É preciso reformar a nossa forma de reformar


Algumas reformas não trazem vantagem ao cidadão e acabam por pô-lo a trabalhar para a máquina.


1. Neste tão simbólico Dia de Camões, talvez seja de começar por referir dois fatores negativos, em vez de exaltar a glória lusitana como a data pretende. Um deles é a deplorável decisão do AICEP de não usar o português nas explicações apostas no Pavilhão de Portugal da Expo-Japão, que decorre em Osaka. Logo no Japão em cujo o idioma se usam várias palavras de português (como pão), a língua mais falada no Hemisfério Sul. Outro ponto é o recente relatório da Nova SBE. Revela que, sem os apoios sociais, a taxa de pobreza em Portugal seria ainda mais negra do que é. Atingiria 41,8% dos que cá vivem. O primeiro dos pontos revela uma incompetência e uma sobranceria peneirenta insuportável. O segundo confirma que estamos estagnados ou mesmo em regressão desde o início do século, pelo menos. Montenegro e o seu governo retocado têm pela frente uma tarefa ciclópica para, na melhor das hipóteses, evitar a continuação do nosso empobrecimento, apesar dos milhares de milhões que vamos recebendo da Europa e que voltam a estar comprometidos, agora pelo gigantesco atraso do PRR. Desta vez, Montenegro não tem hipótese de jogar a cartada da crise para acelerar eleições e consolidar o poder. Tem de convencer, atuar e resolver com o poder limitado que os portugueses lhe deram, até para evitar que aconteça, amanhã, ao PSD o que sucedeu ao PS, ultrapassado pelo Chega. É tempo de fazer bem e depressa e não à moda da Igreja de Santa Engrácia. Não vale a pena tecer grandes considerações sobre o governo Montenegro 2.0. Ele é o que é. Corresponde mais ou menos ao que se esperava, com um ou outro acerto arriscado (cultura, juventude e desporto num único ministério pode ser uma complicação). O outro é o tão falado ministério da Reforma do Estado entregue a Gonçalo Matias, vindo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, uma instituição cheia de pergaminhos. O novo ministro tem comprovada experiência passada e um longo caminho pela frente. É desejável que não caia no equívoco dos seus antecessores, confundindo digitalização com reforma do Estado. A digitalização é uma facilidade evidente em muitas áreas na entrega de documentos e certos procedimentos. Mas nada resolveu de substancial quando se trata de burocracia profunda. Na verdade, verifica-se que a única diferença é que se transfere para o cidadão tarefas que estavam do lado da administração pública. Não é por se ter uma melhor telemática que o obscurantismo, a morosidade, a duplicação de atos diminuiu ou que as coisas substanciais e decisivas se tornaram mais rápidas, mais justas e menos opacas. Ora, é isso que o ministro Gonçalo Matias tem por obrigação modificar, melhorando a rapidez, a eficácia e a transparência dos atos da administração pública, autárquica e judicial. De outro modo, é só mais um Simplex. A estrutura apresentada em termos de secretários de Estado é um bom indicador porque divide precisamente digitalização e simplificação. Para ter um mínimo de sucesso, o ministro vai ter de contar um apoio incondicional de Montenegro, com a colaboração empenhada e imperativa dos seus colegas e terá de saber escolher bem os métodos e meios mesmo de áreas alheias. Até para não suceder o drama recorrente entre nós em que muitos novos sistemas se estreiam a colapsar vezes sem conta. Veja-se o que está a acontecer nos aeroportos com o controlo de passaportes não-Schengen. Uma das áreas onde é evidente que o Estado tem muito a ganhar é a da Administração Interna, começando, desde logo, por encarar com pragmatismo os ganhos de eficácia que adviriam de uma fusão da PSP e da GNR, que estão cheias de duplicações. É um tema de que pouco se fala às claras, mas que existe mesmo. Para se mudar alguma coisa entre nós é preciso reformar a forma de reformar que muitas vezes tem deformado ainda mais o que está mal. Exemplos não faltam como a reforma da ferrovia, a da habitação e a de descentralização, para citar apenas três.

2. Dias antes de José Luís Carneiro se apresentar como candidato imbatível e presumivelmente único à liderança do PS, António José Seguro confirmou que avança para a presidência da república. Junta-se a Luís Marques Mendes e a Gouveia e Melo. Estes nomes passam a constituir um trio de candidatos com hipóteses, que limita espaço a um quarto. Há um vazio na área do Chega, mas teria de ser Ventura, já que os outros são quase anónimos. De notar que 30 deputados do Chega já fizeram saber que não querem o almirante, o que significa que algo pode ainda estar em aberto naquelas hostes. Já o avanço de Seguro incomoda muitos socialistas costistas, socráticos e neo-costistas. Digam o que disserem os seus detratores internos, nunca poderão acusar Seguro, ex-secretário-geral, de ter envergonhado o Partido Socialista com jogos de sombra, facadas nas costas, abusos de poder, envolvimento em negociatas e guerrilha política permanente. Lá nisso, o homem é impoluto. Louve-se também a coragem de se apresentar por conta própria, enquanto outros ficam nas encolhas à espera do regaço confortável da máquina e do dinheiro do partido. Politicamente, Seguro é o que sempre foi: um moderado, sem passado extremista ou aptidão para geringonças.

3. Como muitos previam e muitos mais ainda desejavam, a dupla Trump/Musk rompeu ao jeito do casamento de celebridades, com remoques públicos de parte a parte. A ruptura já implicou acusações que vão de abusador sexual a drogado, respetivamente para o Presidente e para o magnata dos negócios. Falta uma participação de violência física para o cenário de crise doméstica ser completo. O caso é uma humilhação para os Estados Unidos dada a galhofa mundial, sobretudo vinda da Rússia. Não fosse a circunstância de se tratar do Presidente do país mais poderoso do mundo e do homem mais rico do planeta, a coisa dava para noites seguidas de Maia, na CMTV, e de Passadeira Vermelha, na SIC. Era bem melhor. Porque a este nível e com a tensão que há no mundo, esta faísca é preocupante por envolver duas figuras planetárias que condicionam o quotidiano de parte da humanidade, nem que seja do ponto de vista tecnológico, do qual todos estamos dependentes. O desfazer da união dos dois doidos egocêntricos pode ter consequências a vários níveis. Uma deles é na defesa americana e na da NATO, servida por empresas de Musk. Outro é a economia. Viram-se e entrevêem-se novas quedas nas ações de Musk por via da rescisão eventual de contratos federais. Semelhante situação afetaria ainda mais os nervosos pensionistas cujo rendimento está muito indexado ao mercado de capitais. Tudo o que acontecer de negativo tem, por tabela, um potencial enorme para afetar o trumpismo nas eleições intercalares, daqui a um ano e meio. Se o plano inclinado de descredibilização do Presidente se mantiver, há uma hipótese de os americanos regurgitarem Trump e a camarilha que o rodeia, dando uma maioria aos democratas. Para já, verifica-se também um crescente movimento interno de violência nas ruas, sobretudo em protesto pela desordenada e violenta politica anti-imigração que está em curso. Para além do desastre interno, Trump tem permitido a consolidação do poder mundial de Xi-Jinping e regional de Putin, Netanyahu e do Irão, entre outros. Simultaneamente, boicota a precária unidade da Europa ocidental, que tanto custou a construir em bases mínimas. Este quadro comprova que Trump nada tem a ver com políticas conservadoras, que existem e são sensatas nos Estados Unidos e que seriam suficientes para travar os absurdos movimentos woke que ali se desenvolveram. Talvez fosse bom o agora discreto JD Vance começar a preparar esse caminho.

4. Em Paris e não só, os distúrbios violentos que se seguiram à vitória do PSG na Champions voltaram a ilustrar a deterioração da situação interna francesa. Grupos de jovens violentos, bem munidos de bandeiras da Palestina, a maioria de origem estrangeira ainda que franceses, e muitos extremistas muçulmanos desintegrados rebentaram com boa parte da cidade. Situações destas são recorrentes na capital francesa em grande escala, mas proliferam em Lyon, Marselha e em muitas outras cidades e vilas do país. Como se não bastasse, verifica-se em França um recrudescimento do crime organizado que já não hesita em ameaçar juízes, polícias e famílias de guardas-prisionais. É sempre importante um europeu olhar para a França. Porque ela, no bom e no mau, antecipa muitas vezes o que outros países podem passar se não souberem preservar os seus valores fundamentais e tradicionais, num quadro de integração e diálogo, mas que evite a anarquia e a substituição cultural.

É preciso reformar a nossa forma de reformar


Algumas reformas não trazem vantagem ao cidadão e acabam por pô-lo a trabalhar para a máquina.


1. Neste tão simbólico Dia de Camões, talvez seja de começar por referir dois fatores negativos, em vez de exaltar a glória lusitana como a data pretende. Um deles é a deplorável decisão do AICEP de não usar o português nas explicações apostas no Pavilhão de Portugal da Expo-Japão, que decorre em Osaka. Logo no Japão em cujo o idioma se usam várias palavras de português (como pão), a língua mais falada no Hemisfério Sul. Outro ponto é o recente relatório da Nova SBE. Revela que, sem os apoios sociais, a taxa de pobreza em Portugal seria ainda mais negra do que é. Atingiria 41,8% dos que cá vivem. O primeiro dos pontos revela uma incompetência e uma sobranceria peneirenta insuportável. O segundo confirma que estamos estagnados ou mesmo em regressão desde o início do século, pelo menos. Montenegro e o seu governo retocado têm pela frente uma tarefa ciclópica para, na melhor das hipóteses, evitar a continuação do nosso empobrecimento, apesar dos milhares de milhões que vamos recebendo da Europa e que voltam a estar comprometidos, agora pelo gigantesco atraso do PRR. Desta vez, Montenegro não tem hipótese de jogar a cartada da crise para acelerar eleições e consolidar o poder. Tem de convencer, atuar e resolver com o poder limitado que os portugueses lhe deram, até para evitar que aconteça, amanhã, ao PSD o que sucedeu ao PS, ultrapassado pelo Chega. É tempo de fazer bem e depressa e não à moda da Igreja de Santa Engrácia. Não vale a pena tecer grandes considerações sobre o governo Montenegro 2.0. Ele é o que é. Corresponde mais ou menos ao que se esperava, com um ou outro acerto arriscado (cultura, juventude e desporto num único ministério pode ser uma complicação). O outro é o tão falado ministério da Reforma do Estado entregue a Gonçalo Matias, vindo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, uma instituição cheia de pergaminhos. O novo ministro tem comprovada experiência passada e um longo caminho pela frente. É desejável que não caia no equívoco dos seus antecessores, confundindo digitalização com reforma do Estado. A digitalização é uma facilidade evidente em muitas áreas na entrega de documentos e certos procedimentos. Mas nada resolveu de substancial quando se trata de burocracia profunda. Na verdade, verifica-se que a única diferença é que se transfere para o cidadão tarefas que estavam do lado da administração pública. Não é por se ter uma melhor telemática que o obscurantismo, a morosidade, a duplicação de atos diminuiu ou que as coisas substanciais e decisivas se tornaram mais rápidas, mais justas e menos opacas. Ora, é isso que o ministro Gonçalo Matias tem por obrigação modificar, melhorando a rapidez, a eficácia e a transparência dos atos da administração pública, autárquica e judicial. De outro modo, é só mais um Simplex. A estrutura apresentada em termos de secretários de Estado é um bom indicador porque divide precisamente digitalização e simplificação. Para ter um mínimo de sucesso, o ministro vai ter de contar um apoio incondicional de Montenegro, com a colaboração empenhada e imperativa dos seus colegas e terá de saber escolher bem os métodos e meios mesmo de áreas alheias. Até para não suceder o drama recorrente entre nós em que muitos novos sistemas se estreiam a colapsar vezes sem conta. Veja-se o que está a acontecer nos aeroportos com o controlo de passaportes não-Schengen. Uma das áreas onde é evidente que o Estado tem muito a ganhar é a da Administração Interna, começando, desde logo, por encarar com pragmatismo os ganhos de eficácia que adviriam de uma fusão da PSP e da GNR, que estão cheias de duplicações. É um tema de que pouco se fala às claras, mas que existe mesmo. Para se mudar alguma coisa entre nós é preciso reformar a forma de reformar que muitas vezes tem deformado ainda mais o que está mal. Exemplos não faltam como a reforma da ferrovia, a da habitação e a de descentralização, para citar apenas três.

2. Dias antes de José Luís Carneiro se apresentar como candidato imbatível e presumivelmente único à liderança do PS, António José Seguro confirmou que avança para a presidência da república. Junta-se a Luís Marques Mendes e a Gouveia e Melo. Estes nomes passam a constituir um trio de candidatos com hipóteses, que limita espaço a um quarto. Há um vazio na área do Chega, mas teria de ser Ventura, já que os outros são quase anónimos. De notar que 30 deputados do Chega já fizeram saber que não querem o almirante, o que significa que algo pode ainda estar em aberto naquelas hostes. Já o avanço de Seguro incomoda muitos socialistas costistas, socráticos e neo-costistas. Digam o que disserem os seus detratores internos, nunca poderão acusar Seguro, ex-secretário-geral, de ter envergonhado o Partido Socialista com jogos de sombra, facadas nas costas, abusos de poder, envolvimento em negociatas e guerrilha política permanente. Lá nisso, o homem é impoluto. Louve-se também a coragem de se apresentar por conta própria, enquanto outros ficam nas encolhas à espera do regaço confortável da máquina e do dinheiro do partido. Politicamente, Seguro é o que sempre foi: um moderado, sem passado extremista ou aptidão para geringonças.

3. Como muitos previam e muitos mais ainda desejavam, a dupla Trump/Musk rompeu ao jeito do casamento de celebridades, com remoques públicos de parte a parte. A ruptura já implicou acusações que vão de abusador sexual a drogado, respetivamente para o Presidente e para o magnata dos negócios. Falta uma participação de violência física para o cenário de crise doméstica ser completo. O caso é uma humilhação para os Estados Unidos dada a galhofa mundial, sobretudo vinda da Rússia. Não fosse a circunstância de se tratar do Presidente do país mais poderoso do mundo e do homem mais rico do planeta, a coisa dava para noites seguidas de Maia, na CMTV, e de Passadeira Vermelha, na SIC. Era bem melhor. Porque a este nível e com a tensão que há no mundo, esta faísca é preocupante por envolver duas figuras planetárias que condicionam o quotidiano de parte da humanidade, nem que seja do ponto de vista tecnológico, do qual todos estamos dependentes. O desfazer da união dos dois doidos egocêntricos pode ter consequências a vários níveis. Uma deles é na defesa americana e na da NATO, servida por empresas de Musk. Outro é a economia. Viram-se e entrevêem-se novas quedas nas ações de Musk por via da rescisão eventual de contratos federais. Semelhante situação afetaria ainda mais os nervosos pensionistas cujo rendimento está muito indexado ao mercado de capitais. Tudo o que acontecer de negativo tem, por tabela, um potencial enorme para afetar o trumpismo nas eleições intercalares, daqui a um ano e meio. Se o plano inclinado de descredibilização do Presidente se mantiver, há uma hipótese de os americanos regurgitarem Trump e a camarilha que o rodeia, dando uma maioria aos democratas. Para já, verifica-se também um crescente movimento interno de violência nas ruas, sobretudo em protesto pela desordenada e violenta politica anti-imigração que está em curso. Para além do desastre interno, Trump tem permitido a consolidação do poder mundial de Xi-Jinping e regional de Putin, Netanyahu e do Irão, entre outros. Simultaneamente, boicota a precária unidade da Europa ocidental, que tanto custou a construir em bases mínimas. Este quadro comprova que Trump nada tem a ver com políticas conservadoras, que existem e são sensatas nos Estados Unidos e que seriam suficientes para travar os absurdos movimentos woke que ali se desenvolveram. Talvez fosse bom o agora discreto JD Vance começar a preparar esse caminho.

4. Em Paris e não só, os distúrbios violentos que se seguiram à vitória do PSG na Champions voltaram a ilustrar a deterioração da situação interna francesa. Grupos de jovens violentos, bem munidos de bandeiras da Palestina, a maioria de origem estrangeira ainda que franceses, e muitos extremistas muçulmanos desintegrados rebentaram com boa parte da cidade. Situações destas são recorrentes na capital francesa em grande escala, mas proliferam em Lyon, Marselha e em muitas outras cidades e vilas do país. Como se não bastasse, verifica-se em França um recrudescimento do crime organizado que já não hesita em ameaçar juízes, polícias e famílias de guardas-prisionais. É sempre importante um europeu olhar para a França. Porque ela, no bom e no mau, antecipa muitas vezes o que outros países podem passar se não souberem preservar os seus valores fundamentais e tradicionais, num quadro de integração e diálogo, mas que evite a anarquia e a substituição cultural.