Chega ou PS? Maioria relativa da AD exige entendimentos

Chega ou PS? Maioria relativa da AD exige entendimentos


Negociar com o PS pode garantir estabilidade, mas alimentar Ventura. Aproximar-se do Chega pode dar votos, mas destruir pontes. Montenegro enfrenta o maior teste da sua liderança, enquanto o PS aguarda por José Luís Carneiro.


Luís Montenegro venceu — mas não ganhou tudo. A noite eleitoral deste domingo trouxe à AD o primeiro lugar, uma bancada parlamentar reforçada e o peso de governar um país cansado de bloqueios e polarizações. Com uma maioria relativa, o novo primeiro-ministro terá de negociar, ceder e, sobretudo, escolher bem com quem dança.

A nova configuração oferece mais conforto do que a anterior, mas exige mais arte política: a capacidade de dialogar à direita sem romper com o centro, e de piscar ao centro-esquerda sem queimar pontes com os parceiros naturais. Montenegro já disse que não quer repetir o cenário do passado, com orçamentos chumbados e impasses governativos, mas a que custo?

O regresso de José Luís Carneiro

Do lado socialista, um nome começa a ganhar peso nos bastidores: José Luís Carneiro. Segundo fontes próximas, o ex-ministro está a ser “contactado por militantes do PS e membros da sociedade civil”, que o encorajam a avançar.

“É o momento de ouvir, ponderar e depois decidir. Está, como sempre esteve, disponível para servir o Partido Socialista e o país”, garante uma fonte próxima.

A indefinição sobre o novo líder socialista acontece no rescaldo da demissão de Pedro Nuno Santos da liderança do PS, anunciada neste domingo, após aquela que foi a terceira pior derrota eleitoral de sempre dos socialistas.

José Luís Carneiro surge como uma figura com perfil de Estado e, sobretudo, como alguém com quem a AD poderia negociar sem grandes sobressaltos. Recorde-se que em 2023 foi candidato a secretário-geral contra Pedro Nuno Santos, mas acabou por perder.

Menos radical do que ideológico, o seu nome agrada a setores do PSD que desejam entendimentos responsáveis sem hipotecar a identidade da direita moderada.

O momento do PS é, por isso, crucial. Se o partido optar por uma liderança interina até depois das eleições autárquicas, isso pode abrir margem para a viabilização de um Orçamento do Estado, sem grandes negociações — o que facilitaria o trabalho à AD.

Ao longo desta segunda feira, vários socialistas, como Francisco Assis, Adalberto Campos Fernandes, Vieira da Silva e Ana Gomes, foram defendendo que o PS deve viabilizar o governo da AD.

Álvaro Beleza disse à Renascença que “a bem da democracia” e “para evitar entendimentos” da AD com o Chega, os PS deve “já disponibilizar-se para viabilizar o Governo”.

Chega ou PS: com quem dança a AD?

No outro extremo do espectro político, o Chega cresceu (e muito). André Ventura reforçou a sua bancada e, com isso, ganhou mais palco. A relação com o PSD é tensa, mas não inexistente. Há mais pontos de convergência entre os dois partidos do que com o PS — sobretudo em matéria de segurança, justiça e imigração. Mas a tentação de negociar com o Chega traz consigo um custo político elevado: o risco de hostilizar o eleitorado moderado e os parceiros europeus.

Para já, a AD mantém o seu “não é não”. Mas isso não significa que, em certos momentos — como as negociações orçamentais — não possa haver entendimentos pontuais.

Como confidenciou um deputado reeleito do PSD ao nosso jornal: “A grande questão não é se o PSD quer entender-se com o Chega, mas se o Chega quer entender-se com o PSD.” Há reservas mútuas, mas também um jogo de forças em aberto.

A decisão de privilegiar o diálogo com o PS em detrimento de entendimentos com o Chega traz consigo outro risco político: empurrar ainda mais eleitores para Ventura. Muitos dos votos no Chega vêm de um eleitorado que se sente ignorado pelas maiorias tradicionais e frustrado com arranjos entre PS e PSD. Se Montenegro optar por esse caminho, pode estar a alimentar o crescimento de Ventura nas próximas eleições — e abrir-lhe, a médio prazo, as portas de São Bento. Um cenário antes impensável que, agora, já ninguém exclui por completo.

IL fica fora do Governo

A hipótese de uma coligação pós-eleitoral com os liberais foi por água abaixo. A IL conseguiu aumentar de oito para nove o número de deputados na Assembleia da República, mas o crescimento ficou aquém do que seria esperado.

Rui Rocha admite que “era óbvio que queria mais” e que o resultado representou uma “derrota” no que diz respeito à possibilidade de “maiorias que integrassem a IL”. O presidente da IL considera que “as maiorias possíveis estão constituídas” e o lugar do partido “será no Parlamento, continuando a defender as nossas ideias”.

Também não seria do interesse do Governo abrir a porta a coligações com os liberais, correndo o risco de comprometer entendimentos com outras forças políticas. Ainda assim, a IL pode vir a ser um aliado estratégico em votações-chave, desde que mantenha alguma autonomia.

Silêncio estratégico, expectativa coletiva

Por enquanto, reina o silêncio. Ninguém quer precipitar grandes declarações que fechem portas antes do tempo. O clima é de escuta. Espera-se para ver o que o PS fará e quando. Montenegro sabe que cada gesto agora pode definir o tom da legislatura.

Uma aliança precipitada com o Chega poderia empurrar o PS para a oposição mais dura. Um bloqueio generalizado poderia dar trunfos a Ventura — e o risco maior: voltar às urnas, com um Chega ainda mais forte e com ambições de liderar um governo no futuro.