandamento e a crise humanitária agrava-se, forçando os aliados históricos de Israel a darem um passo atrás e a condenarem a conduta de Netanyahu.

Ainda assim, se a resposta de Israel conseguiu lograr algo importante foi a de demonstrar as fragilidades do regime iraniano. Perseguindo de forma incessante o Hamas e o Hezbollah e contando com a ajuda dos Estados Unidos para lidar com os Houthis, o Estado judaico logrou paralisar os tentáculos do polvo de Teerão. Também o confronto direto entre ambos, incluindo o assassinato de nomes de topo do regime islâmico, deixou claro que Israel é a potência mais forte do Médio Oriente.

Mas será que o 7 de outubro, que escondeu vários objetivos estratégicos do Irão, e a resposta consequente de Israel acabaram por se revelar, na verdade, um tiro que saiu pela culatra? Mohammad Ayatollahi Tabaar, professor universitário e investigador na área das relações EUA-Irão, descreve, num artigo publicado pela Perry World House da Universidade da Pensilvânia, que o sentimento na cúpula do regime iraniano não é, de todo, esse: “Para o líder supremo Ali Khamenei e o Corpo de Guardas da Revolução Islâmica (IRGC), o momento atual não é de recuo, mas de recalibração. Em vez de um colapso de influência, veem recuos temporários numa luta geracional. Longe de estar parado, Teerão está a ajustar a sua postura regional, a promover novos parceiros, a explorar uma diplomacia discreta com antigos rivais e a preparar-se para uma potencial confrontação direta com os Estados Unidos”.

“Na sua opinião”, acrescenta Tabaar, “a sobrevivência do Hamas sob cerco e o seu domínio contínuo sobre Gaza constituem uma vitória simbólica e estratégica. O Ayatollah Ali Khamenei considerou a resistência de Gaza como um poderoso ato de resistência não só contra Israel, mas também contra os seus apoiantes norte-americanos”. “A narrativa em Teerão não enfatiza a derrota, mas sim a resistência e o martírio – um enquadramento que continua a ter grande ressonância em segmentos do mundo árabe e muçulmano. Na mesma reunião, Khamenei declarou: “O resultado de todas estas dificuldades e sacrifícios foi, em última análise, o triunfo do certo sobre o errado, e o povo de Gaza tornou-se um modelo para todos aqueles que se dedicam à causa da resistência”, conclui o académico.

Assim, a influência iraniana no 7 de outubro e no conflito que o ataque desencadeou parece inquestionável, tendo cooperado, logística e financeiramente, com as milícias do Hamas, Hezbollah e Houthis. Agora, resta saber se, no dia seguinte, este envolvimento com objetivo de enfraquecer Israel pode colocar um ponto final no regime teocrático ou se acaba por fortalecê-lo. A única coisa que parece certa é que o já instável tabuleiro geopolítico do Médio Oriente sofreu alterações profundas desde o dia 7 de outubro de 2023.