É uma pergunta para um milhão de dólares e até Ralph Fiennes no magnífico filme Quiz Show, mesmo com a ajuda da produção, teria dificuldade em acertar na resposta fundamental: ‘Como foi possível um dermatologista do hospital Santa Maria ter ganho 400 mil euros em dez sábados que trabalhou?’. «Não faço ideia»; «Só o conselho de administração do hospital pode dizer como foi possível»; «olhando para a legislação é difícil perceber como se chegou a essa verba», são algumas respostas que o Nascer do SOL recolheu junto de médicos. A história avançada pela TVI/CNN ainda está a fazer estragos e no último fim de semana foram vários os hospitais – para o Ministério da Saúde, é mais correto dizer ULS – que não realizaram qualquer cirurgia no âmbito no Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC), embora fonte oficial do Ministério tenha respondido ao nosso jornal que «a Direção Executiva do SNS tem conhecimento da realização de cirurgias no SNS no fim de semana passado (sábado, dia 31 de maio, e domingo, dia 1 de junho), no âmbito de produção adicional (SIGIC)». Já o Nascer do SOL falou com doentes oncológicos, fora de Lisboa, que viram as suas cirurgias serem adiadas. «Disseram-nos que por causa da confusão do médico dos 400 mil euros está tudo a ser passado a pente fino, mas que a minha cirurgia deverá acontecer em breve», contou um homem na casa dos 50 anos.
É um bom retrato da desorientação que surgiu com a notícia dos pagamentos a equipas médicas, fora do horário normal.
Para se perceber o que está em causa, e não entrando numa linguagem muito técnica, diga-se que cada hospital tem uma lista de espera. O conselho de administração respetivo decide quais as cirurgias que podem ser feitas fora do horário ‘normal’, e depois é preciso codificar o doente, e aqui entra o GDH (Grupo Diagnóstico Homogéneo). E é a partir desta codificação que a equipa envolvida na operação recebe. Só que, aqui como noutros assuntos relacionados com o SIGIC, há várias leituras: há quem diga que não pode ser o cirurgião a fazer a codificação do doente e há quem diga que sim, mas que depois deve existir uma equipa que ‘fiscalize’ toda a codificação – numa linguagem básica a codificação significa o problema que o doente tem, e o respetivo pagamento a que a equipa terá direito.
Mas aqui também se coloca outro ponto muito falado nos corredores dos hospitais: há médicos que nas horas normais não entram num bloco operatório, ou entram pouco, mas quando toca o sino para as horas extras estão logo prontos para avançar.
Vejamos o que diz um médico que chefiou várias equipas, apesar de ser contra o SIGIC. «O SIGIC é feito depois do horário normal de trabalho, tanto pode ser ao fim de semana como nos dias úteis depois das 16 horas. Segunda regra, é feita com o GDH (Grupo Diagnóstico Homogéneo) e tem um determinado valor fixo contratualizado com o conselho de administração. Terceiro, o gabinete que controla o planeamento e a auditoria dos centros hospitalares tem a estrita obrigação de controlar pessoas que dão ordem de pagamento. Pode-se fazer 500.000 cirurgias, mas há cirurgias que esse gabinete corta e não paga, porque não está enquadrado na legislação. O valor pode ser mais ou menos do que os 750 para o chefe de equipa. Depende do Grupo de Diagnóstico Homogéneo. Há taxas de GDH de 300 euros como há outras de 3 mil euros. Esse valor não é para uma pessoa, é para uma equipa. Ou seja, o valor do GDH, em cirurgia adicional, é para distribuir, consoante a negociação e o acordo que tiver havido entre médicos, enfermeiros, técnico de diagnóstico e terapêutico que está na sala do bloco operatório, a técnicas invasivas, e, de acordo com o Conselho de Administração, essas cirurgias são codificadas perante esse GDH».
Olhando para a legislação, facilmente se percebe que os médicos envolvidos em contas duvidosas poderão ter de devolver o que cobraram indevidamente. «Só o inquérito poderá apurar a verdade, mas é muito estranho alguém conseguir faturar 50 mil euros num único sábado», rematou outro médico.