Vai trabalhar, Luís!


Os portugueses deram a Montenegro a condição mínima suficiente para trabalhar mais e melhor e mostraram ao comentariado e ao PS que estão cansados deles.


1. A vitória da AD é tão indiscutível quanto frágil. Luís Montenegro recebeu um limitado voto de confiança dos portugueses. Teve uma vitória difícil, tanto porque outros falharam (como a IL e o inútil CDS) como por culpa própria. Dentro das circunstâncias, Montenegro fez a sua parte, mas ficou evidente que não é um segundo Cavaco. Longe disso. A vitória proclamada pode ser como a de Pirro. Bem vistas as coisas, a AD não tem mais margem de manobra parlamentar do que antes. A sua supremacia é mais formal do que real. Vai andar sempre no fio da navalha. O resultado foi um terramoto seguido de um tsunami semelhante ao que se tem visto na Europa. Levou mais tempo a chegar cá, mas aconteceu. O fenómeno Ventura cresceu ainda mais. Se os resultados da emigração forem o que se prevê, deve trazê-lo para o segundo lugar e dar-lhe a liderança da oposição, o que implica uma série de precedências, se a tradição se mantiver. Se assim não for e continuar a ostracizar-se o Chega, o mais provável é ele voltar a subir no futuro. Pedro Nuno Santos e o PS espalharam-se ao comprido. O PS está novamente sem chefe e sem soluções óbvias. Não é evidente que não lhe possa acontecer o mesmo que aos congéneres francês e italiano a médio prazo. Foi humilhado por erros de uma liderança precipitada e imatura e pela acumulação de incompetência, más soluções e malabarismos políticos praticados no tempo de Costa. O caso da imigração era mais do que óbvio e, como é evidente, foi esse um dos impulsos que deu uma dinâmica inaudita a uma direita radical, mas que não é extrema e muito menos fascista. A insegurança, a violência de gangues e étnica, a falha da saúde e os casos sucessivos de corrupção no mainstream político fizeram o resto. Possivelmente, Ventura poderia até ter tido mais margem de crescimento se não tivesse na sua bancada um nível tão grande de indigência política, que ele esconde muito bem ao aparecer sozinho em palco sempre que pode. Cabe a Montenegro encontrar, neste emaranhado, as pontes da governabilidade e fazer reformas práticas que não matem a nossa desgraçada classe média. Não é fácil, mas é possível. Vai dar é muito trabalho no governo, no Parlamento (vai ser difícil eleger um novo presidente), nas grandes empresas e institutos do Estado, na rua, exigindo uma equipa bem melhor do que a que tinha até agora. Não há tempo a perder. Há que ter consciência que a oposição vai ter muitos tipos de expressão, nomeadamente na rua, onde movimentos grevistas se vão multiplicar, exigindo mão firme do executivo. O varrimento prodigioso do Bloco de Esquerda vai transferir e intensificar a intervenção de um gigantesco naipe de comentadores mediáticos de todo o tipo de esquerdas que pululam na comunicação, mas pouco percebem do que se passa na sociedade real, na província, nos subúrbios, nos hospitais, na segurança social, nos autocarros, nos comboios, nas feiras, nos clientes dos supermercados, nos velhos receosos e nos novos sem soluções. O novo quadro é tão inesperado que dá à direita somada a possibilidade de ter dois terços do Parlamento e de poder fazer uma revisão que apague o anacrónico “a caminho do socialismo” da constituição da República. A 18 de maio, erraram todos! Designadamente os homens das sondagens antecipadas. Nem a furiosa e despudorada campanha de Araújo Pereira teve efeito. Os bobos fazem rir, mas não riscam nada. Talvez até o sectarismo tenha sido uma preciosa ajuda para Ventura. Desta vez é inequívoco. Portugal mudou. A simplicidade da alternância PS/PSD já era. Um Bloco Central formal tipo alemão só iria alimentar a direita e guindar o Chega ao nível de um AfD cá do sítio. Entrámos no tripartidarismo europeu. Temos ainda assim a vantagem de Ventura, à beira de liderar a oposição, ser ocidental, atlantista, católico, defensor da Ucrânia e antiputinista. Valha-nos isso, esperando que nesse ponto não mude.

2. Os resultados eleitorais aí estão. São o que são e resta ver os da emigração para se fechar este ciclo. Mas há uma coisa que parece certa. Ainda que pontualmente, o caso Spinumviva (que obviamente espoletou boa parte da aceleração política) não vai ainda sair do radar da atualidade, embora seja irrelevante para os portugueses. Por mais voltas que se dê e por mais esclarecido que o assunto aparente estar, eleições não são apagadores de nada. Apenas dão legitimidade política, a qual, em rigor, é conferida aos partidos e não pessoalmente aos líderes, por mais que lhes custe a eles e aos seus apaniguados. É improvável e indesejável que haja comissão parlamentar, mas o tema andará por aí. Ao sabor de muita coisa, desde logo do Ministério Público.

3. Embora não seja uma evidência imediata, o terramoto eleitoral significa que, no futuro, o papel do próximo Presidente da República e o de Marcelo Rebelo de Sousa, até ser rendido, vão ser determinantes. Isto porque a maioria de dois terços criada à direita tem, desde logo – enfatize-se –, poderes constitucionais, se o desejar, além de ser determinante para muitas eleições, como as dos juízes do Tribunal Constitucional e do presidente do Conselho Económico e Social. E também porque vai ser preciso deslindar muitos nós essenciais, como o orçamento. Para isso vai contar muito a experiência e a intermediação política do próximo inquilino de Belém. No naipe de candidatos existentes, só mesmo Luís Marques Mendes apresenta experiência e demonstrada capacidade de diálogo suficiente com todos os lados. Foi, aliás, ele que discutiu com o PS a última revisão constitucional. Enquanto comentador, Mendes percebeu sempre o crescimento do Chega, sem tentar ostracizá-lo. Há um treino e uma perceção essencial necessária a qualquer Presidente, porque é ele, em última instância, quem tem o poder de dissolução do Parlamento, vulgarmente chamado de bomba atómica política. Estamos numa fase de “politique d’abord” preconizada por Charles Maurras, um histórico líder da extrema-direita francesa. Significa que é preciso dar resposta política aos problemas sociais do país real. E problemas reais é coisa que Portugal tem acumulado às pazadas e cuja resolução também passa por Belém.

4. A escassos três dias do fim da campanha eleitoral, Gouveia e Melo confirmou, entretanto, que é candidato a Belém, coisa que qualquer pessoa normal sabia desde a pandemia. As razões apresentadas foram pitorescas, indo da necessidade de estabilidade à guerra da Ucrânia (a invasão da Crimeia foi em 2014, Santos Deus!), passando pela eleição de Trump e a prosaica necessidade de mandar os convites a tempo da sua apresentação, a 29 de maio. Pouco depois do anúncio, alguém fazia saber ao Expresso que Gouveia e Melo estava arrependido de o ter feito, por ter prometido nada dizer até às legislativas. Já tivemos em Belém um outro almirante. Também tinha tiradas que o celebrizaram, como a que disse numa visita: “esta é a primeira vez que aqui estou, desde a última vez que cá estive”. Já no Alta Definição, da SIC, Gouveia Melo esteve bem. O relato da sua vida, especialmente a da juventude e a de submarinista comandante, deve ter sido útil politicamente.

5 A paciência dos mais pobres e desafortunados de Portugal é inesgotável. Depois de dias sucessivos sem comboios, chegam greves da função pública e em Lisboa do Metro, Transtejo e Carris. À diminuta expressão eleitoral dos agitadores político-sindicais corresponde uma exorbitante capacidade de boicote do funcionamento regular da sociedade. Noutras paragens, situações semelhantes levam a atos extremos dos utentes. Mas os ativistas sindicais que não tenham ilusões. Os resultados eleitorais mostram que quem utiliza a sabotagem económica como forma de luta está em perda a favor de opções musculadas.

6. Igual a si próprio, o Presidente Marcelo anunciou, inopinadamente, que depois de sair da presidência vai dar aulas a jovens do segundo ciclo e secundário, começando pelo interior do país. O plano vale por dois anos, ou seja, até aos 80. Também disse que vai abdicar da pensão de ex-Presidente, optando por não acumular com a correspondente aos dos seus descontos como professor e jurisconsulto. É uma opção que, no entanto, não deve deslustrar quem não fez o mesmo. O Presidente tem ainda direito a segurança, carro e gabinete, benesses que também não parecem estar nos seus planos. Esperemos, no entanto, que não abdique de responsabilidades (Conselho de Estado, por exemplo), visto que, entre nós e em França, os ex-presidentes funcionam como uma espécie de supra senadores, cuja voz é ouvida e respeitada, como se vê com Cavaco Silva e Ramalho Eanes e sucedia também com Soares e Sampaio

7. Morreu Delfim Rodrigues. Tinha 71 anos e uma carreira ímpar no SNS. Foi diretor-geral da Saúde, administrador do hospital de Guimarães e, atualmente, coordenava “a estratégia nacional para implementação da hospitalização domiciliária”, matéria em que foi pioneiro e grande dinamizador. Esta estratégia é essencial para descongestionar certas unidades e confere melhor conforto aos doentes que têm condições para aderir. Quem com ele trabalhou afirma que Delfim Rodrigues deixa saudades e um vazio profissional difícil de preencher.

Vai trabalhar, Luís!


Os portugueses deram a Montenegro a condição mínima suficiente para trabalhar mais e melhor e mostraram ao comentariado e ao PS que estão cansados deles.


1. A vitória da AD é tão indiscutível quanto frágil. Luís Montenegro recebeu um limitado voto de confiança dos portugueses. Teve uma vitória difícil, tanto porque outros falharam (como a IL e o inútil CDS) como por culpa própria. Dentro das circunstâncias, Montenegro fez a sua parte, mas ficou evidente que não é um segundo Cavaco. Longe disso. A vitória proclamada pode ser como a de Pirro. Bem vistas as coisas, a AD não tem mais margem de manobra parlamentar do que antes. A sua supremacia é mais formal do que real. Vai andar sempre no fio da navalha. O resultado foi um terramoto seguido de um tsunami semelhante ao que se tem visto na Europa. Levou mais tempo a chegar cá, mas aconteceu. O fenómeno Ventura cresceu ainda mais. Se os resultados da emigração forem o que se prevê, deve trazê-lo para o segundo lugar e dar-lhe a liderança da oposição, o que implica uma série de precedências, se a tradição se mantiver. Se assim não for e continuar a ostracizar-se o Chega, o mais provável é ele voltar a subir no futuro. Pedro Nuno Santos e o PS espalharam-se ao comprido. O PS está novamente sem chefe e sem soluções óbvias. Não é evidente que não lhe possa acontecer o mesmo que aos congéneres francês e italiano a médio prazo. Foi humilhado por erros de uma liderança precipitada e imatura e pela acumulação de incompetência, más soluções e malabarismos políticos praticados no tempo de Costa. O caso da imigração era mais do que óbvio e, como é evidente, foi esse um dos impulsos que deu uma dinâmica inaudita a uma direita radical, mas que não é extrema e muito menos fascista. A insegurança, a violência de gangues e étnica, a falha da saúde e os casos sucessivos de corrupção no mainstream político fizeram o resto. Possivelmente, Ventura poderia até ter tido mais margem de crescimento se não tivesse na sua bancada um nível tão grande de indigência política, que ele esconde muito bem ao aparecer sozinho em palco sempre que pode. Cabe a Montenegro encontrar, neste emaranhado, as pontes da governabilidade e fazer reformas práticas que não matem a nossa desgraçada classe média. Não é fácil, mas é possível. Vai dar é muito trabalho no governo, no Parlamento (vai ser difícil eleger um novo presidente), nas grandes empresas e institutos do Estado, na rua, exigindo uma equipa bem melhor do que a que tinha até agora. Não há tempo a perder. Há que ter consciência que a oposição vai ter muitos tipos de expressão, nomeadamente na rua, onde movimentos grevistas se vão multiplicar, exigindo mão firme do executivo. O varrimento prodigioso do Bloco de Esquerda vai transferir e intensificar a intervenção de um gigantesco naipe de comentadores mediáticos de todo o tipo de esquerdas que pululam na comunicação, mas pouco percebem do que se passa na sociedade real, na província, nos subúrbios, nos hospitais, na segurança social, nos autocarros, nos comboios, nas feiras, nos clientes dos supermercados, nos velhos receosos e nos novos sem soluções. O novo quadro é tão inesperado que dá à direita somada a possibilidade de ter dois terços do Parlamento e de poder fazer uma revisão que apague o anacrónico “a caminho do socialismo” da constituição da República. A 18 de maio, erraram todos! Designadamente os homens das sondagens antecipadas. Nem a furiosa e despudorada campanha de Araújo Pereira teve efeito. Os bobos fazem rir, mas não riscam nada. Talvez até o sectarismo tenha sido uma preciosa ajuda para Ventura. Desta vez é inequívoco. Portugal mudou. A simplicidade da alternância PS/PSD já era. Um Bloco Central formal tipo alemão só iria alimentar a direita e guindar o Chega ao nível de um AfD cá do sítio. Entrámos no tripartidarismo europeu. Temos ainda assim a vantagem de Ventura, à beira de liderar a oposição, ser ocidental, atlantista, católico, defensor da Ucrânia e antiputinista. Valha-nos isso, esperando que nesse ponto não mude.

2. Os resultados eleitorais aí estão. São o que são e resta ver os da emigração para se fechar este ciclo. Mas há uma coisa que parece certa. Ainda que pontualmente, o caso Spinumviva (que obviamente espoletou boa parte da aceleração política) não vai ainda sair do radar da atualidade, embora seja irrelevante para os portugueses. Por mais voltas que se dê e por mais esclarecido que o assunto aparente estar, eleições não são apagadores de nada. Apenas dão legitimidade política, a qual, em rigor, é conferida aos partidos e não pessoalmente aos líderes, por mais que lhes custe a eles e aos seus apaniguados. É improvável e indesejável que haja comissão parlamentar, mas o tema andará por aí. Ao sabor de muita coisa, desde logo do Ministério Público.

3. Embora não seja uma evidência imediata, o terramoto eleitoral significa que, no futuro, o papel do próximo Presidente da República e o de Marcelo Rebelo de Sousa, até ser rendido, vão ser determinantes. Isto porque a maioria de dois terços criada à direita tem, desde logo – enfatize-se –, poderes constitucionais, se o desejar, além de ser determinante para muitas eleições, como as dos juízes do Tribunal Constitucional e do presidente do Conselho Económico e Social. E também porque vai ser preciso deslindar muitos nós essenciais, como o orçamento. Para isso vai contar muito a experiência e a intermediação política do próximo inquilino de Belém. No naipe de candidatos existentes, só mesmo Luís Marques Mendes apresenta experiência e demonstrada capacidade de diálogo suficiente com todos os lados. Foi, aliás, ele que discutiu com o PS a última revisão constitucional. Enquanto comentador, Mendes percebeu sempre o crescimento do Chega, sem tentar ostracizá-lo. Há um treino e uma perceção essencial necessária a qualquer Presidente, porque é ele, em última instância, quem tem o poder de dissolução do Parlamento, vulgarmente chamado de bomba atómica política. Estamos numa fase de “politique d’abord” preconizada por Charles Maurras, um histórico líder da extrema-direita francesa. Significa que é preciso dar resposta política aos problemas sociais do país real. E problemas reais é coisa que Portugal tem acumulado às pazadas e cuja resolução também passa por Belém.

4. A escassos três dias do fim da campanha eleitoral, Gouveia e Melo confirmou, entretanto, que é candidato a Belém, coisa que qualquer pessoa normal sabia desde a pandemia. As razões apresentadas foram pitorescas, indo da necessidade de estabilidade à guerra da Ucrânia (a invasão da Crimeia foi em 2014, Santos Deus!), passando pela eleição de Trump e a prosaica necessidade de mandar os convites a tempo da sua apresentação, a 29 de maio. Pouco depois do anúncio, alguém fazia saber ao Expresso que Gouveia e Melo estava arrependido de o ter feito, por ter prometido nada dizer até às legislativas. Já tivemos em Belém um outro almirante. Também tinha tiradas que o celebrizaram, como a que disse numa visita: “esta é a primeira vez que aqui estou, desde a última vez que cá estive”. Já no Alta Definição, da SIC, Gouveia Melo esteve bem. O relato da sua vida, especialmente a da juventude e a de submarinista comandante, deve ter sido útil politicamente.

5 A paciência dos mais pobres e desafortunados de Portugal é inesgotável. Depois de dias sucessivos sem comboios, chegam greves da função pública e em Lisboa do Metro, Transtejo e Carris. À diminuta expressão eleitoral dos agitadores político-sindicais corresponde uma exorbitante capacidade de boicote do funcionamento regular da sociedade. Noutras paragens, situações semelhantes levam a atos extremos dos utentes. Mas os ativistas sindicais que não tenham ilusões. Os resultados eleitorais mostram que quem utiliza a sabotagem económica como forma de luta está em perda a favor de opções musculadas.

6. Igual a si próprio, o Presidente Marcelo anunciou, inopinadamente, que depois de sair da presidência vai dar aulas a jovens do segundo ciclo e secundário, começando pelo interior do país. O plano vale por dois anos, ou seja, até aos 80. Também disse que vai abdicar da pensão de ex-Presidente, optando por não acumular com a correspondente aos dos seus descontos como professor e jurisconsulto. É uma opção que, no entanto, não deve deslustrar quem não fez o mesmo. O Presidente tem ainda direito a segurança, carro e gabinete, benesses que também não parecem estar nos seus planos. Esperemos, no entanto, que não abdique de responsabilidades (Conselho de Estado, por exemplo), visto que, entre nós e em França, os ex-presidentes funcionam como uma espécie de supra senadores, cuja voz é ouvida e respeitada, como se vê com Cavaco Silva e Ramalho Eanes e sucedia também com Soares e Sampaio

7. Morreu Delfim Rodrigues. Tinha 71 anos e uma carreira ímpar no SNS. Foi diretor-geral da Saúde, administrador do hospital de Guimarães e, atualmente, coordenava “a estratégia nacional para implementação da hospitalização domiciliária”, matéria em que foi pioneiro e grande dinamizador. Esta estratégia é essencial para descongestionar certas unidades e confere melhor conforto aos doentes que têm condições para aderir. Quem com ele trabalhou afirma que Delfim Rodrigues deixa saudades e um vazio profissional difícil de preencher.