Reféns. Os terrores vividos por quem foi sequestrado pelo Hamas e Israel

Reféns. Os terrores vividos por quem foi sequestrado pelo Hamas e Israel


Não imaginamos o medo, a dor, o desespero. São sequestrados sem razão aparente, apenas para servirem como moeda de troca.


Ficam traumatizados para o resto da vida e até demoram a conseguir contar a história. O que se passa nos corredores escuros onde se encontram os reféns dos terroristas do Hamas e dos soldados israelitas?

Desde o dia 7 de outubro de 2023 que o mundo assiste a um filme de terror no Médio Oriente. Vemo-lo de longe, mas as tragédias têm sido tão grandes e violentas que é impossível ficar indiferente. Na televisão, assistimos aos bombardeamentos, à destruição, às mortes, à fome, aos rostos carregados de desespero e ao jogo de poder dos dois países que têm perpetuado esta guerra ignorando o valor das vidas humanas. No meio de tanta desgraça e maldade como é sequer plausível acreditar que ainda reste alguma esperança para a humanidade? Somos instantes, e num instante não somos nada. E as histórias que nos chegam dos reféns – outrora capturados e mantidos presos pelos dois lados da barricada –, reforçam a forma atroz com que, muitas vezes, o ser humano olha e trata a vida do outro.

Reféns e libertados

Gal Hirsch, coordenador de Israel para questões dos reféns, afirmou recentemente num post na rede social X que o grupo radical palestino mantém, neste momento, 59 reféns, dos quais 24 estão vivos e 35 mortos.

Recorde-se que um total de 251 pessoas foram feitas reféns durante os ataques do Hamas ao sul de Israel no dia 7 de outubro de 2023, nos quais cerca de 1.200, a maioria civis, foram mortas, segundo os registos israelitas. Israel respondeu com um ataque aéreo e terrestre em Gaza que já matou cerca de 54 mil palestinos, incluindo milhares de crianças, segundo as autoridades de saúde no local.

Escreve a CNN que a ofensiva israelita deslocou a maior parte da população e reduziu grande parte do território a ruínas. E, o destino dos reféns, tem sido uma questão importante para a maioria dos israelitas que tem causado crescente inquietação e divisão na sua sociedade à medida que a guerra se arrasta. As famílias afirmam desde o início que a libertação de todos os sequestrados deveria ser “a prioridade absoluta”.

A maioria dos reféns devolvidos vivos a Israel até agora foi libertada como parte de acordos com o Hamas durante duas pausas temporárias, uma no final de 2023 e outra no início de 2025. O governo israelita já admitiu que os dois objetivos de guerra são “destruir o Hamas” e “libertar os reféns”.

Segundo a organização israelita B’tselem de direitos humanos, desde os eventos de 7 de outubro, o Clube dos Prisioneiros Palestinos perdeu o rasto de vários reféns deslocados de uma prisão para outra por Israel, enquanto o número de presos saltou de 5.240 para mais de 9.500 contabilizados pela entidade.

A organização israelita divulga regularmente o total oficial de prisioneiros palestinos, usando para isso números publicados a cada três meses pelo serviço prisional e pelas Forças de Segurança de Israel. No início de 2025, havia 9.619 presos, total reduzido minimamente com as trocas de prisioneiros, e quase 3.327 detidos sem acusação, número que hoje está em cerca de 3.400 com novas detenções, segundo os dados do Clube dos Prisioneiros.

Reféns de Israel

Mas quem são estas pessoas e que histórias têm para contar? A B’Tselem reuniu depoimentos de três mulheres que foram presas no dia 26 de outubro de 2023 na área de Hebron e libertadas no final de novembro, junto com outros detidos e prisioneiros, como parte de um acordo feito com o Hamas, que em troca libertou mulheres e menores que foram sequestrados no dia 7 de outubro de 2023.

Lama al-Fakhuri, na altura com 47 anos, mãe de cinco filhos, escritora e comentadora política, foi acusada pelos soldados israelitas de pertencer ao Hamas, de apoiar o ISIS e o terrorismo; Miriam Salah, com 21 anos à época, estudante de medicina farmacêutica, moradora de Khirbet, acusada de ser um membro do ISIS e Ruqiya Amro, 25 anos, estudante de mestrado em lei islâmica (Sharia), moradora de Dura, também acusada de pertencer ao Hamas, foram “violentamente retiradas das suas casas na calada da noite, dolorosamente algemadas e vendadas, e depois transferidas para várias prisões”. “Cada travessia era acompanhada de espancamentos, humilhações e ameaças de agressão e violação. Foram submetidas a uma revista íntima humilhante diversas vezes, completamente nuas, e interrogadas diversas vezes — interrogatórios durante os quais foram ameaçadas e falsamente acusadas, sem que lhes fosse apresentada nenhuma prova”, escreve a organização.

Segundo as mulheres, em todos os centros de detenção onde foram mantidas, as condições eram “desumanas”: quase não recebiam comida, o pouco que recebiam era de má qualidade e tinham que mendigar por água potável. As celas de detenção eram muito pequenas e estavam lotadas. Eram imundas, sem possibilidade de limpeza, apenas algumas tinham colchões – que também estavam muito sujos – e não lhes eram fornecidos cobertores nem roupas quentes. As “casas de banho” da cela estavam expostas, até mesmo para pessoas de fora da cela, e os seus pedidos de pensos higiénicos foram negados repetidamente.

As três relataram que, em nenhum momento, foram autorizadas a encontrar-se com um advogado, não foram levadas a um juiz, nem informadas dos pormenores das suspeitas contra elas. “Ninguém lhes explicou o que lhes aconteceria ou quando, se é que algum dia, seriam libertadas, e elas ficaram detidas durante cerca de um mês em completa incerteza sobre o seu futuro”, lamenta a organização.

Reféns do Hamas

Em novembro de 2023, a agência de notícias AP, também fez um retrato do cativeiro dos mais de 50 reféns libertados ao abrigo do acordo temporário de tréguas negociado com o Hamas.

Merav Raviv – que viu três familiares libertados nessa altura das mãos do Hamas –, contou que estes terão sido alimentados de forma irregular, com pão e arroz. A prima e a tia, Keren e Ruthie Munder, perderam cerca de sete quilos cada uma. Segundo Merav Raviv os seus familiares dormiam em filas de cadeiras de plástico justapostas, numa sala que se assemelhava a uma “receção”, e tinham de esperar durante horas para que pudessem ir à casa de banho.

Yaffa Adar, de 85 anos, contou os dias do seu cativeiro. De acordo com a sua neta, quando regressou, disse-lhe: “Eu sei que estava lá há 50 dias. Os dias foram de uma angústia agravada pelas alegações do Hamas, de que a sua família teria morrido. No entanto, quando o cativeiro acabou, Yaffa Adar descobriu a verdade: todos tinham sobrevivido, mas a sua casa tinha sido devastada por guerrilheiros do grupo terrorista.

No momento em que foram sequestrados, em vários locais do sul de Israel, alguns dos reféns agora livres viram os seus familiares ou vizinhos serem mortos. Outros só souberam que o cônjuge ou outros familiares também tinham sido sequestrados depois da libertação.

Eytan, de 12 anos, por exemplo, foi forçado a “assistir a vídeos do terror que aconteceu no dia 7 de outubro” e foi mantido sozinho num quarto durante algum tempo, relatou a sua tia, Deborah Cohen. “Quando chegou a Gaza, foi espancado”, lamentou. “Eles ameaçavam as crianças com uma arma se elas começassem a chorar”, contou.

Emily, de 9 anos, chegou aos braços do pai completamente traumatizada, ao ponto de já não saber falar alto. Só sussurrava. “Quando ela falou comigo, não consegui entender nada”, admitiu o pai.

Já Yair Rotem, o tio de Hila, uma menina de 13 anos, disse que esta passou 50 dias no escuro, sem tomar banho e com pouco para comer. Algumas pessoas dormiam em bancos, outras em colchões no chão. Foram “ensinadas” a sussurrar durante o dia e a ficarem quietas à noite, disse Yair Rotem.

Também Noam e Alma Or, de 16 e 13 anos, foram fechadas num quarto, partilhado com outra mulher, relata o The Guardian. A sua mãe foi morta na noite da captura dos filhos e o pai está desaparecido. Ahal Besorai, tio dos adolescentes, explicou que preferia não entrar em detalhes sobre a situação vivida, para “não perturbar as famílias dos reféns restantes”. No entanto, declarou: “Foram mantidos juntos com outra senhora. Eu sei quem ela é, e eles tiveram de a deixar para trás, não a libertaram, por isso ela agora está sozinha naquele lugar esquecido por Deus”. “Perguntei-lhes como conseguiram sobreviver, e eles disseram-me que se apoiavam nessa tríade. Quando alguém estava deprimido, os outros encorajavam e davam apoio moral”, detalhou. Apesar dos menores não terem sido mantidos num túnel, “aconteceram outras coisas que tornaram a experiência difícil, muito difícil”, assegurou Ahal Besorai. .

Em janeiro do ano passado, mulheres israelitas que também foram reféns do Hamas em Gaza garantiram que aquelas que permanecem cativas estão a ser alvo de abusos sexuais por parte do grupo islamita palestiniano. Numa comissão parlamentar israelita, afirmaram que algumas dessas reféns estão a ser tratadas como bonecas pelos seus guardiões. “Os terroristas trazem roupas inadequadas, roupas para bonecas, e transformam as meninas nas suas bonecas. Bonecas com corda com as quais podem fazer o que quiserem, quando quiserem”, disse a ex-refém Aviva Siegel, que acrescentou ter visto estas cenas quando foi mantida em cativeiro. Siegel disse ainda que há rapazes cativos que “também sofrem abusos sexuais”.