Aliança Democrática. O Luís quer continuar a trabalhar e sem a companhia do Chega

Aliança Democrática. O Luís quer continuar a trabalhar e sem a companhia do Chega


Montenegro pediu uma maioria maior e os portugueses fizeram-lhe a vontade: 33% dos eleitores deram a confiança à AD, desvalorizando o caso Spinumviva. O Governo garante que não fará uma coligação com o Chega e promete dialogar com todos os partidos.


Quando subiu ao palco montado na sede da noite eleitoral da Aliança Democrática, Luís Montenegro era um homem feliz. Depois de ter atravessado com dificuldade a multidão de apoiantes que se juntaram para festejar a vitória nas legislativas antecipadas, o primeiro-ministro subiu ao palco com a sensação de alívio de que os portugueses tinham sancionado a sua conduta pessoal e política no caso que provocou as eleições antecipadas: o da sua empresa familiar, a Spinumviva. Ao longo desse primeiro discurso, fez questão de deixar bem claro que foi assim que interpretou os resultados. E pessoalizou-os logo na primeira frase da noite: “Como dissemos na campanha, agora deixem o Luís trabalhar”.

E foi o Luís que esteve em palco naqueles primeiros minutos a fazer a defesa da honra. “O povo falou e exerceu o seu poder soberano e aprovou, de forma inequívoca, um voto de confiança no Governo, na AD e no primeiro-ministro”, afirmou antes de continuar: “Nestas eleições antecipadas, que não foram exigidas pelas pessoas, os políticos decidiram perguntar ao povo que programa queriam que fosse a base da governação e que primeiro-ministro queriam que fosse o coordenador da sua execução. A resposta foi clara: o programa é o da AD, o primeiro-ministro é o atual e todos devem ser capazes de dialogar e colocar o interesse nacional acima de qualquer outro interesse.” Continuando a interpretar a vontade popular, Montenegro garantiu ao país que “os portugueses não querem mais eleições antecipadas. Querem uma legislatura de quatro anos e exigem que todos honrem a sua palavra livre e democrática.” Depois indicou os princípios pelos quais vai gerir a relação com as restantes forças políticas. “Ao Governo e ao primeiro-ministro cabe aplicar o programa. Às oposições cabe respeitar e cumprir a vontade popular. O povo quer este governo e não quer outro. O povo quer este primeiro-ministro e não quer outro. O povo quer que este Governo e este primeiro-ministro respeitem e dialoguem com as oposições. Mas também quer que as oposições também respeitem e dialoguem com este governo e este primeiro-ministro.”

Prometeu depois continuar o trabalho que tem sido feito nos últimos 11 meses nas mais diversas áreas. Tarefas que, apesar de terem de ser levadas a cabo por um governo minoritário, irão provavelmente beneficiar de um contexto bastante diferente do do último ano.

Desde logo, a AD teve um resultado superior ao de toda a esquerda parlamentar junta. Depois, em vez dos dois deputados de diferença em relação ao Partido Socialista, passou a contar com uma bancada parlamentar com mais 31 elementos do que a do PS. Número que poderá subir depois de contados os votos da emigração. Para já, a AD obteve mais 140 mil votos do que há um ano, que se traduzem em mais nove deputados. Ao todo, 1,950 milhões de pessoas votaram na Aliança Democrática, naquele que foi o melhor resultado da coligação entre PSD e CDS desde 2015, quando Passos Coelho venceu as eleições para ver depois o governo rejeitado pela união das esquerdas. Com a queda do PS, multiplicou por 10 a diferença de votos entre a AD e o segundo partido mais votado: de 50 mil passou para mais de 550 mil.

Mais importante: Luís Montenegro será primeiro-ministro numa nova realidade parlamentar em que, muito provavelmente, o Chega será o segundo partido mais votado relegando o PS para um terceiro lugar inédito na história da democracia portuguesa. Por fim, pela primeira vez na história da democracia portuguesa, a direita, contando com o Chega, conseguiu obter uma maioria que lhe permite, sozinha, avançar para uma revisão constitucional. Um sonho antigo que, inesperadamente, o eleitorado concretizou numas eleições que ninguém queria.

E o “não é não”? Na noite eleitoral, o primeiro-ministro preferiu não ser claro se iria manter o famoso “não é não” a uma coligação com André Ventura. Questionado pelos jornalistas preferiu focar-se no próprio resultado da AD: “Esta maioria é uma maioria maior do que a que tínhamos há um ano. Portugal é um país com estabilidade económica, financeira e social. Cabe a todos os que receberam mandato do povo que contribuam para a estabilidade política. Não me parece que haja outra solução de Governo que não a que emana da vontade do povo português hoje manifestada.” Sem responder diretamente à questão, garantiu com um novo mantra: o “sim é sim”. “Quanto aos nossos compromissos, já mostramos que temos palavra e cumprimos a nossa palavra. Não vou estar aqui a teorizar. Dentro dos compromissos que assumi na AD e no espírito de sim é sim a Portugal vai prevalecer o sentido de responsabilidade”.

O esclarecimento acabou por surgir na manhã seguinte através de Paulo Rangel. Numa entrevista exclusiva à Euronews, o ministro dos Negócios Estrangeiros reconheceu que a AD não obteve uma maioria absoluta e que tal não será possível nem com os liberais, mas garantiu: “Ficou muito claro na campanha e mesmo no ano passado que a AD não vai fazer nenhuma coligação formal ou de Governo com o Chega. Isto é claro.” Para Paulo Rangel, nada mudou em relação ao que aconteceu nos últimos 11 meses. “Temos de negociar todos os dossiês. O ano passado pudemos fazê-lo com o Partido Socialista em matérias importantes. Em muitos assuntos houve votos no Parlamento em que todas as formações, incluindo o Chega, puderam votar em determinadas matérias. Mas não uma coligação”, explicou. “Estamos abertos a falar com toda a gente. Isto não é novo. É exatamente a doutrina que tivemos. Foi uma doutrina e também uma prática nos últimos 11 meses”, concluiu.

Na mesma entrevista, o ministro dos Negócios Estrangeiros considerou que não será “politicamente aceitável” se a AD não puder formar Governo e aprovar o programa no Parlamento. Por esse motivo, afirmou, “não prevejo uma paralisia nos próximos meses”.

É justamente a preocupação com essa paralisia que estará no centro das conversas do Presidente da República com os líderes dos três principais partidos. Marcelo Rebelo de Sousa convocou os responsáveis da AD, do PS e do Chega para reuniões que irão realizar-se esta terça-feira no Palácio de Belém. Todavia, segundo o semanário Expresso, esta será a primeira de duas rondas de conversas que o chefe de Estado pretende manter com os três partidos mais votados – que em conjunto obtiveram mais de 75% dos votos – para “aferir as condições de governabilidade e estabilidade do próximo executivo”. De acordo com o mesmo semanário, o presidente colocará como única condição para convidar um primeiro-ministro a formar governo a certeza de que haverá condições para o executivo entrar em funções.

Nestas conversas será especialmente importante aquela que Marcelo Rebelo de Sousa terá com Pedro Nuno Santos. O secretário-geral socialista demitiu-se na sequência dos resultados eleitorais mas no discurso de demissão afirmou que nunca poderá apoiar um Governo da AD e que o PS não deve apoiar um governo liderado por Luís Montenegro que defende não ter “idoneidade” para liderar um executivo. A perspetiva da mudança nos socialistas – e o tempo que demorará – poderá ser determinante para Marcelo Rebelo de Sousa. Mas também para as opções que Luís Montenegro e a AD terão para formar Governo.