O Partido Socialista sairá destas eleições legislativas antecipadas em terceiro lugar, perdendo a liderança da oposição e a relevância para a realização de uma revisão constitucional que sempre teve na democracia portuguesa. A Esquerda terá uma representação de cerca de um terço da composição do parlamento, numa desproporção com a direita sem igual em 51 anos de democracia. Esta não é uma herança de um homem só, mesmo que aforrado por um desígnio geracional de uma vida e por endossos seniores mais ou menos envenenados. Este é um estado da arte que resulta de uma obra coletiva, expectável e que tive oportunidade de abordar aqui ao longo dos últimos 15 anos. Não é apenas o resultado de uma circunstância, mas de uma alteração paulatina, sustentada e em modo de deriva do Partido Socialista, com um interlúdio da liderança de António José Seguro que estancou o partido de pagar uma fatura maior do pior da governação de José Sócrates, que, no entanto, em diversas áreas teve uma visão para o país ainda hoje perdura, coisa que foi inexistente na governação posterior.
São 3 os erros de palmatória da liderança de circunstância e do coletivo envolvente que levou o PS e a Esquerda aos atuais resultados eleitorais, num quadro de desastre e miséria com inegáveis projeções nas eleições autárquicas que se seguem, pela força que dá à direita.
O erro da incapacidade da autocrítica ao exercício político anterior, da geringonça à maioria absoluta, num quadro de mera reposição de rendimentos, de gestão da circunstâncias, de deriva esquerdista contraditória com a matriz histórica do partido e de uma narrativa e ação política, no mínimo, desatenta aos sinais, inconsistente nas soluções, frágil nos resultados, pejada de polémicas e promotora da extrema-direita por falta de intervenção nas causas da sua afirmação, concentrada que estava apenas na verve e na sobrevivência política. Excetuando o ajuste na imigração, principal causa de afirmação da extrema-direita com a projeção que tem, o Partido Socialista foi incapaz de fazer a autocrítica de 8 anos de governação, que se impunha, porque é essa a conceção de vivência partidária vigente e os protagonistas eram todos parte dessa equação. Não houve nenhum corte com o passado, de protagonistas ou de políticas, cortaram os portugueses com o Partido Socialista, com evidentes transferências diretas de eleitores do voto socialista para o voto no Chega em diversos distritos. O drama eleitoral será resgatar esses votos que a esquerda perdeu para a extrema-direita, sem nenhuma paragem nas estações e apeadeiros intermédios, fruto do cansaço com um posicionamento, uma narrativa e uma proposta política desfasada da realidade e com demasiados passivos acumulados.
O erro de um sustentado posicionamento à esquerda da matriz do Partido Socialista, impossível de mascarar em rota de eleições, pelos protagonistas escolhidos, pelas exclusões, pela proposta política de mais do mesmo, sem correções substanciais em relação aos 8 anos de governação de António Costa, de um baralhar para dar de novo, sem projeções estruturais de anteriores governos PS e com respostas para nichos eleitorais e outras coisas que tais, enquanto ignorava os sinais disruptivos de cansaço cívico e eleitoral individuais e comunitários. Uma incapacidade para, sem perder as raízes fundadoras e a matriz social-democrata europeia, atualizar a proposta política sintonizando-a com a realidade e com os desafios das transformações vitais para uma sociedade melhor, focada no interesse geral e no bem comum, não em agendas particulares ou nichos eleitorais de afago quando a maioria não tem o essencial, por exemplo, no acesso aos serviços públicos.
O erro de persistir na transmutação do perfil da militância partidária, cada vez mais tribalista, menos exigente no pensamento, mais comprometida com um pragmatismo de “o que é ganho com isto”, num quadro em que, amiúde, os fins parecem justificar todos os meios. Não houve nenhum esforço pedagógico e cívico para inverter a lógica da política de trincheira em que o que o partido diz é lei e o que os outros proferem é sempre para deitar abaixo, sendo o diálogo e o compromisso, não só exceções, como parte da tática política para a obtenção de determinadas perceções ou objetivos. O problema é que, sem compromisso entre os que eram os 2 maiores partidos, quase tudo seria de turno, insustentável e sem consistência, suscetível de alteração à primeira mudança de governo, incapaz de resolver problemas estruturais do país. Afastado do centro eleitoral, com o partido cada vez mais dependente do eleitorado mais idosos e sem capacidade de atração dos jovens e da classe média, teorizou-se sobre o bloco central e a sua propensão para a valorização dos extremos. A verdade é que a extrema-direita pegou de estaca e os problemas estruturais continuam por resolver.
Face ao desastre eleitoral, Pedro Nuno Santos demitiu-se de líder do PS, deixando um grupo parlamentar configurado à sua liderança e ao perfil de partido que formatou, num quadro em que o problema da governabilidade persistirá, com eleitores cansados de tantos atos eleitorais e ainda mais da falta de respostas para os seus problemas. O problema do PS nunca foi só da cereja no topo do bolo em cada circunstância, mas sobretudo da incapacidade para identificar e aprender com os erros, por decoro a quem exerceu o poder, uma acefalia democrática cuja projeção eleitoral está à vista, depois de se ignorar os sinais que a sociedade vai emanando, alguns quase em código morse de SOS. Se se prosseguir só na mudança de cereja, o mais certo é o partido ficar cada vez mais poucochinho e muito longe dos 31,4% das europeias de 2014.
NOTAS FINAIS
E AGORA O PAÍS. É tempo de “voltar à vaca fria”. Depois de uma campanha eleitoral que quase não discutiu a Europa, a Defesa e os impactos das taxas de Trump e outras diatribes transatlânticas é tempo de regressar à realidade. Portugal perdeu nas semanas eleitorais muitos comboios de iniciativas nacionais bilaterais, veja-se a Espanha, e de iniciativas de estados-membros ou da União Europeia.
PORTUGAL EM CONTRAMÃO. Num fim de semana em que na Roménia e na Polónia o populismo, o nacionalismo e a extrema-direita foram contidos, em Portugal, a extrema-direita populista está a caminho de ser a 2ª força política no parlamento. É o que faz a verborreia sem intervenção nas causas do fenómeno. Tudo errado e tem autores. É um resultado com assinatura e não é do Ventura.
GRANDE ALVERCA!!! Depois da desilusão benfiquista (Parabéns aos sportinguistas), só mesmo a alegria de ver o Alverca regressar à primeira divisão mais de duas décadas depois. Parabéns ao Fernando Orge e à sua equipa por colocarem o Alverca a voar.