Nuclear. Entraves financeiros e ideológicos ditam falta  de aposta em Portugal

Nuclear. Entraves financeiros e ideológicos ditam falta  de aposta em Portugal


A União Europeia prepara-se para classificar a energia nuclear como verde, pondo-a em pé de igualdade com as energias renováveis. Mas Portugal continua de costas voltadas para este tipo de energia.


A produção de energia nuclear tem voltado a estar na ordem do dia. Ainda estes dias, Donald Trump anunciou que querer quadruplicar a produção de energia nuclear nos próximos 25 anos. Também a Bélgica pôs fim à sua lei nacional de abandono da energia nuclear. Uma  decisão que vai ao encontro do clima político europeu, mais favorável a esta fonte de energia. Já a França, que conta com 57 reatores, anunciou em 2022 um novo programa de entre seis e 14 reatores, estando a conclusão do primeiro prevista para 2038. E a União Europeia prepara-se para classificar a energia nuclear como verde, pondo-a em pé de igualdade com as energias renováveis.

É certo que os gigantes tecnológicos têm dado um novo impulso a esta fonte de energia. A crescente eletrificação da economia e o aumento da procura de energia por parte de setores como a inteligência artificial, os data centers e a computação de alto desempenho têm levado gigantes tecnológicos a considerar fontes de energia mais estáveis e previsíveis, como o nuclear. Empresas como a Microsoft e a Google já demonstraram interesse em pequenas centrais nucleares modulares para garantir fornecimento energético contínuo e sem emissões.

Para já, Portugal continua a estar de costas voltadas ao nuclear. Ao i, Paulo Monteiro Rosa, economista do Banco Carregosa, lembra que o nuclear em Portugal teve um momento decisivo em 1976, quando o Governo ponderou a construção de uma central nuclear em Peniche para reduzir a dependência energética do país.

Uma ideia que tinha ganho força devido à crise petrolífera de 1973, agravada posteriormente pelo segundo choque petrolífero em 1979. No entanto, o projeto encontrou forte oposição popular e política, levando ao seu arquivamento. “Desde então, Portugal nunca avançou com centrais nucleares, apostando progressivamente nas fontes renováveis, inicialmente na energia hidroelétrica e, a partir da década de 1990, na energia eólica e solar. Apesar disso, o país teve um reator nuclear de investigação, o Reator Português de Investigação (RPI), localizado em Sacavém, que foi inaugurado em 1961 e permaneceu em funcionamento até ser desativado em 2006”, salienta.

Um cenário que leva Paulo Monteiro Rosa a admitir que o nosso país continua fortemente dependente dos combustíveis fósseis, com o petróleo e o gás natural a representarem 66% da matriz energética primária (ver gráfico). “Apesar do crescimento das energias renováveis, estas ainda representam apenas 16% da matriz primária, distribuídas entre hídrica (5,4%) e eólica, solar e geotérmica (10,3%). Além disso, os biocombustíveis e resíduos correspondem a 18,3%, mas incluem a queima de biomassa e a incineração de resíduos, processos que também libertam CO2”, acrescenta o responsável.

E vai mais longe: “A eletrificação da economia e a expansão das energias renováveis são essenciais para a descarbonização, mas enfrentam desafios significativos. A energia eólica e solar são intermitentes, ou seja, a produção de eletricidade varia conforme as condições meteorológicas. Sem vento ou sol, a produção diminui acentuadamente, tornando fundamental um sistema eficiente de armazenamento, que ainda não existe à escala necessária. A energia hídrica é mais estável, mas depende da disponibilidade de recursos hídricos e da localização das barragens, o que pode gerar constrangimentos na distribuição da eletricidade”.

Já ao Nascer do SOL, o empresário Patrick Monteiro de Barros tinha reconhecido que só era possível descarbonizar até 2050 com a energia nuclear, defendendo que uma central nuclear tem uma pegada carbónica menor do que qualquer outra fonte de energia. E em relação às críticas que são feitas não hesitou: “São críticas que não têm a mínima validade, a energia nuclear é das mais limpas”.

Receio coloca entraves

Bruno Soares Gonçalves, investigador coordenador do Instituto Superior Técnico já admitiu ao nosso jornal que o nuclear “é uma arma de descarbonização” e lembra que tem um número de vítimas muito menor do que qualquer outra forma de energia. “As pessoas têm tendência para ter muito medo do nuclear, mas na realidade não nos podemos esquecer que o nuclear é uma arma de descarbonização maciça porque, em termos de emissões, é a energia que menos emissões tem por quilowatt-hora produzida. Estamos a falar de cinco a seis gramas por quilowatt-hora tendo em conta toda o ciclo de vida do nuclear, desde a prospeção do minério, construção e desmantelamento”.

E reconhece que esse receio é fruto dos acidentes que houve e daquilo que foi o nascimento bélico do nuclear. Mas lembra que o tipo de reatores onde esses acidentes aconteceram não refletem aquilo que é o nuclear hoje em dia. “A indústria aprendeu muito com os acidentes e tem evoluído no sentido de ser cada vez mais segura. É a forma de energia elétrica que menos mortes tem por energia produzida, no mundo há mais de 440 reatores a operar com grande fiabilidade e estão 80 a 90% do tempo a produzir energia elétrica de forma segura”.

De acordo com Bruno Soares Gonçalves, ainda temos um caminho pela frente no sentido de combater os mitos. “Nada disto se faz sem uma forte consciencialização da população, o chamado contrato social. E isto faz-se estabelecendo um contrato social com a população que compreende o que é que está a ser dado, o porquê e os benefícios. Há, neste momento, países em que os municípios se estão a bater uns com os outros para terem lá centrais nucleares. Na Polónia isso está a acontecer, na Finlândia já aconteceu e na Estónia também. Porquê? Porque ao terem uma central nuclear atrai trabalhadores especializados e estes desenvolvem a região e a economia local. Há países onde os municípios compreendem isto e têm vindo a debater esta questão. Agora é preciso envolver a população, não pode ser como aconteceu no lítio que é imposto à população de repente, sem explicar o porquê e as suas vantagens. É diferente consciencializar a população e conseguir um contrato social do que forçar a população a aceitar”.

Prós e contras

De acordo com Paulo Monteiro Rosa, a energia nuclear apresenta vantagens como a produção contínua de eletricidade sem emissões de CO2, garantindo um fornecimento estável e fiável, independentemente das condições meteorológicas, contribuindo assim para a meta da neutralidade carbónica em 2050. “Com novas tecnologias, como os Pequenos Reatores Modulares (SMRs), os custos de construção são significativamente reduzidos e a segurança reforçada, eliminando riscos como os de Fukushima”.

No entanto, admite que ainda enfrenta custos iniciais relativamente elevados, mesmo com as tecnologias mais recentes, “embora muito inferiores aos das centrais nucleares tradicionais. Além disso, persistem desafios na gestão de resíduos radioativos e receios sobre acidentes nucleares, fatores que continuam a gerar forte oposição”.

Já Vítor Madeira, analista da XTB, acena com a produção contínua e estável, sem dependência de condições meteorológicas, com a elevada densidade energética, permitindo gerar grandes quantidades de eletricidade com menos recursos, zero emissões diretas de CO2, e uma menor necessidade de território quando comparado com parques eólicos ou solares.

E aponta para o investimento inicial elevado e longo tempo de construção das centrais que exige, assim como o risco associado a acidentes, reconhecendo que a tecnologia moderna tenha vindo a reduzir significativamente essa possibilidade e uma necessidade de forte capacidade técnica e regulatória. “Apesar de Portugal não ter esta capacidade desenvolvida, pertence a um quadro europeu que a detém. Além da resistência da opinião pública devido à perceção associada aos resíduos e à segurança, no entanto, o caso francês demonstra que muitas das críticas feitas ao nuclear não têm fundamento técnico sólido, mas sim origem em fatores políticos e na falta de conhecimento sobre as soluções disponíveis”.

Peso ideológico e financeiro

Paulo Monteiro Rosa admite que esta resistência à energia nuclear em Portugal resulta tanto de questões ideológicas como financeiras. “Por um lado, há uma forte influência política e ambientalista, que há décadas defende um modelo energético baseado exclusivamente em energias renováveis. Por outro lado, os elevados custos iniciais da energia nuclear, mesmo com as novas tecnologias como os Pequenos Reatores Modulares (SMRs), tornam o investimento menos atrativo e menos prioritário face ao rápido crescimento da energia solar e eólica. Além disso, o receio popular em relação à segurança e à gestão de resíduos radioativos reforça a oposição ao nuclear, tornando a decisão mais política do que meramente económica”, afirma o economista.

Mais crítico em relação a estas resistências é Patrick Monteiro de Barros que, na mesma entrevista, considerou que a política energética portuguesa é “um desastre”, tendo sido “elaborada e aprovada por políticos totalmente ignorantes na matéria e ‘apostaram’ em estratégias definidas por lobbies e consultores ao serviço dos seus patrocinadores políticos e privado”. De acordo com o empresário, as consequências estão à vista: “Um embuste gigantesco e o resultado é termos hoje uma eletricidade das mais caras da Europa, uma dívida tarifária que chegou a cinco mil milhões de euros e que continua altíssima. Agora, somos informados de que a rede nacional elétrica não é capaz de absorver no seu sistema as produções eólicas e solares que foram adjudicadas por concursos públicos e suas negociatas. Há também que recordar que a energia tem sido um campo privilegiado de casos de corrupção envolvendo membros do Governo e administradores de empresas do setor”, salientou.