Guerra em números. Gastos com Defesa não param de aumentar

Guerra em números. Gastos com Defesa não param de aumentar


A Comissão Europeia já anunciou um programa para reforçar a Defesa na União Europeia e prometeu que o investimento não vai agravar o défice dos Estados-membros. Os gastos militares aumentaram 9,4% no ano passado, o que já é considerado o maior aumento anual desde, pelo menos, o fim da Guerra Fria.


Com os conflitos armados a disparem, a Comissão Europeia tem vindo a revelar que quer uma resposta robusta em termos de defesa. Os últimos números avançados por Ursula von der Leyen apontam para 800 mil milhões de euros destinos a investimento na defesa europeia, o que a levou a anunciar recentemente o plano “Rearmar a Europa” com vista a uma “Europa segura e resiliente”.

Está também previsto a disponibilização de 150 mil milhões de euros de financiamento para os 27 Estados-membros da União Europeia, que deverão ainda poder reafetar fundos, como os de Coesão, para investimento na defesa e rearmamento. “Chegou o momento da Europa. E estamos prontos para nos fortalecermos”, chegou a referir, acenando com a “grave natureza das ameaças” que a União Europeia tem estado a enfrentar e, como tal, entende que os países europeus devem estar “preparados para agir com a decisão e a velocidade requerida”, devendo responder a necessidades de curto e longo prazo.

Para responder a esse desafio, Bruxelas propôs uma flexibilização das regras orçamentais para incentivar o investimento na defesa sem desencadear um procedimento por défice excessivo. “Se os Estados-membros aumentassem as suas despesas com a defesa em 1,5 por cento do Produto Interno Bruto (PIB), em média, isso poderia criar uma margem orçamental de cerca de 650 mil milhões de euros durante um período de quatro anos”, referiu.

E lembrou que “esta medida permitirá que os Estados-Membros aumentem significativamente as suas despesas com a defesa sem desencadear o procedimento por défice excessivo”.

Escapar ao défice

Portugal não ficou alheio a este apelo e, em abril, o Governo anunciou que pediu a Bruxelas para ativar a cláusula que permite uma exceção ao cumprimento das regras orçamentais. O objetivo é que o aumento de despesa com a área da Defesa não conte para o défice. Isto porque, esta cláusula permite que as despesas relacionadas com a Defesa, até ao limite de 1,5% do Produto Interno Bruto, não sejam contabilizadas na avaliação do cumprimento do valor de referência para o défice (3%). Na altura, o Executivo explicou que “esta decisão foi consensualizada com o maior partido da oposição, tendo o Partido Socialista sido ouvido pelo Governo neste processo”, referindo que lembra que a Comissão Europeia “tem envidado esforços para que haja uma adesão significativa por parte dos Estados Membros a esta cláusula”.

Aliás, o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, também tem chamado a atenção para o possível aumento das contribuições para a Defesa, o que no seu entender irá exigir que “os planos de despesa sejam coerentes, sejam consequentes e sejam bem desenhados”, recordando ainda que é necessário ter em conta que estes planos “vão custar dinheiro”, apesar de assumir que a Europa “tem condições e meios para responder ao desafio que se lhe coloca”.

E, mesmo reconhecendo que a resposta às tensões geopolíticas e a aposta na Defesa deve ser feita da mesma forma que na covid – coordenada, coerente e ter propósito europeu – defendeu que “a contribuição para a União Europeia vai começar a subir porque vamos ter que fazer face aos financiamentos europeus que estiveram por detrás do NextGenEU”.

Ao nosso jornal, João César das Neves já tinha previsto que esses gastos vão pressionar os Orçamentos de estados europeus, “exigindo, para os compensar, cortes na despesa ou subida de impostos e/ou de endividamento. Em qualquer caso, o desvio de verbas para fins militares, mesmo indispensáveis, serão prejudiciais para a economia e sociedade civis. Portugal, longe dos eventuais conflitos, terá certamente mais inércia em avançar com esses gastos”.

Gastos militares dispararam no ano passado

Os gastos militares globais não páram de aumentar. De acordo com os dados revelados Instituto Internacional de Investigação para a Paz de Estocolmo – SIPRI, em inglês atingiram 2,718 biliões de dólares em 2024. Um aumento de 9,4% quando comparado com o ano anterior, sendo considerado o maior aumento anual desde, pelo menos, o fim da Guerra Fria.

E, segundo o instituto, este tipo de despesa subiu em todas as regiões do mundo, “com um crescimento particularmente rápido na Europa e no Médio Oriente”, em que os EUA, China, Rússia, Alemanha e Índia lideram o ranking ao serem responsáveis por 60% do total global, com despesas combinadas de 1,635 biliões de dólares.

Os mesmos dados revelam também que 2024 foi o 10.º ano consecutivo em que as despesas militares globais aumentaram. No ano passado, a parte do PIB global destinada às despesas militares aumentou para 2,5%. “Mais de 100 países em todo o mundo aumentaram os seus gastos militares em 2024. À medida que os governos priorizam cada vez mais a segurança militar, muitas vezes em detrimento de outras áreas orçamentais, as compensações económicas e sociais poderão ter efeitos significativos nas sociedades nos próximos anos”, disse Xiao Liang, investigador do Programa de Despesas Militares e Produção de Armas do SIPRI.

Os gastos militares na Europa (incluindo a Rússia) aumentaram 17%, para 693 mil milhões de dólares (quase 600 mil milhões de euros) e foram o principal contribuinte para o aumento global em 2024.

E, “pela primeira vez desde a reunificação, a Alemanha tornou-se o país que mais gasta em guerra na Europa Ocidental, devido ao fundo especial de defesa de 100 mil milhões de euros anunciado em 2022”, aponta Lorenzo Scarazzato, investigador do Programa de Despesas Militares e Produção de Armas do SIPRI.

Peso na Europa

De acordo com os dados da Comissão Europeia, entre 2021 e 2024, as despesas totais dos Estados-Membros da UE com a defesa aumentaram mais de 30%. Em 2024, as despesas ascenderam a cerca de 326 mil milhões de euros, ou seja, cerca de 1,9 % do PIB da UE.

No entanto, se tivermos em conta apenas os 23 Estados-Membros da UE que são também membros da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), em 2024, as despesas com a defesa ascenderam a 1,99 % do seu PIB combinado.

Em 2023, mais de 80% dos investimentos no setor da defesa, ou seja, cerca de 61 mil milhões de euros, foram afetados à aquisição de novos produtos de defesa. Uma tendência de crescimento foi confirmada em 2024, altura em que as despesas com a aquisição de equipamento no domínio da defesa ascenderam a mais de 90 mil milhões de euros, o que corresponde a 88,2 % dos investimentos na defesa e a um aumento homólogo superior a 50%.

Por seu lado, as despesas totais em investigação e desenvolvimento no domínio da defesa, que incluem todos os pagamentos até às primeiras despesas de produção dos artigos, ascenderam a 11 mil milhões de euros em 2023 (mais 6% do que em 2022) e a 13 mil milhões de euros em 2024.

Em 2023, a indústria europeia da defesa gerou um volume de negócios de 158,8 mil milhões de euros, o que representa um aumento de 16,9% em relação ao ano anterior.

As exportações militares europeias ascenderam a 57,4 mil milhões de euros em 2023, um aumento de 12,6% em relação a 2022. Já a indústria europeia da defesa registou um aumento substancial do emprego em 2023, tendo o número total de postos de trabalho alcançado os 581 000, o que representa um aumento de 8,9% em relação ao ano anterior.

A Comissão Europeia revela também que o setor da aeronáutica militar foi responsável por cerca de 217 mil postos de trabalho, enquanto a mão-de-obra combinada nos setores terrestre e naval foi responsável por 364 mil postos de trabalho na indústria da defesa, referindo que “as pequenas e médias empresas (PME) desempenham um papel central nas complexas cadeias de abastecimento no setor da defesa na Europa”.