EUA. Apoio total a Israel na base de duas formas de abordar guerra com Hamas


A administração de Joe Biden assentava a diplomacia no multilateralismo e coordenação das negociações com aliados. Já Donald Trump privilegia uma aproximação unilateral, derrota do Hamas e propõe que EUA assumam controlo da Faixa de Gaza.


AFP

A mais recente proposta de cessar-fogo apresentada pelos EUA para o conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas foi mediada por Steve Witkoff, enviado especial do presidente Donald Trump para o Médio Oriente.

A proposta, divulgada em 31 de maio de 2025, busca estabelecer uma trégua de 60 dias, com a troca de 10 reféns israelitas por aproximadamente 1.200 prisioneiros palestinos, além de permitir a entrada de ajuda humanitária coordenada pelas Nações Unidas.

A nomeação de Witkoff como enviado especial norte-americano é exemplo das diferenças de abordagem ao conflito por parte das administrações de Joe Biden, ainda presidente dos EUA quando começou a guerra entre Israel e o Hamas, e o atual líder Donald Trump.

A transição entre administrações trouxe mudanças significativas na abordagem dos EUA, em especial no que diz respeito ao processo negocial, à política externa e à retórica diplomática.

O primeiro mandato de Trump, entre 2017 e 2021, foi marcado por um forte apoio unilateral a Israel, tendo o líder norte-americano cortando laços com os palestinos, incluindo encerrar a missão da OLP (Organização de Libertação da Palestina) em Washington e o corte no financiamento à UNRWA (agência da ONU para refugiados palestinianos).

O presidente dos EUA reconheceu Jerusalém como capital de Israel e mudou a embaixada dos EUA para a cidade, o que foi visto como uma rutura com a tradicional política de neutralidade dos Estados Unidos e privilegiou soluções bilaterais diretas, ignorando fóruns multilaterais, como a ONU.

Diplomacia de coordenação Em 2021, Biden tentou restaurar o papel dos EUA como mediador mais tradicional e confiável, mas mantendo o forte apoio a Israel. Restabeleceu ajuda humanitária e restaurou relações com autoridades palestinianas, favorecendo a solução de dois Estados, mas sem pressionar Israel para isso, e preferindo uma diplomacia de coordenação com aliados como Egito, Catar e Jordânia em vez de ações unilaterais.

Depois dos ataques de 7 de outubro, Biden expressou apoio incondicional a Israel, afirmando que os EUA estavam ao lado do país frente aos ataques terroristas. Reafirmou o apoio firme à segurança de Israel e à sua ofensiva militar em Gaza, mas colocou pressão para minimizar vítimas civis e permitir ajuda humanitária. Chegou a pedir pausas humanitárias e, posteriormente, um cessar-fogo temporário, envolvendo os EUA em negociações para uma trégua, libertação de reféns e envio de ajuda humanitária. O ataque israelita a Rafah e a falta de um plano para Gaza pós-Hamas foram temas de divergência com o primeiro-ministro israelita, Benjamim Netanyahu.

Em janeiro de 2025, mesmo no final do seu mandato anunciou um acordo de cessar-fogo em três fases: retirada das forças israelitas de áreas povoadas de Gaza, liberação de reféns e prisioneiros palestinos, e reconstrução da região.

Durante o mandato de Biden, os EUA enviaram aproximadamente 1,2 mil milhões de dólares (1,04 mil milhões de euros) em ajuda humanitária para os palestinianos e cerca de 17,9 mil milhões em apoio militar a Israel. Criticou muitas das ações militares israelitas que resultaram em elevadas baixas civis, mas sempre reiterou o direito de Israel à autodefesa.

Derrotar o Hamas

Quando tomou posse em janeiro deste ano, Trump expressou de imediato apoio irrestrito a Israel e salientou a necessidade de derrotar o Hamas. Em fevereiro de 2025, Trump propôs que os EUA assumissem o controlo da Faixa de Gaza, deslocando os cerca de 2 milhões de palestinianos e limpando a zona. A proposta, também conhecida como a criação da ‘Riviera do Médio Oriente’, foi amplamente criticada por violar o direito internacional.

Na altura, o presidente Donald Trump disse que os “Estados Unidos vão assumir o controlo da Faixa de Gaza e vamos desenvolver trabalho no local. Seremos os seus donos e também responsáveis pelo desmantelamento de todas as bombas perigosas não detonadas e de outras armas existentes no local”.

Sem regresso das pessoas

Trump disse ainda que os EUA vão trabalhar para desenvolver economicamente a área depois de limpos os destroços causados pelos edifícios destruídos. “Não acho que as pessoas devam regressar”, referiu Trump. “Não se pode viver em Gaza neste momento. Acho que precisamos de outro local. Penso que deve ser um local que faça as pessoas felizes”.

O presidente norte-americano anunciou ainda um pacote de ajuda militar de 14 mil milhões de dólares a Israel, com o objetivo de apoiar suas operações contra o Hamas.

A proposta de Trump gerou tensões com aliados tradicionais dos EUA e organizações internacionais, que consideraram a abordagem unilateral e punitiva como um retrocesso nos esforços de paz.

Esforços de paz que parecem ser infrutíferos, uma vez que a mais recente proposta norte-americana foi rejeitada pelo Hamas, que exige um cessar-fogo permanente, retirada das tropas israelitas da Faixa de Gaza e garantias de reconstrução da da região.

Steve Witkoff classificou a resposta do Hamas como “totalmente inaceitável” e afirmou que “apenas retrocede” o processo de paz.

Também o primeiro-ministro israelita classificou de “inaceitável” a contraproposta do Hamas. Benjamin Netanyahu acusa o Hamas de se manter “firme na sua recusa” e garante que “Israel continuará as suas ações pela devolução dos nossos reféns e pela derrota do Hamas”, declarou o chefe do governo israelita.

Já o gabinete político do Hamas afirma que as emendas do grupo à proposta dos não procuram “condições políticas, mas um mínimo de dignidade humana”, após 19 meses de bombardeios israelitas.

Mediação por proximidade

Enviado especial dos EUA defende que Hamas desarme e deixe Gaza.

Steve Witkoff é um conhecido empresário e investidor norte-americano do setor imobiliário. Fundador do Witkoff Group, uma das principais empresas de investimentos e desenvolvimento imobiliário nos EUA. Nascido em Nova York, licenciou-se pela Universidade do Michigan e iniciou sua carreira no setor financeiro, antes de se mudar para o imobiliário. Witkoff é reconhecido pela reabilitação de imóveis e criação de empreendimentos em mercados difíceis, bem como pela sua filantropia em áreas como a saúde ou educação.

Amigo próximo do presidente dos EUA, Witkoff foi nomeado por Donald Trump como enviado especial dos EUA para o Médio Oriente em novembro de 2024. Apesar de não ter experiência diplomática, desempenhou um papel crucial nas negociações de cessar-fogo entre Israel e Hamas, utilizando uma abordagem direta e assertiva, alinhada com o estilo de liderança de Trump. O enviado especial foi fundamental na mediação de um acordo de cessar-fogo de seis semanas em janeiro de 2025, que envolveu a troca de 33 reféns israelitas por cerca de mil prisioneiros palestinos. Na altura, disse ao primeiro-ministro de Israel, para concordar com o cessar-fogo a que se tinha esquivado durante tanto tempo. “O presidente tem sido um grande amigo de Israel”, disse Witkoff a Benjamin Netanyahu, segundo o Wall Street Journal, “e agora é altura de devolver essa amizade”.

Witkoff trabalhou no cessar-fogo em Gaza com o seu homólogo da administração Biden, Brett McGurk, durante a transição, num raro exemplo de cooperação bipartidária. “Brett McGurk foi ótimo para a administração Biden”, recordou. “Trabalhámos em colaboração”. Witkoff, com uma personalidade muito mais calorosa do que o seu antecessor desenvolveu relações com as famílias dos reféns. “Tenho muita empatia porque perdi um filho”, disse. “Por isso, falo com estas famílias que perderam filhos e que querem os corpos dos seus filhos de volta tanto como as famílias que têm filhos vivos.” Além do seu papel nas negociações, Witkoff sugeriu que o Hamas deveria desarmar-se e deixar a Faixa de Gaza como condição para uma paz duradoura. O enviado especial dos EUA afirmou que o grupo terrorista “não tem alternativa” a não ser desarmar-se e sair da região para possibilitar um acordo de paz.