Há “não é não” do PSD ao Chega nas autárquicas?


Pode ser difícil e cedo para responder, mas não é, seguramente, para perguntar, até porque é suposto não ofender.


Nota prévia: Como é evidente, a questão substancial da política neste momento é saber quem vai integrar o novo governo de Montenegro e, acessoriamente, se o caso da empresa familiar ainda pode voltar a condicionar o país por via da Justiça. Admitindo que esta última hipótese já não se coloque, é desejável que, desta vez, as escolhas governativas sejam mais acertadas em alguns setores. Administração Interna, núcleo político, assuntos parlamentares precisam de óbvias mexidas ministeriais. Mas há outras ao nível de secretarias de Estado que têm de ser repensadas e mudadas. Os ajudantes, como os definiu Cavaco de forma menos feliz, são muitas vezes a chave do sucesso ou do insucesso. Veja-se, por exemplo, como uma ministra da Saúde competente, mas inábil dialeticamente, foi destruída pela sua entourage imediata.

1. É verdade que ainda não está sequer feito o apuramento das legislativas, o que sucederá amanhã, dia 28 de Maio (raio de data!). Tal não impede de se refletir sobre as Autárquicas, as maiores e mais complexas eleições nacionais. Envolvem 308 municípios, mais de 3 mil freguesias, a que correspondem outras tantas assembleias municipais e de freguesia. É uma monstruosidade a que concorrem dezenas de milhares de cidadãos, de partidos e coligações de toda a espécie e até mesmo só de “independentes”. Basta lembrar que a cada eleitor correspondem três boletins de voto, que podem ser diferentes uns dos outros. Neste gigantesco puzzle, cada caso é um caso e há de tudo, dos sérios aos oportunistas, passando pelos ressabiados com ou sem razão. Ora, as legislativas mostraram que temos hoje em Portugal uma força política de direita radical, o Chega, que está consolidada. Ao ponto de ter ultrapassado o PS que foi sempre o primeiro ou o segundo em legislativas, sendo, atualmente, o maior partido autárquico nacional. Como é evidente, o PS, qualquer que seja a sua liderança, não fará acordos com o Chega nas locais. Mas é legítimo perguntar ao PSD se o “não é não” aplicado no governo nacional vai ou não ser imposto nas autarquias, ou se há margem para decisões em função de cada circunstância. Para o Chega, que vive de uma figura única ao jeito de uma igreja evangélica, o desafio autárquico é o mais difícil. Por mais estranho que pareça, há ainda alguma (menor é certo) reserva em se assumir o voto no Chega e mais ainda a filiação. Para além disso, é um facto que militantes e deputados do Chega não têm em regra estofo, qualidade e currículo para ministros, deputados e mesmo para assumirem o comando de Câmaras e Freguesias. Prova disso é que Ventura anunciou a criação de um governo sombra não escondendo que vai ter de recrutar fora das fileiras do partido. Nas anteriores Autárquicas verificou-se que a qualidade média dos eleitos de Ventura era péssima, estavam desalinhados e acabaram por abandonar os lugares e/ou o partido. Embora o quadro possa ter melhorado, é duvidoso que a qualidade impere. É certo que nas eleições locais, sobretudo com o surgimento dos “independentes”, tem havido casos extraordinários de coligações inesperadas e até antinatura. Há também as inevitáveis transferências de despeitados que podem voltar a dar jeito a Ventura. Mas mesmo assim não basta. Para crescer dariam jeito coligações ainda que pontuais. Daí que seja importante esclarecer a relação do PSD e, acessoriamente, do CDS relativamente a entendimentos com o Chega nas autarquias. É provável que, nesta fase, qualquer político da maioria tenderá a responder a esta matéria com evasivas, alegando a necessidade de se refletir e ponderar primeiro na questão da formação do governo e passagem do seu programa. Percebe-se. Mesmo assim fica a pergunta para Luís Montenegro, para o PSD e para a AD: o “não é não” aplica-se às Autárquicas? Sim ou não?

2. À maneira lusitana, o PS decidiu agir primeiro e refletir depois, adiando uma ponderação sobre as causas do naufrágio legislativo. Desde logo porque o presidente Carlos César não se mostrou disponível para assumir a liderança numa altura em que se preparam Autárquicas e Presidenciais. Percebe-se. O fardo era pesadíssimo. E também seria negativo para o PS entrar numa autoflagelação quando se tornou óbvio que falhou a estratégia de esquerda “à outrance” de Pedro Nuno Santos, que ele já defendia no costismo. A PNS (será que fica como deputado?) só havia, portanto, uma única via alternativa, ativa e constituída: a de José Luís Carneiro, que deve concorrer sozinho nas diretas para secretário-geral. Partindo de tão baixo, Carneiro tem muito a ganhar. Basta que consiga bater-se taco a taco com o PSD nas Autárquicas e até eventualmente ganhar, senão o Porto, Sintra e alguns municípios emblemáticos, pelo menos o maior número de câmaras e freguesias, mantendo o PS à frente no país autárquico, o mais real. Uma vitória ou uma não derrota absoluta seria um balão de oxigénio para a credibilidade de uma alternativa socialista que precisa de ser reconstruída. Por outro lado, verificou-se que Mariana Vieira da Silva (costista, com pontes para todas as tendências por via paterna, um sobrevivente do calamitoso socratismo) e Fernando Medina (um tanto despeitado) decidiram não ir à luta contra José Luís Carneiro. No fundo, alegam a precipitação do processo. Mas não têm razão, dada a decisão de César e analisada a premência política. Há que arriscar. Só Carneiro avançou. Já o tinha feito contra PNS, quando recolheu 36% dos votos. Noutros quadrantes do partido também ninguém se atravessou. Sousa Pinto, O Eloquente, encolheu-se. Logo ele que saiu das listas por ter sido destratado e colocado atrás de uma rapper. A valentia dialética de Alexandra Leitão desvaneceu-se. Ana Catarina Mendes, mãe da invasão indostânica, e o sempre falado Francisco Assis ficaram-se pelas cadeiras de sonho de eurodeputados. Verifica-se, entretanto, uma discreta tendência futurista que refere Duarte Cordeiro como o mais transversal. Também ele optou por se manter apenas no comentariado, depois de o terem incomodado judicialmente. Contracena bem com um experiente Santana no canal Now para o que der e vier. No PS serve-se Carneiro, mas já se pensa em Cordeiro. Está na nossa tradição social estarem sempre alguns sentados à espreita. Mas, na altura própria, muitos ficam-se pelas cortesias e não saltam para a arena. José Luís Carneiro não é desses. É uma diferença positiva que remete para Mário Soares. Joga forte, mas é moderado e dialogante quando é preciso.

3. Ainda no PS, há outra questão que parece resolvida: as Presidenciais. É mais do que improvável a candidatura de António Vitorino no atual contexto. Além da falta de condições objetivas pessoais por via das suas múltiplas atividades profissionais e políticas atuais e passadas, percebeu-se pela sua postura como comentador na noite eleitoral que lhe falta o ânimo, a vontade e uma base razoável de sustentação. Ser inteligente, experiente e dado ao trocadilho não basta e ele não é um homem de campanhas eleitorais. Fica aberto o caminho para António José Seguro avançar, já com Marques Mendes e Gouveia e Melo no terreno. O PS tem de ter um candidato credível e Seguro preenche o requisito. Ser-lhe-ia difícil passar à segunda volta, mas não é impossível. E aí a sua palavra e apoio poderiam ser determinantes para Marques Mendes, se este passar. Claro que falta saber se Ventura também se vai atirar a esta corrida, o que tornaria mesmo inevitável a segunda volta. Uma coisa é certa. Se o Chega apresentar alguém fraco ou apoiar o almirante, pode pagar caro adiante, uma vez que Gouveia e Melo não simpatiza minimamente com o partido, como se deduz das poucas declarações públicas que produziu nos últimos meses.

4. Uma das especificidades das televisões generalistas portuguesas é terem um largo comentário ao domingo, no jornal das 20. Esta prática foi iniciada com estrondoso sucesso por Marcelo Rebelo de Sousa (já com anteriores incursões na RR e TSF), seguindo-se Marques Mendes também com audiências monumentais e Paulo Portas, na TVI, onde nesta altura pontifica sozinho. É, no entanto, evidente que a vaga de Mendes tem de ser preenchida no grupo Balsemão. Miguel Morgado, um social-democrata, professor universitário, com boa pinta, independente dentro do seu espaço e devidamente irreverente, é apontado como o mais provável. Já tem um programa a solo na SIC Notícias e comparece em diálogos regulares com o socialista Prata Roque que arrasa sistematicamente. Morgado já foi deputado e “maître à penser” de Passos Coelho. Não é pessoa de bloquear cenários futuros por preconceito e tem uma análise aberta e informada. Poderia ser um trunfo numa altura em que os serões de domingo sabem a pouco e não dão pistas à preguiça jornalística.

5. Fernando Araújo, primeiro da lista do PS ao Parlamento pelo Porto, não vai assumir o lugar de deputado. Diz que prefere ajudar o SNS como médico. Na verdade, queria era ser ministro da Saúde e acertar umas contas. Falhou e enganou os eleitores. Lá diz o povo português na sua milenar sabedoria: quem não tem vergonha, todo o mundo é seu.

Há “não é não” do PSD ao Chega nas autárquicas?


Pode ser difícil e cedo para responder, mas não é, seguramente, para perguntar, até porque é suposto não ofender.


Nota prévia: Como é evidente, a questão substancial da política neste momento é saber quem vai integrar o novo governo de Montenegro e, acessoriamente, se o caso da empresa familiar ainda pode voltar a condicionar o país por via da Justiça. Admitindo que esta última hipótese já não se coloque, é desejável que, desta vez, as escolhas governativas sejam mais acertadas em alguns setores. Administração Interna, núcleo político, assuntos parlamentares precisam de óbvias mexidas ministeriais. Mas há outras ao nível de secretarias de Estado que têm de ser repensadas e mudadas. Os ajudantes, como os definiu Cavaco de forma menos feliz, são muitas vezes a chave do sucesso ou do insucesso. Veja-se, por exemplo, como uma ministra da Saúde competente, mas inábil dialeticamente, foi destruída pela sua entourage imediata.

1. É verdade que ainda não está sequer feito o apuramento das legislativas, o que sucederá amanhã, dia 28 de Maio (raio de data!). Tal não impede de se refletir sobre as Autárquicas, as maiores e mais complexas eleições nacionais. Envolvem 308 municípios, mais de 3 mil freguesias, a que correspondem outras tantas assembleias municipais e de freguesia. É uma monstruosidade a que concorrem dezenas de milhares de cidadãos, de partidos e coligações de toda a espécie e até mesmo só de “independentes”. Basta lembrar que a cada eleitor correspondem três boletins de voto, que podem ser diferentes uns dos outros. Neste gigantesco puzzle, cada caso é um caso e há de tudo, dos sérios aos oportunistas, passando pelos ressabiados com ou sem razão. Ora, as legislativas mostraram que temos hoje em Portugal uma força política de direita radical, o Chega, que está consolidada. Ao ponto de ter ultrapassado o PS que foi sempre o primeiro ou o segundo em legislativas, sendo, atualmente, o maior partido autárquico nacional. Como é evidente, o PS, qualquer que seja a sua liderança, não fará acordos com o Chega nas locais. Mas é legítimo perguntar ao PSD se o “não é não” aplicado no governo nacional vai ou não ser imposto nas autarquias, ou se há margem para decisões em função de cada circunstância. Para o Chega, que vive de uma figura única ao jeito de uma igreja evangélica, o desafio autárquico é o mais difícil. Por mais estranho que pareça, há ainda alguma (menor é certo) reserva em se assumir o voto no Chega e mais ainda a filiação. Para além disso, é um facto que militantes e deputados do Chega não têm em regra estofo, qualidade e currículo para ministros, deputados e mesmo para assumirem o comando de Câmaras e Freguesias. Prova disso é que Ventura anunciou a criação de um governo sombra não escondendo que vai ter de recrutar fora das fileiras do partido. Nas anteriores Autárquicas verificou-se que a qualidade média dos eleitos de Ventura era péssima, estavam desalinhados e acabaram por abandonar os lugares e/ou o partido. Embora o quadro possa ter melhorado, é duvidoso que a qualidade impere. É certo que nas eleições locais, sobretudo com o surgimento dos “independentes”, tem havido casos extraordinários de coligações inesperadas e até antinatura. Há também as inevitáveis transferências de despeitados que podem voltar a dar jeito a Ventura. Mas mesmo assim não basta. Para crescer dariam jeito coligações ainda que pontuais. Daí que seja importante esclarecer a relação do PSD e, acessoriamente, do CDS relativamente a entendimentos com o Chega nas autarquias. É provável que, nesta fase, qualquer político da maioria tenderá a responder a esta matéria com evasivas, alegando a necessidade de se refletir e ponderar primeiro na questão da formação do governo e passagem do seu programa. Percebe-se. Mesmo assim fica a pergunta para Luís Montenegro, para o PSD e para a AD: o “não é não” aplica-se às Autárquicas? Sim ou não?

2. À maneira lusitana, o PS decidiu agir primeiro e refletir depois, adiando uma ponderação sobre as causas do naufrágio legislativo. Desde logo porque o presidente Carlos César não se mostrou disponível para assumir a liderança numa altura em que se preparam Autárquicas e Presidenciais. Percebe-se. O fardo era pesadíssimo. E também seria negativo para o PS entrar numa autoflagelação quando se tornou óbvio que falhou a estratégia de esquerda “à outrance” de Pedro Nuno Santos, que ele já defendia no costismo. A PNS (será que fica como deputado?) só havia, portanto, uma única via alternativa, ativa e constituída: a de José Luís Carneiro, que deve concorrer sozinho nas diretas para secretário-geral. Partindo de tão baixo, Carneiro tem muito a ganhar. Basta que consiga bater-se taco a taco com o PSD nas Autárquicas e até eventualmente ganhar, senão o Porto, Sintra e alguns municípios emblemáticos, pelo menos o maior número de câmaras e freguesias, mantendo o PS à frente no país autárquico, o mais real. Uma vitória ou uma não derrota absoluta seria um balão de oxigénio para a credibilidade de uma alternativa socialista que precisa de ser reconstruída. Por outro lado, verificou-se que Mariana Vieira da Silva (costista, com pontes para todas as tendências por via paterna, um sobrevivente do calamitoso socratismo) e Fernando Medina (um tanto despeitado) decidiram não ir à luta contra José Luís Carneiro. No fundo, alegam a precipitação do processo. Mas não têm razão, dada a decisão de César e analisada a premência política. Há que arriscar. Só Carneiro avançou. Já o tinha feito contra PNS, quando recolheu 36% dos votos. Noutros quadrantes do partido também ninguém se atravessou. Sousa Pinto, O Eloquente, encolheu-se. Logo ele que saiu das listas por ter sido destratado e colocado atrás de uma rapper. A valentia dialética de Alexandra Leitão desvaneceu-se. Ana Catarina Mendes, mãe da invasão indostânica, e o sempre falado Francisco Assis ficaram-se pelas cadeiras de sonho de eurodeputados. Verifica-se, entretanto, uma discreta tendência futurista que refere Duarte Cordeiro como o mais transversal. Também ele optou por se manter apenas no comentariado, depois de o terem incomodado judicialmente. Contracena bem com um experiente Santana no canal Now para o que der e vier. No PS serve-se Carneiro, mas já se pensa em Cordeiro. Está na nossa tradição social estarem sempre alguns sentados à espreita. Mas, na altura própria, muitos ficam-se pelas cortesias e não saltam para a arena. José Luís Carneiro não é desses. É uma diferença positiva que remete para Mário Soares. Joga forte, mas é moderado e dialogante quando é preciso.

3. Ainda no PS, há outra questão que parece resolvida: as Presidenciais. É mais do que improvável a candidatura de António Vitorino no atual contexto. Além da falta de condições objetivas pessoais por via das suas múltiplas atividades profissionais e políticas atuais e passadas, percebeu-se pela sua postura como comentador na noite eleitoral que lhe falta o ânimo, a vontade e uma base razoável de sustentação. Ser inteligente, experiente e dado ao trocadilho não basta e ele não é um homem de campanhas eleitorais. Fica aberto o caminho para António José Seguro avançar, já com Marques Mendes e Gouveia e Melo no terreno. O PS tem de ter um candidato credível e Seguro preenche o requisito. Ser-lhe-ia difícil passar à segunda volta, mas não é impossível. E aí a sua palavra e apoio poderiam ser determinantes para Marques Mendes, se este passar. Claro que falta saber se Ventura também se vai atirar a esta corrida, o que tornaria mesmo inevitável a segunda volta. Uma coisa é certa. Se o Chega apresentar alguém fraco ou apoiar o almirante, pode pagar caro adiante, uma vez que Gouveia e Melo não simpatiza minimamente com o partido, como se deduz das poucas declarações públicas que produziu nos últimos meses.

4. Uma das especificidades das televisões generalistas portuguesas é terem um largo comentário ao domingo, no jornal das 20. Esta prática foi iniciada com estrondoso sucesso por Marcelo Rebelo de Sousa (já com anteriores incursões na RR e TSF), seguindo-se Marques Mendes também com audiências monumentais e Paulo Portas, na TVI, onde nesta altura pontifica sozinho. É, no entanto, evidente que a vaga de Mendes tem de ser preenchida no grupo Balsemão. Miguel Morgado, um social-democrata, professor universitário, com boa pinta, independente dentro do seu espaço e devidamente irreverente, é apontado como o mais provável. Já tem um programa a solo na SIC Notícias e comparece em diálogos regulares com o socialista Prata Roque que arrasa sistematicamente. Morgado já foi deputado e “maître à penser” de Passos Coelho. Não é pessoa de bloquear cenários futuros por preconceito e tem uma análise aberta e informada. Poderia ser um trunfo numa altura em que os serões de domingo sabem a pouco e não dão pistas à preguiça jornalística.

5. Fernando Araújo, primeiro da lista do PS ao Parlamento pelo Porto, não vai assumir o lugar de deputado. Diz que prefere ajudar o SNS como médico. Na verdade, queria era ser ministro da Saúde e acertar umas contas. Falhou e enganou os eleitores. Lá diz o povo português na sua milenar sabedoria: quem não tem vergonha, todo o mundo é seu.