A partir de 1 de julho de 2007, com a criação do Mercado Ibérico de Eletricidade (MIBEL), Portugal passou a ter acesso, de acordo com vários responsáveis do setor, a preços de energia mais baixos. A ideia do Governo, na altura, era avançar com um processo de cooperação desenvolvido pelos Governos de Portugal e de Espanha com o objetivo da integração dos sistemas elétricos dos dois países.
Para a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), “a atividade desde então desenvolvida no âmbito do MIBEL representa não só um contributo significativo para a concretização do mercado de energia elétrica a nível ibérico, como um passo importante para a construção do mercado único europeu de energia”.
E defende que “o processo de harmonização e desenvolvimento do quadro do MIBEL tem como objetivo beneficiar os consumidores ibéricos, na medida em que permite que adquiram energia em regime de livre concorrência a qualquer produtor ou comercializador que atue em Portugal ou Espanha, e assegurar o acesso de todos os agentes ao mercado em condições de igualdade de tratamento, transparência e de objetividade, num quadro jurídico estável e em linha com a legislação e regulamentação europeia”.
No entanto, a ideia não é ficar por aqui. Na semana passada, a ministra do Ambiente e Energia pediu em Bruxelas que haja um reforço e aceleração das ligações elétricas entre a Península Ibérica e França. Trata-se, segundo o Ministério, de uma iniciativa concertada entre os dois países ibéricos para promover uma maior integração energética com o resto da Europa.
É certo que este mercado ibérico de energia também deixou a nu outros problemas como o que se verificou com o apagão que afetou a Península Ibérica, uma vez que mostrou a nossa dependência em relação a Espanha, como alertou ao i um especialista em energia. “A situação não é normal. A REN presta um serviço público e quando se fecham potências firmes, que são aquelas que se podem regular, ficamos muito mais expostos. Importar um terço de Espanha é uma grande vulnerabilidade, pode-se importar de Espanha mas tem de se manter a segurança, o que não aconteceu porque o sistema caiu redondo no chão assim que os espanhóis colapsaram, era como se fôssemos uma província de Espanha”, confessou.
Essa dependência, de acordo com o mesmo especialista, começou em 2021 com o encerramento das centrais a carvão de Sines e do Pego. “Se temos um sistema que é baseado basicamente em intermitentes, como solares e fotovoltaicas, se de repente há alguma oscilação precisa de recuperar, as fotovoltaicas e os solares não dão mais porque não vai haver mais sol nem mais vento. Para compensar só recorrendo a uma central térmica, que tem alguma margem para aumentar. Neste caso, se está a 90%, ou mesmo que esteja a 95, pode subir para 100 e aí pode equilibrar o sistema. E isso dá proteções”, salientou.
Importações voltam a subir Ainda na semana passada, a REN -Redes Energéticas Nacionais revelou que já aumentou o limite das importações de eletricidade de Espanha nas horas de sol e retirou as restrições em vigor para as restantes. “Após o apagão em 28 de abril optou por restringir as compras de energia a partir do país vizinho, a capacidade de interligação entre Portugal e Espanha, no sentido importador, será limitada a 1.500 MW entre as 9h e as 20h “não existindo restrições nas restantes horas, durante o período de 19 a 26 de maio”, disse a elétrica.
Até agora, as importações estavam limitadas a 1.000 MW entre as 9h e as 19h e a 2.200 MW nas restantes horas, ou seja, fora das horas de sol.
Renováveis. O futuro da energia? Também é certo que as renováveis têm cada vez mais peso na produção da energia. Os dados da Associação de Energias Renováveis (APREN) mostram que, entre 1 de janeiro e 30 de abril deste ano foram gerados 18 472 Gigawatt-hora (GWh) de eletricidade em Portugal Continental, dos quais 82,2% tiveram origem renovável. Só em abril foram responsáveis por mais de 83% da energia produzida. “A maior utilização dos recursos endógenos e renováveis portugueses para a produção de eletricidade tem alterado a composição do mix de produção de eletricidade em Portugal e tem, consecutivamente, desempenhado um papel cada vez mais determinante na satisfação do consumo, tendo sido bastante evidente em 2020 devido à queda no consumo resultante da pandemia da covid-19”, revela a APREN.
Dados que levam a que Portugal se mantenha como o 3.º país europeu com maior incorporação renovável na geração de eletricidade. Noruega (97,2%) e Dinamarca (83,3%) lideram o ranking.
Quanto a preços, nesse mesmo período, o valor médio horário registado no Mercado Ibérico de Eletricidade, em Portugal, representou um aumento de 91,1% face ao período homólogo do ano passado. E nos primeiros quatro meses do ano foram registadas 997 horas não consecutivas em que a geração renovável foi suficiente para suprir o consumo de eletricidade de Portugal continental. De acordo com os mesmos dados, as renováveis permitiram uma poupança económica de 878 milhões de euros em importações de energia, dividida entre gás natural (439 milhões) e eletricidade (439 milhões).
Para Pedro Amaral Jorge, CEO da APREN, “estes dados comprovam que as renováveis não são apenas um pilar ambiental, mas também económico, trazendo poupança aos consumidores e reduzindo a fatura de emissões de CO2. O setor está pronto para fazer mais, mas precisa de um modelo de mercado que reconheça e valorize este contributo estratégico”.
E se olharmos para os números de 2024, falamos de recordes. No ano passado, a energia renovável abasteceu 71% do consumo de eletricidade em Portugal, um recorde histórico. A energia eólica e a hidroelétrica contribuíram com 28% e 27% respetivamente. Já a fotovoltaica representou cerca de 10% e a biomassa 6%, segundo dados da REN.
A produção renovável totalizou 36,7 TWh, a mais elevada de sempre no sistema elétrico nacional. A eletricidade de origem renovável produzida em março de 2025 ultrapassou o consumo de Portugal Continental, atingindo 103,6% do consumo elétrico.
A tendência é, realmente, de crescimento no uso desta energia. Segundo dados da REN divulgados no início deste mês, a produção renovável abasteceu 90% do consumo total de eletricidade em Portugal durante o mês de abril. “Este resultado deveu-se às condições meteorológicas favoráveis, especialmente para a produção hidroelétrica, que registou um índice de produtibilidade de 1,52 (média histórica igual a 1)”, adianta a REN, acrescentando que a produção de energia eólica também teve “um bom desempenho”, com um índice de 1,10.
Já no que diz respeito à energia solar, o índice não ultrapassou os 0,67 “apesar do aumento consistente da potência instalada respetiva”.
A verdade é que Portugal tem sido um dos líderes europeus no uso das energias renováveis.
Os números mostram que, em 2024, a capacidade instalada de energias renováveis aumentou 8% face ao ano anterior com destaque para a entrada em funcionamento de novas centrais solares fotovoltaicas, que dizem respeito a 86% desse crescimento.
E é preciso relembrar ainda as metas para 2030: Portugal estabeleceu a meta de aumentar a participação das renováveis para 51% do consumo final de energia até esse ano, com o objetivo de atingir a neutralidade carbónica até 2045. Além disso, o nosso país pretende gerar 85% de eletricidade a partir de fontes renováveis até 2030.
Possíveis alterações Recentemente, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos colocou em consulta pública – a decorrer até ao dia 8 de julho deste ano -, a revisão do Regulamento Tarifário do Setor Elétrico que “tem por objetivo a atualização dos mecanismos e metodologias de regulação ao nível dos proveitos permitidos e da estrutura tarifária”.
Ao nível da estrutura tarifária, as alterações propostas “visam introduzir melhorias pontuais ao Regulamento Tarifário (RT), destacando-se a flexibilização na mudança entre opções tarifárias para os consumidores domésticos”. E, segundo o regulador, esta alteração vai permitir aos consumidores “em baixa tensão normal (BTN) com potência contratada até 20,7 kVA, alterar, na celebração de novos contratos, a sua opção tarifária que varia entre tarifa simples, bi-horária e tri-horária, eliminando-se a obrigação, atualmente em vigor, de permanência de doze meses”, possibilitando-se assim “a livre contratação de opções tarifárias concordantes com as ofertas disponíveis no mercado liberalizado”.
A ERSE defende ainda, no que diz respeito aos proveitos permitidos, “uma regulação exigente, que incentiva uma gestão economicamente eficiente das atividades reguladas”.
O regulador dá destaque à introdução de melhorias na regulação por incentivos, destacando o limite aos proveitos (revenue cap), para aumentar a eficiência nos custos totais e de aumentar a flexibilidade das atividades de transporte de energia elétrica e de distribuição de energia elétrica em Alta Tensão (AT) e Média Tensão (MT). Pela primeira vez, esta metodologia será aplicada às redes das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.